Procurador do MPT em Friburgo comenta recuo de Bolsonaro na MP trabalhista

“O artigo 18 da MP 927 teria o potencial de matar o trabalhador não de coronavírus, mas de fome”, diz Jefferson Rodrigues
segunda-feira, 23 de março de 2020
por Jornal A Voz da Serra
Foto: Sergio Lima/ AFP
Foto: Sergio Lima/ AFP

Diante da pandemia do coronavírus, o Governo Federal editou na noite do último domingo, 22, publicado na edição extra 55-L do Diário Oficial da União, a Medida Provisória 927 que dispõe sobre as ações trabalhistas para enfrentamento da calamidade pública reconhecida pelo Decreto Legislativo 6, do último dia 20. Na tarde de ontem, 23,  o presidente Jair Bolsonaro revogou o artigo 18 da MP 927 que permitia a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses sem salário”.

A VOZ DA SERRA conversou com o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Nova Friburgo, Jefferson Rodrigues, sobre a atuação do órgão e o impacto da nova legislação para os trabalhadores e empresas

AVS: Como o MPT vem atuando diante a pandemia?

Jefferson Rodrigues: 

O MPT vem atuando intensamente com ações próprias ou em conjunto com o MP do Estado do Rio e o MP Federal. Eem Nova Friburgo, na semana passada, recomendamos às secretárias de saúde dos 13 municípios de nossa circunscrição, que adotassem providências para garantir equipamentos de proteção a todos os profissionais de saúde que estão no front dessa batalha. Estamos preocupados e apoiamos as medidas técnicas de saúde pública, sobretudo quanto à necessidade de conscientizar a todos sobre a importância do isolamento social.

A MP 927 auxilia a resolução da questão trabalhista gerada pela interrupção da atividade econômica decorrente do isolamento social?

A MP 927 é objeto de muitas críticas. Ela desconsidera, por completo, a existência de uma Constituição Federal, sobretudo os dispositivos que orientam a necessidade de diálogo entre patrão e empregado com a representação dos trabalhadores pelos sindicatos. O diálogo, o consenso setorial, entre os trabalhadores, por intermédio dos seus sindicatos, com os empresários, seria fundamental para superarmos esse momento trágico por todos vivenciados.

Aqui em Nova Friburgo, no setor do vestuário, os empresários e o trabalhadores, esses representados pelo sindicato, deram uma demonstração fundamental de maturidade e de diálogo com a negociação de um instrumento coletivo que veio a atender a ambos. O diálogo é que deve existir e se fortalecer neste momento.

O que a MP 927 conseguiu, ao estipular o acordo direto que, na prática, revela uma imposição, pois não há negociação possível em um cenário de desemprego, de medo, de desiquilíbrio entra as partes, foi simplesmente jogar álcool na fogueira. Ela acirrará as contradições sociais, além de elevar a tensão entre patrão e empregado, multiplicando, ao final, a miséria e contribuindo para desaquecer ainda mais uma economia já combalida.

O artigo 18 era prejudicial ao trabalhador?

Esse artigo era prejudicial à sociedade brasileira. Ele permitia, com o cruel argumento de “direcionar o trabalhador para a qualificação”, a suspensão do contrato de trabalho pelo patrão, em acordo individual, de forma que o empregado fosse mandado para casa sem nada a receber, sem dinheiro para comprar comida para a sua família ou sabão para lavar as mãos, por todo esse período de isolamento social.  E se isso durar quatro meses, como dizem os especialistas? O artigo 18, suspenso em boa hora, teria o potencial de matar o trabalhador brasileiro não de coronavírus, mas de fome.

Essa MP 927 traz insegurança jurídica aos empregadores?

Sem a menor dúvida. É importante manter as empresas? Isso é um fato, é uma preocupação que deve ser considerada por todos nós. Mas isso não pode ser feito às custas da miséria social. Também é importante privilegiar o diálogo, a negociação coletiva. As categorias devem ser instadas a negociar. Imposição só irá gerar mais tensão e nervosismo. O MPT já expediu nota técnica no sentido de que as empresas e sindicatos negociem, ainda que por videoconferência. Estamos aptos a mediar uma solução negociada. Deve ser seguido o exemplo seguro da negociação coletiva entre patrão e empregado daqui, do setor de vestuário de Nova Friburgo. Não foi o ideal para ninguém, mas o que se conseguiu de melhor para ambos. A “facilidade” gerada com a negociação direta trazida pela MP 927, com a suspensão contratual em seguida revogada e que não dava direito algum para o trabalhador, poderia ter tido um preço altíssimo. Não há tranquilidade quando os pais e mães, em casa, não têm dinheiro para comprar comida para os seus filhos. Não se trata somente de uma questão jurídico-trabalhista, mas sobretudo uma necessidade de sobrevivência das pessoas, de manutenção da própria vida em sociedade.   

 

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