"Boa parte da população já entrou em contato com vírus e nem imagina”

Em entrevista exclusiva, microbiologista explica como o Covid-19 age no pulmão e como pode se espalhar para outros órgãos
segunda-feira, 04 de maio de 2020
por Guilherme Alt (guilherme@avozdaserra.com.br)
O pós-doutor em Microbiologia Alessandro Silveira
O pós-doutor em Microbiologia Alessandro Silveira

“É sabido que o micro-organismo é capaz de causar lesões, principalmente, no coração, rins e intestino”, destaca o professor, farmacêutico, bioquímico e pós-doutor em Microbiologia, Alessandro Silveira. O professor explicou que, ao começar a primeira infecção, o vírus entra na corrente sanguínea, em um processo que chamamos viremia. A partir daí, ele pode atingir diversos órgãos".

Com o objetivo de sanar dúvidas a respeito da Covid-1 Alessandro Silveira, concedeu uma entrevista exclusiva ao jornal A VOZ DA SERRA, na qual ele explica com detalhes como o vírus invade as células e adoece o corpo humano. De acordo com ele, assim que penetra a célula saudável, o coronavírus se multiplica, ocasiona infecção e promove a doença. Um dos principais órgãos em que o novo coronavírus pode se alojar e causar estragos são os pulmões. Quando isso ocorre, uma forma mais grave da Covid-19 se instala.

Silveira também esclareceu sobre os diversos sintomas que o vírus pode causar, como ele age em pessoas assintomáticas e como pessoas curadas podem continuar a transmitir a doença, caso não sigam as recomendações adequadas.

AVS: Além dos sintomas mais conhecidos como febre alta, tosse seca, dificuldade para respirar, podemos colocar com sintomas de Covid-19 perda progressiva de olfato e paladar, dores musculares, respiração acelerada e sensação de cansaço?

Alessandro Silveira: Sim. Isso pode acontecer, mas é menos intenso do que, por exemplo, na infecção pelo influenza. As dores musculares são decorrentes do processo infeccioso, a respiração acelerada é que chamamos de taquipneia e acontece nos pacientes que estão entrando com os sintomas respiratórios, porque a doença começa inicialmente com o que chamamos de ‘rato respiratório superior, que seria garganta e fossas nasais - e ela pode em alguns casos, aí principalmente naquelas pessoas que têm comorbidade (pessoas idosas e com doenças crônicas),  acabar evoluindo para uma doença do trato respiratório inferior (que é um caso de pneumonia). Nos casos mais comuns ocorrem febre, tosse, e essa tosse pode estar ligada à dificuldade para respirar. Em alguns casos pode acontecer, sim, a perda de olfato, paladar, dores musculares, respiração acelerada e sensação de cansaço.  Só deixo claro porque a perda progressiva de olfato e paladar está mais associado à infecção pelo influenza.

Caso a pessoa tenha os sintomas acima, mas não apresente febre, tosse seca, falta de ar, pode ser considerada uma forma branda da doença e ser mais fácil a recuperação?

Sim. Normalmente está associado também com febre.  Algumas pessoas que têm a sintomatologia tão branda (que a gente chama de subclínica) ela nem sente os sinais da doença.  Pode ser uma infecção branda que passa por um mal-estar, um processo febril brando que, por exemplo, algumas pessoas chamam de febrícula. É claro que se a pessoa não evolui, se ela fica só nesse estágio, significa que essa infecção vai ser autolimitada, então ela vai se recuperar normalmente da infecção, porque o grande problema é quando a pessoa tem aquelas formas graves que são as formas pulmonares da doença. Se a pessoa não está com as formas graves da doença, ela vai se recuperar bem sem mais problemas.

Uma pessoa com anemia, por exemplo, é considerada grupo de risco? Como o coronavírus pode agir no corpo de alguém que sofre desse problema?

