Depois de avaliarem os hábitos de vida e a saúde de 15 mil moradores de seis capitais brasileiras durante 10 anos, entre 2008 e 2018, equipes do Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (Elsa-Brasil) construíram um retrato do surgimento e da evolução de algumas doenças crônicas no Brasil e das possíveis interações entre elas.
Com base em entrevistas e exames dos participantes do estudo, médicos e pesquisadores identificaram nessa amostra da população brasileira uma associação conhecida há pelo menos 10 anos em outros países — a de dois tipos de distúrbios psiquiátricos: a depressão e a ansiedade, com o maior risco de doenças cardiovasculares, infarto e acidente vascular cerebral.
Os distúrbios psiquiátricos podem se manifestar em quem tem apenas os sinais mais leves de eventuais problemas cardíacos, de acordo com um artigo de janeiro de 2019 na International Journal of Cardiology.
Distúrbios entre mulheres e homens
A médica Claudia Szlejf, pesquisadora do HU-USP, examinou os dados sobre 13.743 participantes do Elsa-Brasil com idade média de 51,9 anos, sem doença cardíaca diagnosticada, avaliados por meio do índice de massa corporal, hipertensão arterial, diabetes, nível de colesterol, tabagismo, atividade física e dieta.
Metade dos participantes (54,1%) enquadrou-se na categoria de saúde cardiovascular ruim, 38,1% em intermediária e 7,8% em boa. Um em cada quatro participantes tinha algum tipo de distúrbio psiquiátrico, mais comum em mulheres (33,6%) do que em homens (18,4%). Após serem eliminados os efeitos de idade, sexo, raça e consumo de álcool, a depressão foi duas vezes mais frequente em quem tinha saúde cardiovascular intermediária e duas vezes e meia em quem tinha saúde cardiovascular ruim, em comparação com quem tinha saúde ótima.
Já com o transtorno da ansiedade, a frequência foi 20% maior nas pessoas com saúde intermediária e 50% maior nas com saúde ruim. “Os hábitos de vida, como o sedentarismo e a alimentação inadequada, parecem ser uma das chaves dos transtornos psiquiátricos e das doenças cardiovasculares, que acabam se alimentando reciprocamente”, diz a médica Isabela Benseñor, pesquisadora do HU-USP, vice-coordenadora do Elsa-Brasil e coautora desse estudo. Em alguns casos, como ressaltam os pesquisadores, é difícil estabelecer o que aparece primeiro, se o distúrbio psiquiátrico ou os problemas do coração.
A análise das informações deve continuar para, entre outros objetivos, verificar se a depressão poderia efetivamente anteceder as doenças coronarianas, o infarto e o acidente vascular cerebral, embora os distúrbios psiquiátricos possam também surgir depois do primeiro infarto.
“Quem tem depressão tem maior risco de doenças cardiovasculares”, observa o psiquiatra Renério Fraguas Junior, professor do Departamento e do Instituto de Psiquiatria e do HU-USP, que não participa do Elsa-Brasil. Segundo ele, a depressão causa mudanças no organismo – o aumento dos níveis do hormônio cortisol, do estado inflamatório, da agregação plaquetária, entre outros – que favorecem a formação da aterosclerose, o processo básico que causa a obstrução das artérias. “Melhorando a depressão, cai o risco de doenças do coração”, diz Fraguas.
(Fonte: revistapesquisa.fapesp)
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