A movimentação de governos de diversos estados para possibilidade de retomada das aulas presenciais ainda este ano é vista com preocupação por especialistas em saúde e educação. Na semana passada, o governo de São Paulo informou que as atividades nas escolas devem voltar a partir de setembro com esquema de revezamento e limite de pessoas no ambiente a cada dia.
Em Santa Catarina, o governo enviou questionários para a comunidade escolar com consultas sobre a possibilidade de retorno ainda este ano ou apenas em 2021. Em Rondônia, a gestão estadual já havia divulgado a possibilidade de que estudantes voltassem às escolas em agosto e o assunto segue em análise. No Rio Grande do Sul havia um plano de retomada com previsão de início em julho, mas diante do crescimento da pandemia, o governo voltou atrás e o assunto segue indefinido.
Para quem atua na área, a pressa deveria dar lugar a implementação de sistemas realmente funcionais para as aulas remotas. No caso de São Paulo, onde a intenção do governo já têm data marcada, a Secretaria de Educação planeja a combinação de aulas presenciais e à distância. O retorno ocorrerá em três níveis. Na primeira etapa da retomada das aulas, as atividades retornarão com 35% dos alunos, desde que se preserve o distanciamento de 1,5 metro. Uma segunda etapa colocaria de volta ao ambiente escolar 70% dos estudantes, até o avanço para a terceira etapa com 100% de retorno.
Problemas históricos e desigualdade
A especialista em educação, Catarina de Almeida Santos, afirma que qualquer decisão precisa ter parâmetros de saúde que comprovem as condições do país frente à pandemia. A educadora, que é uma das coordenadoras da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ressalta problemas estruturais da educação brasileira que trazem ainda mais risco.
“As turmas são de 20, 30, 40, 50, 60 alunos. A gente olha para a infraestrutura escolar do país e nós vamos ter as piores condições possíveis. Salas com janelas emperradas, sem circulação, transformação de lugares que eram almoxarifados em salas de aula. A única coisa que nós não temos nesse país é uma infraestrutura escolar nas condições adequadas de estudo sem a epidemia. Com a epidemia, esse problema se amplia", observa Catarina.
Ela aponta ainda que faltam dados para um planejamento adequado. "Eu não conheço um sistema de ensino que te apresente um diagnóstico real de quais são as condições objetivas de cada escola, as características das salas, a quantidade de aluno por sala, as condições de saúde dos alunos e dos professores. Quais são as condições de saúde, de idade? A partir desse perfil eu preciso desenhar o que essa rede vai ter que fazer, como é que ela vai ter que reestruturar a escola e como é que a gente vai repensar o currículo. Inclusive para as pessoas terem outra postura diante da lógica de uma pandemia”, completa.
Ainda segundo a educadora o modelo escalonado vai excluir e expor ainda mais estudantes que já vivem dificuldades de acesso. “Quem é que vai garantir material de proteção individual? Quem é que vai garantir as equipes de apoio que precisarão fazer uma higienização das escolas? Como você vai manter, nessas salas sem ventilação, a distância entre pessoas?", questiona.
"Tem que trocar os equipamentos de proteção, como a máscara, de duas em duas horas. A população brasileira não tem dinheiro para levar esse kit de máscara para a escola e ficar trocando. Se 35% vão, os outros vão para onde? Quem são os que vão? A partir de que critérios? É um conjunto de questões que o nosso Estado objetivamente não está olhando”, diz Catarina.
No Congresso
Atualmente há um projeto de lei em discussão na Câmara Federal para criar uma estratégia nacional para retorno às aulas durante a pandemia. O texto determina que a retomada seja organizada colaborativamente entre estados e municípios, respeitando as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e das autoridades sanitárias brasileiras. Para isso, será preciso seguir princípios de prevenção do contágio, igualdade no acesso e aprendizado, alocação de recursos e atenção à saúde física e mental das comunidades escolares.
Com intenção de garantir participação de todos nas decisões - o texto prevê a criação de uma comissão nacional presidida pelo Ministério da Educação e com representantes dos professores e dos estudantes -. o grupo teria ainda participação do Ministério da Saúde, do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e do Conselho Nacional de Educação.
(Fonte: www.brasildefato.com.br)
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