Sim, a pessoa anêmica tem uma menor quantidade de hemácias e hemoglobinas circulantes e essas hemácias (são células que contém hemoglobina) que vão ser os responsáveis para a levar o oxigênio para as outras células. Portanto, toda pessoa com anemia é grupo de risco. A grande questão é que o grau de anemia precisa ser avaliado. A anemia é uma doença extremamente comum na população, principalmente nas mulheres. Então precisa ser avaliado o grau de anemia dessas pessoas. Se tem uma anemia mais severa, ela já tem por natureza falta de ar, cansaço etc, o que pode ser agravado no caso de uma infecção pelo coronavírus. Mas é importante salientar que essa anemia precisa ter uma avaliação médica em relação ao grau da doença. 

Por quanto tempo a pessoa deve ficar em isolamento quando apresenta sintomas de Covid-19? Por que esse tempo?

Pelo protocolo são 14 dias, desde quando a pessoa apresentar o início dos sintomas, desde que haja uma remissão espontânea, ou seja, ela melhora e se cura da doença.  Mas não estamos entrando aqui nos casos graves. Quando se fala em casos graves, aquela pessoa que teve que realizar o atendimento, ela ainda terá que esperar 14 dias após a liberação do hospital. Por que isso? Porque ela pode ainda estar transmitindo a doença sem apresentar os sintomas. Essa é uma maneira de garantir que essa pessoa não irá mais transmitir o vírus para outras pessoas e por isso que temos a quarentena – usamos este termo para definir o intervalo de segurança que é utilizado é uma medida preventiva e que é utilizado para essa e para outras doenças.

Quando a pessoa é assintomática e tem a dúvida se está com o vírus, qual é a recomendação?

Nesse caso ela tem que aguardar. Se a pessoa quiser fazer o teste para diagnóstico, o  que tem melhor sensibilidade,  que a partir do momento em que a pessoa entrou em contato com o vírus vai dar positivo, é o teste molecular (o que pesquisa o material genético do vírus, RTPCR).  Agora, se a pessoa está assintomática e ela não tem contato com pessoas no grupo de risco, ela não precisa se preocupar. Vai ser mais comum as pessoas entrarem em algum momento em contato com alguém que tenha doença, porque a doença está aumentando seus índices no Brasil, então eu não vejo muita preocupação com essa pessoa. A não ser que ela tenha contato com pessoas consideradas do “grupo de risco”. Se passar mais tempo do possível contato – a gente estima de 5 a 8 dias –, pode fazer aquele teste rápido, feito com o sangue no laboratório ou com soro a partir de uma coleta de sangue ou mesmo um raspado de garganta.

Por quanto tempo o vírus sobrevive dentro do corpo humano sem que ele consiga penetrar uma célula viva do nosso corpo?

Se ele está em contato com o nosso organismo, está em contato com as nossas células. A questão é essa, o vírus vai conseguir penetrar em determinadas células. Mas que células?  As células precisam ter uma afinidade com o vírus, então o vírus tem uma partícula de superfície (é uma glicoproteína, chamada glicoproteína S) e ela tem afinidade por algumas células, principalmente do trato respiratório superior. Por isso que quando a gente encosta em uma superfície que tem a partícula viral, essa partícula viral fica viável,  fica viva na sua mão e aí, a partir do momento em que você coça o olho, a boa boca, o nariz,  você acaba passando esse vírus para essas regiões e com isso pode haver  o contágio.  É difícil estimar quanto tempo você vai ter esse vírus em contato com a tua pele (e eu não estou falando de mucosa: a conjuntiva do olho as fossas nasais ou a garganta), mas acontece quando em contato com a mucosa o vírus rapidamente precisa penetrar nas células, porque nessas mucosas há uma grande quantidade de células de defesa do nosso sistema imune e também substâncias de defesa, que são os anticorpos, e aí o vírus rapidamente é destruído. Na nossa mão ele fica viável e ele não é tão rapidamente destruído como nas mucosas.  Agora, precisar o tempo como encostar na superfície, eu desconheço algum trabalho que fale de forma mais precisa esse tempo.  O ideal é que sempre que você tiver no local suspeito e que haja um possível contato, que você lave as mãos com água e sabão.  Ou, na impossibilidade da água e sabão, se você estiver na rua, por exemplo, você pode usar o álcool gel para destruir essas partículas virais que podem ficar aderidas à pele e depois ser transmitidas pelas vias aéreas superiores.

