No último dia 11, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou pandemia causada pelo novo coronavírus, então disseminada em 120 países. Levando-se em consideração o pouco tempo de pesquisas e o contato com as primeiras repercussões práticas da doença, as orientações e informações vindas de todos os cantos do planeta, passaram a ser atualizadas cada vez com mais frequência, causando confusão e alarde na população. O confinamento virou medida urgente e prioritária, para todos, com exceção dos setores médico e de alimentos, e farmácias. A ordem foi: “Todo mundo em casa!”
O que mais se tem visto nas mídias e em informes de Ongs e diversos setores da sociedade civil, além das redes sociais são hashtags do tipo #fiquememcasa! Crianças, jovens, adultos, idosos, famílias inteiras confinadas. Em poucos dias começaram a surgir surtos de ansiedade e depressão. Queixas de todo tipo eram ouvidas pelos terapeutas, como impossibilidade de planejamento; dificuldade de relacionamento em tempo integral com família ou parceiro; instabilidade financeira; e cuidados exaustivos com a casa, filhos. E solidão, principalmente entre os idosos
Para falar sobre esse assunto, entrevistamos, com exclusividade, a psicogeriatra Thatiana Erthal, especialista em neuropsicologia e terapeuta cognitivo-comportamental.
AVS: Ao atender seus pacientes no formato on-line, qual a principal queixa? Aumentou o número de consultas, o tempo dispensado a eles?
Thatiana Erthal: A continuação dos atendimentos psicoterápicos só se tornou possível porque hoje podemos lançar mão da tecnologia. Atualmente, todos os meus atendimentos estão ocorrendo através de vídeo chamadas. Não só os pacientes antigos como também novos pacientes indicados. Percebo que eles passam grande parte da sessão, agora, tirando dúvidas de como se comportar diante da ansiedade e também pedem informações sobre como proceder com questões práticas do dia a dia como compras de alimentos, pagamentos e vacinação, por exemplo
Com o isolamento, o que mais chama atenção em relação ao estado de espírito deles?
O perfil do idoso de hoje no nosso país e no mundo é muito diferente daquele de antigamente, quando era chamado de velho, ele mesmo se colocava à margem e pouco se engajava e participava de atividades sociais. Hoje eles se cuidam, passeiam, viajam, dançam e movimentam com destreza as tecnologias. Entretanto, por conta do confinamento e das incertezas futuras venho percebendo um idoso angustiado e ansioso.
Do que mais sofrem?
Sofrem por não conseguirem manter sua rotina de atividades externas onde convivem com outros idosos e compartilham os momentos. Sofrem com o isolamento e o medo que os invade por conta de informações erradas, as famosas “fake news”.
O isolamento, naturalmente, pode alterar o humor, a disposição, o ânimo... Isso tudo afeta a imunidade dos idosos? De que forma?
O que mais preocupa o profissional da área da saúde mental que trabalha com o idoso são as patologias relacionadas a ansiedade e o humor, principalmente a depressão. Inúmeros trabalhos demonstram a correlação entre os transtornos de humor e o desenvolvimento/agravamento de doenças. Um idoso deprimido está propenso a sentimentos negativos e comportamentos prejudiciais como isolamento social, sedentarismo, suicídio e abuso de medicações.
Eles estão seguindo as recomendações sobre a quarentena? Ou estão resistindo?
Todos os meus pacientes idosos e também seus filhos e demais familiares estão seguindo à risca as orientações de quarentena. Eles estão firmes na conduta porque estão com muito medo. Sabem que são os mais vulneráveis, a população de risco, então possuem consciência da importância do isolamento e demais medidas de proteção. Os que ainda resistiam não tinham noção da realidade até que perceberam que todo comércio se fechou e que as informações jornalísticas confirmavam esta realidade.
De seus pacientes, é de quanto, mais ou menos, a parcela que vive sozinha, com parentes ou apenas com cuidadores?
A maior parte dos pacientes que atendo mora sozinha depois do falecimento dos cônjuges e se encontra totalmente isolada nesse momento.Seguida por aqueles que moram com filhos que não se casaram ou que se separaram e, portanto, estão menos solitários. Poucos vivem apenas com cuidadores.
O que você considera adotar como medida fundamental nesse momento?
Um idoso em quarentena, com tempo extra em casa, conseguirá passar por este momento de forma mais equilibrada se adotar alguns novos comportamentos, como:
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Tentar implementar e manter uma rotina de atividades semanais;
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Fazer diariamente um auto-avaliação de seu estado de humor e dos reflexos em seu organismo. Vale a pena usar a tecnologia e procurar vídeos e aplicativos de meditação guiada;
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E por falar em tecnologia, não tem nada melhor que conversar com quem se ama, com quem sente saudades (use e abuse das ligações e, se possível, das vídeo chamadas). Com certeza, o sentimento de isolamento vai ser bem mais suave;
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Não pare seu tratamento médico e psicoterápico. Não deixe de tomar suas medicações. Peça ajuda de um profissional de saúde caso precise sanar suas dúvidas, mas lembre-se, por conta da grande demanda é preciso utilizar esse canal de comunicação em caso de real necessidade;
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Tome cuidado com o excesso de informações: sempre que possível confira a origem da notícia e principalmente se policie para compartilhar mensagens positivas que acrescentarão ao dia de seus contatos;
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Mantenha seu corpo e sua mente ativos. Faça exercícios físicos em casa. Coloque as coisas em ordem e não deixe de buscar atividades de estimulação cognitiva. Leia, faça quebra-cabeças, utilize jogos de memória e atenção. Ocupe sua mente com atividades produtivas e prazerosas;
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E para finalizar, este momento pode ser muito transformador e produtivo se pudermos encarar esse tempo como uma oportunidade de implementarmos em nós aquela mudança que sempre desejamos, mas que por conta das adversidades dessa vida corrida, nunca conseguimos concretizar.
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