Descarte de resíduos têxteis: uma grande preocupação para governantes e ambientalistas

Confecções de Nova Friburgo precisam apresentar contratos com empresas que recolhem e dão destinação adequada aos resíduos para terem licença ambiental
quinta-feira, 20 de abril de 2023
por Christiane Coelho (Especial para A VOZ DA SERRA)
(Foto: Reprodução/GreenMe)
(Foto: Reprodução/GreenMe)

Os resíduos têxteis são uma grande preocupação para os governantes e ambientalistas, principalmente numa cidade como Nova Friburgo, que é polo da moda íntima e onde o resíduo têxtil é formado principalmente pelas fibras sintéticas de poliéster ou poliamida. De acordo com Ana Moreira, doutora em Ciência e Tecnologia de Polímeros e coordenadora do Laboratório de Sustentabilidade e Química de Polímeros - LaSQPol da Uerj - campus Nova Friburgo, essas fibras possuem elevado impacto ambiental, desde a sua produção, pois são provenientes do petróleo (matéria prima não renovável), além do alto consumo de água, energia e elevada emissão de gases de efeito estufa no processo de fabricação das fibras, e por fim, no final da vida útil, quando se tornam resíduos, levam muito tempo para se decompor na natureza. “As fibras sintéticas são resíduos plásticos. Poliéster e poliamida são plásticos”, afirma a doutora.

Para preservar o meio ambiente e evitar o descarte irregular dos resíduos têxteis, as empresas de confecções de Nova Friburgo, ao solicitarem a licença ambiental na prefeitura, precisam apresentar obrigatoriamente o contrato com a empresa de resíduos, que os recolherá e dará destinação adequada a eles. De acordo com a prefeitura, três empresas na cidade são habilitadas para realizarem esse trabalho de recolhimento, mas os resíduos são levados para outras cidades para destinação final. Na maioria das vezes, transformados em polímeros, que serão usados na fabricação de objetos plásticos.

De acordo com o presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário de Nova Friburgo (Sindvest), Gustavo Moraes, palestras têm sido promovidas juntamente com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente para sensibilizar o maior número de empresas locais a fazerem a destinação correta aos resíduos e, consequentemente, conseguirem a licença ambiental. Mas, ele sabe que essa não é a realidade de todas. “Sabemos que tem muitas confecções irregulares, que descartam o lixo indevidamente, junto com o lixo de casa, em sua maioria as não legalizadas. A concessionária responsável pelo recolhimento desse lixo, a Empresa Brasileira de Meio Ambiente (EBMA), inclusive, orienta seus coletores para não recolherem resíduos de confecção junto com o lixo caseiro. Mas sabemos que, na correria, muitas vezes, acaba sendo feita essa coleta junto com o lixo doméstico”, relata ele. A EBMA não tem licença para recolher resíduos industriais.                                      

Gustavo lembra ainda que, os resíduos das confecções não se resumem apenas aos tecidos, há também plásticos, papelões, agulhas e cones de plástico. Cada um deve ter sua destinação correta.

Números desatualizados

Não há dados atualizados sobre o volume de resíduos gerados pelas confecções de Nova Friburgo. De acordo com o geógrafo, ambientalista, Gestor de ESG, Fernando Cavalcante, em 2010, o Polo de Nova Friburgo era responsável pelo descarte de 120 toneladas de resíduos sólidos por mês. “Estimativas baseadas no volume de peças produzidas em 2013 apontam que esse número subiu para cerca de 285 toneladas por mês, considerando apenas as empresas formais”, relata ele.

De acordo com Fernando, se descartados de forma errada, os tecidos de tecido de algodão demoram de dez a 20 anos para se decompor, os de nylon entre 30 e 50 anos e os tecidos sintéticos, mais usados nas confecções de moda íntima, linha noite e fitness devam levar entre 100 e 300 anos para se decomporem.      

Ana Moreira, do LaSQPol da Uerj, lembra que, caso algum resíduo têxtil acabe sendo disposto em um aterro sanitário, gera a redução do tempo de vida útil do aterro sanitário, pois os resíduos plásticos como as fibras têxteis sintéticas levam muitos anos a mais para se decompor que a vida útil média de aterros, que é de 20 a 25 anos. 

“Portanto, é como se os resíduos têxteis “entupissem” o aterro sanitário, levando ao encerramento precoce e a necessidade de construir um novo aterro sanitário. Parece pouco impacto, mas lembre-se que um aterro sanitário é um local que gera grandes impactos ambientais, sociais e econômicos”, explica.

Ana esclarece ainda que, segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos (lei 12.305/2010), a disposição final ambientalmente adequada, por exemplo em aterros sanitários, deve ser a última opção para resíduos sólidos. “Isto porque no aterro sanitário o resíduo não tem valor algum, somente custo. Depois de encerrado o período de vida útil do aterro sanitário, ele ainda precisa ser monitorado por, pelo menos, mais 20 anos. E, depois de todo esse tempo, a área de um aterro sanitário não pode ser usada para mais nada. Então, em poucas palavras: um aterro sanitário é um local monitorado para enterrar lixo, e que onera os cofres públicos das prefeituras por pelo menos 40 anos, sendo que 50% do tempo não é mais usado, mas continua dando gastos ”, acrescenta.