Por ser uma doença invisível, é provável que tenhamos contato com o vírus sem saber, mas, por seguir as recomendações de higiene e proteção, podemos  “sem querer” matar o vírus. Que ações podem levar a “matar o vírus sem querer”? Uso de álcool gel, lavar as mãos frequentemente, ingerir líquidos e alimentos saudáveis?

Boa parte da população já entrou em contato com vírus e nem imagina.  Vamos supor que eu encostei em uma superfície que tinha o vírus, mas eu lavei a mão com água e sabão ou álcool em gel: eu destruí a partícula viral. E essa é a grande ideia que está por trás de se fazer essa higiene constante. Porque quanto mais pessoas estão infectadas, mais esse vírus vai estar disseminado.  A partir do momento que você usa essas substâncias (água e sabão ou álcool em gel), você destrói o vírus.  A gente sabe que a nossa imunidade é mediada, principalmente, pelo nosso intestino e ele necessita que haja a ingestão de alimentos naturais (alimentos saudáveis) para que haja uma saúde intestinal e, com isso, melhore nossa imunidade. É por isso que as pessoas que têm mais de 60 anos e as pessoas que têm doenças crônicas são mais suscetíveis, porque nessas pessoas o sistema imune não está funcionando na sua plenitude, o sistema imune geralmente está debilitado.

Que tipo de alimentos ajudam a produzir anticorpos necessários para combater o vírus?

Principalmente aqueles alimentos que têm o que a gente chama de uma atividade anti-inflamatória. Vou dar dois exemplos bem simples:  o gengibre, a cúrcuma. Tem também os alimentos fermentados que ajudam aqueles que contém os probióticos, que são as bactérias boas, eles também ajudam a modelar um sistema imune. Quais são os alimentos fermentados? Aqueles iogurtes fermentados, o chucrute (que é o repolho), kombucha, que é uma bebida bastante comum, o vinagre de maçã... Também podemos citar alguns óleos de soja, como por exemplo shoyu e a alimentação natural, evitar produtos industrializados e produtos com alta quantidade de açúcar.

Por que a Covid-19 afeta tanto os pulmões? Como esse vírus age nesse local?

O grande problema nesses casos é que o vírus quando vai para o trato respiratório inferior, como o pulmão, causa um processo inflamatório, ou seja, nosso organismo reage de uma maneira à presença do vírus que vai fazer com que as trocas gasosas sejam prejudicadas.  Então esse pulmão vai inchar - o nosso sistema imune responde muitas vezes de forma agressiva contra o vírus -  e causa uma lesão. O pulmão começa a encher de líquido (água) e você respira, mas já não consegue mais trocar eficientemente os gases. A partir do momento em que o pulmão está cheio d'água e está com processo inflamatório, está inchado, essas trocas gasosas acabam não acontecendo da maneira adequada, o que pode causar um quadro de hipoventilação epóxi (que é a diminuição do oxigênio na corrente sanguínea). Por isso é que se preocupa tanto com a questão dos respiradores artificiais, porque o pulmão não está mais funcionando direito e esses respiradores precisam ser utilizados para que a pessoa não morra por parada cárdio-respiratória.

Os órgãos atingidos pela Covid-19 podem ter sequelas?

