O medo de se contaminar pelo coronavírus manteve as pessoas dentro de suas casas, evitando o contato com os demais. Mas, existem cuidados com outras doenças, tão preocupantes quanto a Covid-19, que deixaram de ser tomados. Entre eles está a vacinação de rotina das crianças, que teve uma queda significativa. Uma situação preocupante, que pode trazer prejuízos para as crianças que deixaram de se imunizar e também para toda a comunidade. “Quando não se vacina as crianças abre-se a possibilidade de ter epidemias de outras doenças que já estavam erradicadas, como sarampo, coqueluche, difteria. Isso causa impacto na sociedade inteira”, alerta a pneumopediatra Renata Salgado.
Na última semana, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgaram os primeiros números oficiais da vacinação infantil em 2020, primeiro ano da pandemia da Covid-19. De acordo com as entidades, 23 milhões de crianças em todo o mundo não receberam vacinas básicas por meio de serviços de imunização de rotina nesse ano - 3,7 milhões a mais do que em 2019. “Enquanto os países clamam para colocar as mãos nas vacinas contra a Covid-19, retrocedemos com outras vacinações, deixando as crianças em risco de doenças devastadoras, mas evitáveis, como sarampo, poliomielite ou meningite”, disse o dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS.
“Vários surtos de doenças seriam catastróficos para as comunidades e sistemas de saúde que já lutam contra a Covid-19, tornando mais urgente do que nunca investir na vacinação infantil e garantir que todas as crianças sejam alcançadas”, observa ele. “Esses são números alarmantes, sugerindo que a pandemia está desvendando anos de progresso na imunização de rotina e expondo milhões de crianças a doenças mortais e evitáveis”, disse o dr. Seth Berkley, CEO da Gavi, a Vaccine Alliance.
“Este é um alerta - não podemos permitir que um legado da Covid-19 seja o ressurgimento do sarampo, da poliomielite e de outras causas de morte. Todos nós precisamos trabalhar juntos para ajudar os países a derrotar a Covid-19, garantindo o acesso global e equitativo às vacinas, e a colocar os programas de imunização de rotina de volta nos trilhos. A saúde e o bem-estar futuros de milhões de crianças e suas comunidades em todo o mundo dependem disso”, destaca Berkley.
Estado do Rio entre os piores em vacinação infantil em 2020
Uma pesquisa feita pelo Instituto de Estudo para Política de Saúde, baseado nos dados do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (PNI) demonstra que houve queda de aplicações de todas as vacinas de rotina, com exceção da pentavalente. E o estado do Rio de Janeiro está entre os três piores colocados em cobertura vacinal em 2020.
De acordo com a pesquisa, a maior queda foi da cobertura vacinal de hepatite B em crianças de até 30 dias, com uma perda de 16 pontos percentuais, seguida pela BCG e Tríplice Viral (primeira dose), que sofreram reduções de aproximadamente 14 e 15 pontos percentuais, respectivamente. Com exceção da pneumocócica, os percentuais de cobertura de todas as vacinas analisadas foram inferiores a 80% em 2020.
Ao observar-se o percentual de municípios que atingiram as metas de cobertura definidas no PNI, garantindo imunidade coletiva, o cenário é bastante alarmante. Menos de 50% dos municípios do país atingiram a meta de qualquer uma das nove vacinas analisadas. O melhor desempenho foi da vacina do rotavírus humano, com 46% dos municípios atingindo a meta, e o pior foi da hepatite B em crianças até 30 dias, com apenas 13%.
Queda gradual ao longo dos anos
A pandemia de Covid-19 agravou a queda da cobertura vacinal, que já vinha acontecendo. De acordo com dados da OMS e Unicef, mesmo antes da pandemia da Covid-19, as taxas globais de vacinação infantil contra difteria, tétano, coqueluche, sarampo e poliomielite estagnaram por vários anos em cerca de 86%. Essa taxa está bem abaixo dos 95% recomendados pela OMS para proteção contra o sarampo - geralmente a primeira doença a ressurgir quando as crianças não são vacinadas - e insuficiente para impedir outras doenças evitáveis por vacinas.
