Polêmica: Saudade entra com recurso contra a Alunão e é taxada de transfóbica

Roxo e branco alegou que adversária desfilou com um homem na ala das baianas, o que é proibido. Só que o “homem” em questão é uma mulher trans que, inclusive, fez a alteração de gênero no seu registro civil
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020
por Jornal A Voz da Serra
(Foto: Alunos do Samba)
(Foto: Alunos do Samba)

No domingo de carnaval, Nova Friburgo viveu uma noite histórica com os desfiles das escolas de samba do Grupo Especial, que encantaram e animaram friburguenses e turistas que lotaram a Avenida Alberto Braune até a madrugada de segunda-feira, 24, confirmando a fama da cidade de oferecer o segundo melhor carnaval do Estado, atrás apenas da capital. De acordo com especialistas, os desfiles deste ano foram de alto nível e, pela primeira vez em muitos anos, as quatro agremiações chegam à apuração com chances reais de vencer a disputa.

Porém, dois dias após os desfiles, o que era festa e alegria virou uma grande polêmica devido a um recurso impetrado pela escola de samba Unidos da Saudade, que alegou que a Alunos do Samba teria incluído um homem para desfilar na ala das baianas, o que, pelo regulamento, é proibido. Só que o “homem” a quem a Unidos da Saudade se referiu trata-se de Francisca Monteiro de Souza, de 37 anos, uma mulher trans que, inclusive, fez a alteração de gênero no seu registro civil.

A polêmica ganhou contornos ainda maiores após uma reportagem exibida na terça-feira, 25, pelo telejornal RJ-TV, da Inter TV, em que o presidente da Unidos da Saudade, Luiz Carlos Teixeira, reforçou a denúncia e reafirmou que Francisca não deveria ser considerada uma mulher: “Para nós, ela é homem. Se ela mudou de sexo não importa. O regulamento diz que homem não pode. Quero deixar bem claro que a Saudade não é contra nada. Até porque nossa escola tem um monte de gente. Estamos apenas cumprindo o regulamento que diz que homem não pode. Agora, se ela provar que mudou de sexo e que ela é o que diz ser, tudo bem, a gente retira o recurso”, disse o presidente da Unidos da Saudade.

Alvo da polêmica, Francisca também falou à Inter TV. Ela repudiou as acusações e disse que vai fazer valer seus direitos: “Nunca pensei na minha vida que iria acontecer uma coisa dessas. Para mim são pessoas hipócritas e preconceituosas. Vou entrar com um recurso porque eu tenho meus direitos. O carnaval de Nova Friburgo é montado por gays, lésbicas, trans, travestis, tudo. O pessoal trabalha o ano todo para colocar um carro na avenida, montar as fantasias, para numa hora dessas virem com esse preconceito?”, desabafou Francisca.

Já Alfredo Werly, presidente da Liga Independente das Escolas de Samba e Blocos de Enredo de Nova Friburgo (Liesbenf), rapidamente pôs fim à polêmica ao garantir que o recurso impetrado pela escola de samba do bairro Ypu contra a agremiação de Conselheiro Paulino não será aceito pela Liga: “A Alunos do Samba não será punida por causa dessa questão. Porque a Francisca tem a carteira social que indica que ela é mulher, expedida pelo Detran-RJ conforme a legislação vigente no Brasil”, afirmou o presidente da Liesbenf.

Escolas se manifestam

Ainda na terça-feira, após a polêmica se tornar o assunto do dia na cidade, as duas agremiações envolvidas no caso se manifestaram através de suas páginas oficiais nas redes sociais. A escola de Conselheiro Paulino publicou uma nota de repúdio, que diz que o seguinte, na íntegra:

“O G.R.E.S Alunos do Samba repudia todo e qualquer tipo de preconceito, seja ele religioso, sexual entre outros. Nossa agremiação sempre foi e sempre será uma das maiores entidades democráticas, onde a diversidade e as diferenças serão sempre respeitadas. Fatos como este só demonstram o quanto precisamos rever conceitos e conversar mais sobre discriminação. Carnaval é alegria e em nossa escola todos serão bem recebidos, pois somos todos iguais. A agremiação já entrou com todas as providências cabíveis a respeito deste fato. E se fosse necessário, perderíamos qualquer valor em décimos para que todas as Franciscas, todas as transexuais e homoafetivos pudessem desfilar e se divertir conosco. Assim o faríamos. Somos uma escola de minoria e sempre com nossa humildade levaremos nosso carnaval para a rua, com quem quiser ir junto”.

Já a Unidos da Saudade também se manifestou através de nota, que segue abaixo, também na íntegra: “A diretoria do G.R.E.S. Unidos da Saudade vem a público esclarecer que, em nenhum momento teve a intenção de ofender e discriminar quem quer que seja. O regulamento da Liesbenf determina que não é permitido a participação de nenhuma pessoa do sexo masculino integrando a Ala das Baianas, conforme transcrição seguir a: "Art. 24, I - Desfilar com, no mínimo, dez baianas agrupadas em uma única ala, vestidas com a mesma fantasia, não sendo permitida a presença de pessoas do sexo masculino vestidas com roupas de baianas na ala. A Saudade baseou -se no disposto no referido regulamento. Aproveita para deixar claro que sexo e gênero sexual são coisas distintas e que em nenhum momento sabia que o referido integrante possuía uma identidade de gênero que pudesse permitir, por ser reconhecido juridicamente como mulher, integrar a Ala das Baianas, embora em desacordo com o regulamento. A Saudade sempre acolheu a todos, tendo em vista que muitos de seus integrantes são LGBTs, tanto que, no desfile deste ano tivemos uma integrante trans como destaque central em uma de nossas alegorias e muitas outras pessoas de diversas opções de gênero sexual que fazem parte da nossa escola, desde a diretoria até os desfilantes. Além disso, a Saudade em nenhum momento manifestou-se por nenhuma rede social acerca do fato, pois a intenção da agremiação não era expor, nem discriminar quem quer que seja. Se isto se tornou público, não foi através da agremiação, nem de sua diretoria. A Saudade sempre apoiou e apoiará a causa das inúmeras Marias, Suzanas, Rayssas, Chicas. Enfim, a Saudade sempre irá apoiar e defender as minorias . Sempre teve sua quadra aberta aos movimentos sociais e isso não só agora, pois na década de 80 já fazia "concurso de beleza gay" em sua quadra. Por isso, neste momento, vem a público se redimir com o referido integrante da ala das baianas, que nem sequer conhece pessoalmente. Aproveita para deixar claro que se faz necessário uma mudança no regulamento da Liga quanto ao ponto em questão”.

 

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TAGS: carnaval