O brasileiro é, essencialmente, uma pessoa boa. Ajuda, sim, sem pensar duas vezes. Porém, ainda não tem incutida nele a cultura da doação. Da mesma forma que é bom, também é desconfiado.
Somos um país em que a resistência em doar é proporcional à desconfiança. Está aí, talvez, o grande problema para que o ato de doar não seja uma constante em sua vida?
Todavia, em momentos mais críticos, ele se mostra solidário. Mas é um povo que tem na ajuda direta, seja com mantimentos, roupas ou mesmo mão de obra, um costume mais arraigado. Entretanto, o ato de doar em espécie (dinheiro) não.
No começo da pandemia houve certo aumento no volume de doações. Talvez em razão do sentimento de solidariedade, de se ajudar quem estava em situação mais delicada. Porém, esse momento passou e as doações vêm diminuindo consideravelmente.
O que se vê atualmente é que o isolamento social vem perdendo força em muitas cidades e as pessoas tendem a estar mais intolerantes e menos dispostas a ajudar. O senso solidário que tiveram no início da quarentena vem diminuindo com o tempo.
Breve cenário da cultura de doação no Brasil
Segundo dados da Pesquisa Doação Brasil — Instituto para o Desenvolvimento do Investimento SociaI (Idis), de 2015, que mostra o que pensam e como se comportam os doadores brasileiros, 77% disseram que fizeram algum tipo de doação. Nesta pesquisa, realizada juntamente com o Gallup, 52% afirmaram que doaram dinheiro, mas somente 46% dessas pessoas doou para uma organização social.
É bom que se entenda que um país que tem a cultura de doação demonstra maturidade e evolução da própria sociedade. A mesma pesquisa mostra que as pessoas se sentem solidárias e sensíveis, mas o que percebemos é que isso não se reflete em números, em valores.
Posição no ranking mundial e perfil de doadores
De acordo com estudo divulgado pelo Idis, o Brasil caiu 47 posições no Ranking Mundial de Solidariedade de 2018 e figura entre os 30 países com pior desempenho no ranking mundial de solidariedade (World Giving Index), organizado pela Charities Aid Foundation (CAF).
Somos o último colocado entre os países da América do Sul e ocupamos a 122ª no mundo. No ano anterior, estávamos em 75º. Pode-se imaginar que a cultura de doação parte muito da cultura de responsabilidade social de cada um.
Ainda segundo esta pesquisa, o doador brasileiro clássico é mulher, acima dos 40 anos, com instrução superior, tem religião, renda acima de dois salários mínimos e mora nas regiões Centro-Oeste, Nordeste ou Norte.
Quando se trata especificamente de doação em dinheiro, há algumas mudanças no Brasil: também é mulher, mas mora no Sudeste ou Nordeste, tem renda acima de quatro salários-mínimos e, quanto maior a idade, mais doa.
Brasileiro precisa se engajar mais
Em se tratando especificamente de doações para combate ao coronavírus, a Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) calcula que a pandemia superou os R$ 6 bilhões e R$ 300 milhões identificados como doações realizadas para combater os impactos da pandemia.
Mas o que organizações de assistência vêm notando é que os bolsos começaram a fechar assim que a pandemia e o isolamento social começaram a ficar ainda mais fortes. Ao que parece, faltou engajamento maior em um momento que mais se necessitava de ajuda.
Para organizações sem fins lucrativos, mas que têm objetivos bem específicos que não somente o de assistência social, a cultura de doação inexistente no Brasil – ou não tão forte – faz com que essas ações sejam prejudicadas. Consequentemente, seus beneficiários diretos e indiretos.
Enfim, doar é mais que um ato de cidadania e solidariedade, ele é capaz de elevar a felicidade do doador e melhorar a vida de quem recebe.
Acontecimentos que incentivam
O que se viu no começo da pandemia e ainda se vê em alguns casos, é que momentos específicos incentivam mais a vontade de doar. Fazem com que se creia até em uma possível cultura de doação nascente. Outro ponto que sempre chama a atenção é quando um artista ou personalidade conhecida esteja envolvida à uma ação. Mesmo assim, não é a ação em si, mas o nome que chama a atenção.
A morte do ator Chadwick Boseman, o Pantera Negra dos filmes da Marvel, ano passado, fez com que doações contra câncer colorretal crescessem 300%.
Não seria difícil enumerar outras organizações que, relacionados a nomes famosos se veem em crescente e constante evolução em número de doações. É louvável, todavia, existem milhares que não estão associadas a personalidades, mas que precisam do apoio do universo anônimo de doadores – aqueles que realmente “põem a mão no bolso”.
Áreas que mais levam brasileiros a doarem
A Pesquisa Doação Brasil também revela que existe interação e sinergia – e uma cultura de doação – quando se caracterizam situações de ameaça de sofrimento para pessoas em situação de fragilidade, fazendo com que responsabilidade social e consciência coletiva cresçam. O estudo aponta quais causas mais sensibilizam as pessoas para uma eventual doação. Na ordem estão:
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saúde (40%)
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crianças (36%)
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combate à fome e à pobreza (29%)
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idosos (21%)
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situações emergenciais – acidentes, catástrofes etc – (12%) e
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educação (11%).
Mentalidade de longo prazo
O mesmo estudo mostra que a esmagadora maioria (72%) concorda que as ONGs dependem das doações de pessoas e empresas para obter recursos e funcionar. Todavia, 40% das pessoas não têm confiança: “o que vão fazer com o meu dinheiro se eu doar?”. Assim, fica claro que falta mais informação e uma cultura de doação nas e das pessoas.
É bom que se tenha em mente que criar uma cultura de doação no Brasil é de fundamental importância, mas não é fácil. Mesmo que 46% das doações institucionais sejam em dinheiro, isso ainda representa muito pouco diante dos desafios diários dessas organizações. Ainda mais quando se percebe como essas entidades podem transformar vidas e propiciar o desenvolvimento da sociedade.
Infelizmente para que esse quadro mude é preciso que se mude também como vemos as questões políticas, econômicas e sociais do país. Temos de ter uma mentalidade de longo prazo e não ver somente o que acontece agora e analisarmos o que se espera da sociedade em alguns anos.
Assim, a cultura de doação não será uma coisa esporádica e sem comprometimento com uma causa, mas um pensamento a longo prazo e que mude o comportamento dos brasileiros de hoje e de amanhã. Consequentemente, a vida dos beneficiados.
(Artigo da ampliar.org.br // Educação)
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