“Mesmo antes da pandemia, havia sinais preocupantes de que estávamos começando a perder terreno na luta para imunizar crianças contra doenças infantis evitáveis, inclusive com os surtos de sarampo generalizados há dois anos. A pandemia piorou a situação”, disse Henrietta Fore, diretora executiva do Unicef.
Segundo a pesquisa do Instituto de Estudo para Política de Saúde, no Brasil, a situação não é diferente. Os percentuais passaram de valores acima das metas de 90% ou 95% em 2015 para níveis consideravelmente abaixo do recomendado em 2019. Em relação ao ressurgimento de doenças, o vírus do sarampo voltou ao Brasil em 2018, através principalmente de migrantes da fronteira com a Venezuela. Nesse cenário, baixas taxas de vacinação permitiram sua disseminação. Foram registrados 10.330 casos da doença em 2018 e 20.901 em 2019, em diversas regiões do país. O novo surto de sarampo fez com que o Brasil perdesse, em 2019, o certificado de erradicação da doença.
Vacinar crianças é obrigatório
A vacinação infantil é um direito da criança previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que em seu parágrafo primeiro diz: “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.” Ou seja, a vacinação infantil não é uma opção dos pais, é uma obrigação. Em dezembro de 2020, o Superior Tribunal Federal (STF) avaliou um casal vegano, que ingressou ação na justiça pelo direito de não vacinar seus filhos.
Por unanimidade, os ministros do STF decidiram que os pais não podem deixar de vacinar os filhos. O relator da ação foi o ministro Luís Roberto Barroso. Para ele, “o direito à saúde da coletividade e das crianças prevalece sobre a liberdade de consciência e convicção filosófica”.
Ações como essa estão em diversas varas de família do país e há punições cabíveis, como pagamento de multa e a perda da guarda dos filhos, quando pais se negam a vaciná-los.
Brasil é referência mundial em vacinação
O Brasil é referência mundial em vacinação e o Sistema Único de Saúde (SUS) garante à população brasileira acesso gratuito a todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Atualmente, são disponibilizadas pela rede pública de saúde de todo o país 18 vacinas para crianças e adolescentes no Calendário Nacional de Vacinação, para combater mais de 20 doenças, em diversas faixas etárias.
Além disso, o país tem o maior programa público de imunização do mundo. São distribuídas mais de 300 milhões de doses de imunobiológicos anualmente. O Programa Nacional de Imunização (PNI) conta com 37 mil postos públicos de vacinação de rotina em todo o país, sendo que em campanhas realizadas anualmente este número chega até 50 mil postos e 51 Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIEs).
Vacinas atrasadas, o que fazer?
Os pais que estão com as vacinas de rotina dos filhos em atraso, devem procurar um posto de saúde para colocá-las em dia. “Se o calendário vacinal estiver atrasado, precisa atualizar imediatamente. Todas as vacinas são importantes. Mas, nessa época do ano, priorizamos as vacinas que protegem a parte respiratória, os pulmões, principalmente as vacinas de pneumonia e as vacinas da gripe, devido a prevalência dos vírus respiratórios sazonais. Essas vacinas previnem também as complicações da Covid-19, pois protegem os pulmões”, explica a pneumopediatra, Renata Salgado.
Em relação ao medo de se contaminar pelo coronavírus ao ir ao posto de saúde para colocar a caderneta de vacinação em dia, a pneumopediatra alerta: “Basta manter todos os cuidados de higiene, usar máscara, manter distanciamento social e procurar os postos num horário em que estejam mais vazios. Para a criança, essas doenças que são evitáveis com as vacinas do calendário são muito mais graves que a Covid-19, que de maneira geral, apresenta formas brandas nos pequenos”, finaliza Renata Salgado.
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