50 anos de ‘Refazenda’: a importância do álbum de Gilberto Gil na MPB

Atemporalidade da produção reflete a profunda conexão pessoal e musical do cantor com o Nordeste do Brasil
sexta-feira, 07 de fevereiro de 2025
por Liz Tamane
(Foto: divulgação)
(Foto: divulgação)

Em fevereiro de 1975, Gilberto Gil lançava “Refazenda”, um disco que marcaria uma nova fase em sua carreira e na música popular brasileira. Meio século depois, a obra continua a ressoar com força, consolidando-se como um dos trabalhos mais significativos do artista e da música brasileira. Influenciado por uma vivência rural e por um desejo de renovação estética e temática, Refazenda não apenas consolidou a versatilidade de Gil, mas também ajudou a expandir os horizontes da MPB ao integrar elementos do forró, do baião e da psicodelia nordestina.

O início dos anos 1970 foi um período de transição para Gilberto Gil. Após retornar do exílio em Londres, onde esteve entre 1969 e 1972 devido à repressão da ditadura militar, o artista buscava novas direções para sua música. Se a Tropicália o havia projetado como um dos maiores nomes da vanguarda musical brasileira, a década de 1970 trouxe consigo a necessidade de um reencontro com suas raízes.

A trilogia Refazenda, Refavela (1977) e Realce (1979) representou essa trajetória de redescoberta e experimentação, sendo o primeiro disco um mergulho na musicalidade nordestina. O título do álbum, inspirado na palavra "refazer", já apontava para esse desejo de reconstrução, não apenas artística, mas também pessoal e filosófica.

Em Refazenda, Gilberto Gil transcende o conceito tradicional de MPB ao incorporar gêneros tipicamente nordestinos, como o baião e o xote, a elementos da música psicodélica e do folk. O álbum reflete a influência de Luiz Gonzaga, mas também dialoga com a contracultura e a música internacional, especialmente com o que Gil absorveu na Inglaterra.

A faixa-título, "Refazenda", é um exemplo emblemático desse sincretismo. Com um ritmo pulsante e uma letra enigmática, a canção mistura a cadência do forró a uma instrumentação sofisticada e a uma melodia hipnótica. O tema da natureza e do ciclo da vida aparece fortemente, remetendo à relação do ser humano com a terra e com o tempo.

Além disso, músicas como "Essa é pra tocar no rádio" e "Jeca Total" trazem a ironia e o humor típicos do compositor, ao mesmo tempo que apresentam arranjos complexos e inovadores. A fusão de estilos e a abordagem experimental fazem de Refazenda um trabalho à frente de seu tempo, consolidando a influência de Gil em diversas vertentes da música brasileira.

Refazenda representou um momento crucial na carreira de Gilberto Gil, abrindo caminho para explorações musicais ainda mais ousadas. A abordagem do álbum influenciou uma nova geração de músicos, que passaram a olhar para o forró e o baião não apenas como manifestações regionais, mas como linguagens universais.

A única música do álbum que não foi composta por Gil, é “Tenho sede”, de Gonzaguinha e Anastácia. A faixa, que traz um ar de lamento e profundidade na vida do campo, contrasta com outras músicas do disco, mais animadas e alegres. “Traga-me um copo d’água/tenho sede/E essa sede pode me matar/Minha garganta pede um pouco d’água/E os meus olhos pedem teu olhar”.

A crítica da época recebeu o álbum de forma positiva, destacando sua riqueza melódica e a profundidade de suas letras. Ao longo dos anos, ele se tornou um marco da discografia nacional, sendo frequentemente revisitado e reinterpretado por diferentes artistas.

Após 50 anos de seu lançamento, Refazenda segue relevante, não apenas por sua qualidade musical, mas pelo diálogo que estabelece com o Brasil contemporâneo. Em tempos de debates sobre identidade, pertencimento e preservação das tradições, a obra de Gilberto Gil continua sendo um convite à reflexão e à celebração da diversidade cultural do país.

Ao olhar para trás, percebemos que Refazenda não foi apenas um álbum: foi um manifesto artístico que reafirmou a força da música nordestina e a capacidade de Gilberto Gil de se reinventar constantemente. E, como toda grande obra, continua a ecoar, inspirando novas gerações e reafirmando a riqueza da música brasileira.

Além do impacto cultural e estético, Refazenda também abriu espaço para que a música nordestina ganhasse mais protagonismo em palcos e rádios nacionais. A redescoberta dos ritmos regionais por Gil inspirou outros artistas, que passaram a mesclar suas raízes com sonoridades contemporâneas, consolidando uma MPB mais plural e conectada com as diversas identidades do Brasil. A longevidade do álbum também pode ser percebida em releituras feitas por músicos das novas gerações, provando que a essência criativa de Gilberto Gil transcende o tempo e permanece viva na música brasileira.

 

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