É importante lembrar que o vírus entra primeiramente pelo trato respiratório superior, mas ele vai se espalhar pelo organismo e causar uma viremia.  Essa viremia faz com que o vírus possa causar problemas em outros órgãos, como intestino coração, rins, entre outros. Quando a gente fala de sequela, ainda não existem evidências científicas porque é uma doença muito nova. Sequela é algo que vai ficar posteriormente ao processo infeccioso e, nesse momento, a gente não tem informações ainda de qualidade nesse sentido. Então acho que é prematuro afirmar que tipo e qual o grau de sequela que pode ser ocasionada pelo vírus.

Nos casos em que as pessoas foram curadas, há algum estudo sobre como conseguiram neutralizar a doença?

Esse é o caminho natural  esperado: você entra em contato com o vírus e o seu sistema o destrói. É muito importante que sejam formados os anticorpos neutralizantes, anticorpos que farão com que as partículas virais não consigam mais penetrar nas células quando elas estão se multiplicando.

Uma pessoa curada pode continuar a ser transmissora do vírus?

Depende de qual estágio de cura. É preciso fazer um teste para verificar se ela não tem mais um vírus circulante. Se ela não tem mais a viremia - que a gente chama a presença do vírus na corrente sanguínea - e nas células da mucosa,  ela não vai mais transmitir o vírus. O grande problema dessa questão é saber exatamente quando ela está curada. Porque o simples fato dela não ter mais sintomas não significa que ela está plenamente curada, e se ela não está curada, ou seja, se ela ainda tem o vírus, ela ainda pode acabar transmitindo a doença. Por isso, é importante fazer os testes e ficar em quarentena.

A pessoa curada, ao contrair novamente a doença, pode se curar em menos tempo ou ter uma forma branda da doença?

Essa é a pergunta que vale um milhão de dólares!  A gente entende que a pessoa curada adquire imunidade protetora, ou seja, não vai mais ter infecção. Pode-se fazer um paralelo com o vírus da gripe, que todo ano se modifica. Quando a gente faz a vacina para a gripe, a gente tá fazendo a vacina baseada no vírus da gripe do ano anterior, porque ele é sazonal. Então é muito difícil falar sobre isso nesse momento.  Teoricamente, se ela entrar em contato com a mesma linhagem do vírus, não vai ter infecção. Isso porque ela tem anticorpo na mucosa, um anticorpo neutralizante, e quando entrar em contato com o vírus não vai penetrar célula. Vários trabalhos estão sendo publicados a toque de caixa. As informações que as pessoas têm há 15 e 20 dias atrás já estão publicando. Em um cenário normal, a publicação de um artigo leva muito tempo, porque passa por revisores que analisam e pedem para fazer sugestões, e hoje isso não acontece. A gente precisa entender um pouco melhor como funciona, precisa ter esses dados. e esses dados ainda também precisam passar por uma curadoria, ou seja, uma avaliação da qualidade. 

 

LEIA MAIS

Confira a origem da data e a importância do profissional na sociedade

Instituição recebeu medicamentos que deveriam ter sido descartados há dois anos

Ao todo, cerca de 18 imunizantes estarão disponíveis para todas as idades, mas especialmente para as crianças e adolescentes

Publicidade
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Publicidade
Publicidade
Publicidade

Apoie o jornalismo de qualidade

Há 79 anos A VOZ DA SERRA se dedica a buscar e entregar a seus leitores informações atualizadas e confiáveis, ajudando a escrever, dia após dia, a história de Nova Friburgo e região. Por sua alta credibilidade, incansável modernização e independência editorial, A VOZ DA SERRA consagrou-se como incontestável fonte de consulta para historiadores e pesquisadores do cotidiano de nossa cidade, tornando-se referência de jornalismo no interior fluminense, um dos veículos mais respeitados da Região Serrana e líder de mercado.

Assinando A VOZ DA SERRA, você não apenas tem acesso a conteúdo de qualidade, mantendo-se bem informado através de nossas páginas, site e mídias sociais, como ajuda a construir e dar continuidade a essa história.

Assine A Voz da Serra