Toda vez que se aproxima a mudança de uma estação, eu me lembro das cartilhas da minha infância que traziam umas figuras tradicionais para exemplificar as quatro estações do ano. No inverno, um boneco de neve; na primavera, flores; no verão, uma criança com pazinha e balde na praia e, no outono, uma árvore cheia de frutas.
Conforme fui crescendo, olhava para as figurinhas e pensava: como é pequeno o nosso campo de pesquisa e de conhecimentos, pois, vivemos num país tropical, onde há flores e frutas o ano inteiro. Bonecos de neve são apenas para cartões de Natal e o calor jamais cerra as suas portas por completo. Nesse mister, a escola me deixou a ver navios no mar das interrogações. Porém, mamãe me ensinava a ver estrelas e papai me fazia entender o movimento de translação e a dicotomia entre os solstícios e os equinócios. Os solstícios, dois extremos e os equinócios, a igualdade, quando os dias e as noites são iguais.
Papai sempre me convidava para “vigiar” os equinócios. Ele fez um risco de serrote numa cerca de madeira, onde a nossa casa fazia uma sombra. Em seguida, me explicou que aquela sombra estaria sobre o risco, no mesmo horário, perto dos dias 21 de março e 21 de setembro, por volta das 16 horas. Nós festejávamos o outono como os povos antigos e sempre na expectativa de chegar a primavera para conferirmos a sombra sobre o risco na madeira. Era algo singular, mas de grande valor para nós!
Contudo, vou confessar que eu tinha dificuldades de lidar com a chegada do outono. Não devia dizer isso, pois, sendo uma estudante Rosacruz, bastaria a felicidade de celebrar o Ano Novo Rosacruz, em 21 de março. Era um trauma me despedir dos dias claros de verão e do anoitecer mais tarde. Uma sensação de nostalgia saber que a constelação de Órion começaria a se deitar mais cedo no Oeste e, em sua companhia, iriam Aldebarã, Plêiades, Sírius e outros diamantes das fervorosas noites quentes.
O equinócio de outono, para mim, era o prenúncio de uma estação cheia dessas despedidas chorosas. Entretanto, a própria Rosacruz me fez refletir que o Universo, com sua natureza ordeira e resiliente, não iria se dobrar aos meus caprichos. Se eu não gostava de ver os dias ficando menores, então, que eu achasse uma razão para viver melhor na temporada outono/inverno!
E foi exatamente o que eu fiz: o outono não mudaria por mim, mas era imperativo que eu mudasse meu modo de recebê-lo para desfrutar de suas benesses. Era pegar ou lagar a inevitabilidade da mudança. Se eu largasse, sairia no prejuízo. Assim, a partir do meu quintal, comecei a apreciar o que haveria de bom com a chegada do outono. De pronto, nada de cobranças, pois seria inútil desejar a exuberância primaveril do manacá lilás. As orquídeas e os agapantos de novembro, nesse período, ficam em “trabalho remoto”. As sianinhas, com belas flores exóticas, idem.
Em compensação, as alamandas douram o jardim com suas amarelices e eu amo amarelo! Elas brotam nos recônditos mais esquecidos do jardim, onde a quarentena ainda não me deu tempo de cuidar. Talvez tenha sido essa a sua razão de existir – enfeitar cantos sombrios. As sálvias, por exemplo, brotam na maior legião da boa vontade. O ano inteiro elas estão floridas e cativam os beija-flores. O camarão-amarelo me intriga, pois, além do formato esguio da flor, que reluz um amarelo gema, ainda tem a ornamentação de umas folhinhas brancas e delicadas.
Com essas três espécies, as águas de março fecham o verão, mas o espetáculo não desce o pano e há muito mais no meu outono. Avencas, às pencas, a brotação dos limoeiros, o “café filho” carregadinho e ainda nem torrei a colheita do ano passado. Bananas e taiobas em profusão. No momento, nada há de exuberante eclodindo em meu jardim, mas meu olhar busca as minúcias para celebrar mais um outono. A renovação é evidente. E, na quietude outonal, é hora também de renovar as esperanças nos sonhos que a gente tem…
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