Resíduos têxteis não são gerados somente por empresas

Engana-se quem acredita que os resíduos têxteis sejam apenas o gerados por empresas de tecidos ou de confecções. “Quando falamos em resíduos têxteis, podemos estar nos referindo aos resíduos industriais das confecções ou as roupas inservíveis que os consumidores geram ao final da vida útil de uma roupa”, explica Ana Moreira.

Em uma reportagem publicada em 12 de setembro do ano passado, na Revista Elle, foi abordado o gigantesco cemitério de roupas no Deserto do Atacama, no Chile, que recebe toneladas de itens jogados fora, provenientes da Europa, dos Estados Unidos e da Ásia. De acordo com a publicação, 90% das roupas são jogadas fora muito antes do que deveriam. Menos de 1% delas são recicladas e 73% são queimadas ou acabam em aterros sanitários. 

A reportagem mostrou ainda uma ação feita pela dupla de designers suecos Rave-Review, que trabalha com a técnica de upcycling, que consiste em dar um novo uso a materiais que seriam levados ao lixo, de produzir uma coleção cápsula feita inteiramente com roupas descartadas no Atacama. O resultado surpreendeu.

Exemplo de ucpcycling em Nova Friburgo

Um exemplo que pode ser seguido pelas empresas de confecção do Polo de Moda Íntima, Praia, Noite e Fitness de Nova Friburgo, é a parceria que duas empresárias da cidade, Ingrid Amaral e Roberta Lomônaco, têm com as grifes nacionais. “As peças de roupas novas que não foram aproveitadas por marcas parceiras, por não estarem no padrão necessário para serem vendidas em suas lojas, além de roupas de coleções passadas, que virariam resíduos vêm para a gente. Então, fazemos reparos ou transformações, dando assim mais vida útil, e diminuindo o impacto ao meio ambiente”, explica Ingrid.

Além disso, elas também recebem sobras de tecidos de uma das parceiras, a Farm, e através do upcycling, são desenvolvidos produtos, que também são vendidos na loja da dupla, a Ponto Sustentável, no Espaço Arp. “Nosso propósito é ajudar a diminuir o impacto ao meio ambiente e mostrar que é possível gerar renda para costureiras e artesãs, trabalhando com esses resíduos. Estamos confiantes nessa conscientização e muito felizes com o retorno que estamos tendo aqui na região”, finalizou.

Volume de resíduos têxteis em São Paulo

A região do Bom Retiro, na capital paulista, é um dos mais importantes polos de moda do Brasil, com 1.700 lojistas, sendo 1.400 também fabricantes de artigos têxteis. O site bomretironamoda.com.br estima que 55% da moda feminina seja proveniente do local e que mais de 80 mil pessoas circulem pelas ruas do bairro diariamente em busca de novos produtos. 

A Logística Ambiental de São Paulo  (Loga), que é a empresa responsável por fazer a coleta nas regiões Brás e Bom Retiro, relata que são geradas 63 toneladas de sobras de tecido por dia, sendo: 45 toneladas retiradas do Brás, oito toneladas do Bom Retiro e dez da Vila Maria. Números que integram as 160 mil toneladas de resíduos acumulados anualmente em todo o Brasil.

Mas, há ainda as sobras encontradas pelas calçadas das cidades, que incluem outros materiais oriundos de oficinas de costura, como agulhas quebradas, linhas, tubos de papelão, papel Kraft comumente utilizado em moldes, plásticos, entre outros artigos. Estima-se que a maior parte desse material acaba sendo destinado a aterros sanitários e, em diversos municípios, a lixões a céu aberto, misturados a outros tipos de lixo e sem qualquer controle ou segregação. (Fonte: Fashion Revolution Brazil)

  • Ana Moreira

    Ana Moreira

  • Fernando Cavalcante

    Fernando Cavalcante

  • Gustavo Moraes

    Gustavo Moraes

Publicidade
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Publicidade
Publicidade
Publicidade

Apoie o jornalismo de qualidade

Há 79 anos A VOZ DA SERRA se dedica a buscar e entregar a seus leitores informações atualizadas e confiáveis, ajudando a escrever, dia após dia, a história de Nova Friburgo e região. Por sua alta credibilidade, incansável modernização e independência editorial, A VOZ DA SERRA consagrou-se como incontestável fonte de consulta para historiadores e pesquisadores do cotidiano de nossa cidade, tornando-se referência de jornalismo no interior fluminense, um dos veículos mais respeitados da Região Serrana e líder de mercado.

Assinando A VOZ DA SERRA, você não apenas tem acesso a conteúdo de qualidade, mantendo-se bem informado através de nossas páginas, site e mídias sociais, como ajuda a construir e dar continuidade a essa história.

Assine A Voz da Serra

TAGS: