Jardim da Lis saúda o outono em toda a sua plenitude

Alamandas, sálvias, avencas, bananas e taiobas explodem em perfumes e cores
sexta-feira, 19 de março de 2021
por Elisabeth Souza Cruz, especial para A VOZ DA SERRA
As flores de outono do jardim de Eçisabeth Souza Cruz, por ela mesma
As flores de outono do jardim de Eçisabeth Souza Cruz, por ela mesma

Toda vez que se aproxima a mudança de uma estação, eu me lembro das cartilhas da minha infância que traziam umas figuras tradicionais para exemplificar as quatro estações do ano. No inverno, um boneco de neve; na primavera, flores; no verão, uma criança com pazinha e balde na praia e, no outono, uma árvore cheia de frutas. 

Conforme fui crescendo, olhava para as figurinhas e pensava: como é pequeno o nosso campo de pesquisa e de conhecimentos, pois, vivemos num país tropical, onde há flores e frutas o ano inteiro. Bonecos de neve são apenas para cartões de Natal e o calor jamais cerra as suas portas por completo. Nesse mister, a escola me deixou a ver navios no mar das interrogações. Porém, mamãe me ensinava a ver estrelas e papai me fazia entender o movimento de translação e a dicotomia entre os solstícios e os equinócios. Os solstícios, dois extremos e os equinócios, a igualdade, quando os dias e as noites são iguais.

Papai sempre me convidava para “vigiar” os equinócios. Ele fez um risco de serrote numa cerca de madeira, onde a nossa casa fazia uma sombra. Em seguida, me explicou que aquela sombra estaria sobre o risco, no mesmo horário, perto dos dias 21 de março e  21 de setembro, por volta das 16 horas. Nós festejávamos o outono como os povos antigos e sempre na expectativa de chegar a primavera para conferirmos a sombra sobre o risco na madeira. Era algo singular, mas de grande valor para nós!

Contudo, vou confessar que eu tinha dificuldades de lidar com a chegada do outono. Não devia dizer isso, pois, sendo uma estudante Rosacruz, bastaria a felicidade de celebrar o Ano Novo Rosacruz, em 21 de março. Era um trauma me despedir dos dias claros de verão e do anoitecer mais tarde. Uma sensação de nostalgia saber que a constelação de Órion começaria a se deitar mais cedo no Oeste e, em sua companhia, iriam Aldebarã, Plêiades, Sírius e outros diamantes das fervorosas noites quentes.

O equinócio de outono, para mim, era o prenúncio de uma estação cheia dessas despedidas chorosas. Entretanto, a própria Rosacruz me fez refletir que o Universo, com sua natureza ordeira e resiliente, não iria se dobrar aos meus caprichos. Se eu não gostava de ver os dias ficando menores, então, que eu achasse uma razão para viver melhor na temporada outono/inverno!

E foi exatamente o que eu fiz: o outono não mudaria por mim, mas era imperativo que eu mudasse meu modo de recebê-lo para desfrutar de suas benesses. Era pegar ou lagar a inevitabilidade da mudança. Se eu largasse, sairia no prejuízo. Assim, a partir do meu quintal, comecei a apreciar o que haveria de bom com a chegada do outono. De pronto, nada de cobranças, pois seria inútil desejar a exuberância primaveril do manacá lilás. As orquídeas e os agapantos de novembro, nesse período, ficam em “trabalho remoto”. As sianinhas, com belas flores exóticas, idem.

Em compensação, as alamandas douram o jardim com suas amarelices e eu amo amarelo! Elas brotam nos recônditos mais esquecidos do jardim, onde a quarentena ainda não me deu tempo de cuidar. Talvez tenha sido essa a sua razão de existir – enfeitar cantos sombrios. As sálvias, por exemplo, brotam na maior legião da boa vontade. O ano inteiro elas estão floridas e cativam os beija-flores. O camarão-amarelo me intriga, pois, além do formato esguio da flor, que reluz um amarelo gema, ainda tem a ornamentação de umas folhinhas brancas e delicadas. 

Com essas três espécies, as águas de março fecham o verão, mas o espetáculo não desce o pano e há muito mais no meu outono. Avencas, às pencas, a brotação dos limoeiros, o “café filho” carregadinho e ainda nem torrei a colheita do ano passado. Bananas e taiobas em profusão. No momento, nada há de exuberante eclodindo em meu jardim, mas meu olhar busca as minúcias para celebrar mais um outono. A renovação é evidente. E, na quietude outonal, é hora também de renovar as esperanças nos sonhos que a gente tem…

 

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