Cia de Arte Jane Ayrão estreia “Fale-me de Amor”

Nova produção revela a trajetória de um jovem andarilho pelo mundo
sexta-feira, 27 de setembro de 2024
por Ana Borges
(Foto: divulgação)
(Foto: divulgação)

A peça Fale-me de Amor inspirada em obra do escritor francês Michel Quoist, aborda “a simplicidade das criaturas cansadas, por vezes desesperançadas”, com viés filosófico, e uso de multilinguagens. Segundo o protagonista Eduardo Ramos, a diretora do espetáculo, Jane Ayrão, fez um compilado de tudo que o autor escreveu e falou em seus diversos livros e entrevistas. 

“Assim como fizemos em A Promessa [produção anterior da Cia de Arte Jane Ayrão], Fale-me de Amor é um espetáculo líteromusical, no qual a arte dramática é apresentada através de música, dança e poesia. 

Assim, usamos e abusamos da multilinguagem para apresentar um enredo que conta uma história dentro de outra história, que tem como proposta falar de amor. Vamos oferecer ao público uma obra moderna e ousada que, tenho certeza, emocionará a todos”, disse o ator. Confira a entrevista:

Quem foi Michel Quoist?

Eu não o conhecia e tive que, literalmente, “correr atrás do prejuízo”, pois meu personagem Oriun precisava fidelizar não apenas o que está proposto na obra dele, mas também o próprio perfil do escritor. Assim como Oriun, Quoist foi um andarilho que peregrinou por vários países da América Latina, adquirindo e espalhando valores e saberes das relações humanas. Apesar do personagem não buscar uma semelhança estética com o escritor, foi fundamental construí-lo a partir da sua essência e de seus princípios.

Como está sendo interpretar, seguidamente, um segundo personagem com uma trajetória humanista?

Neste aspecto, Oriun revisitou alguns valores que Samuel [dos Santos, oficial da Marinha portuguesa e maestro, personagem de A Promessa] também possuía. Mas, seguramente, isto não foi um fator limitador na hora de construí-lo. Explorar o entendimento da alma humana e mergulhar no universo de pessoas que pautam suas ações no compromisso dessa causa é algo que pode se expressar das mais diversas formas. 

Porém, é importante destacar que dar legitimidade a composições como estas exige que o ator mantenha aberto, não apenas a sua mente, mas principalmente o seu coração. Eu não diria que um humanista racional seja um contraditório, mas tentar entender o homem apenas pelo viés da razão é, além de uma imprecisão, também um grande desperdício. 

O que Samuel e Oriun têm em comum?

Apesar de serem fiéis aos seus valores e crenças, Samuel e Oriun enveredam por caminhos bem diferentes. A grosso modo, eu diria que a trajetória de Samuel durante o espetáculo é pautada num sentimento de ética tão particular e tão humana que levou o público a uma empatia que até hoje custo a acreditar. Samuel foi sincero e puro de tal maneira que, legitimado pelos gritos da plateia, obteve as “bênçãos” para um novo e improvável relacionamento amoroso, deixando sua antiga noiva literalmente a ‘ver navios’. 

Já Oriun tem uma percepção do amor mais etérea e menos particular. Acima do compromisso que tem com suas paixões, ele considera e valoriza as diferentes facetas deste que é o mais belo e importante dos sentimentos. Enfim, diferentemente do maestro, que como bom português tem a dor como patrimônio, Oriun aposta num amor que não pesa na alma e que jamais será ou seria ferramenta para o sofrimento. Para ele, como também para Quoist, a felicidade é consequência do amor e vice-versa.

Entre o maestro e o andarilho, qual o maior desafio que enfrentou? 

Para construir a identidade do Samuel, tive que buscar em mim ferramentas que nunca tinha usado antes e, inegavelmente, interpretá-lo foi um desafio até então inédito para mim. Sou obrigado a dizer agora que estou arrependido de ter jogado tanto peso nas palavras naquela ocasião [entrevista à AVS). Não porque passei a achar o Samuel um personagem mais simples ou acessível. Porém agora, que tive que dar conta da construção do Oriun, já gastei as palavras que expressariam a dimensão desse novo desafio. 

Oriun é um personagem muito mais complexo, intenso, difuso, portanto, muito mais desafiador do que foi Samuel. Embora a construção de Samuel tenha sido bastante minuciosa e cheia de armadilhas que tive que lentamente desmontar, já no começo dos ensaios eu entendia a sua essência e tinha claro onde teria que chegar com ele. Com Oriun, a coisa foi bem diferente. Perto dele, Samuel é quase que cartesiano! Precisei de muita leitura, reflexão e muita conversa com a Jane (Ayrão) para dar sentido ao que ele representava na obra do escritor. 

Depois deste processo de concepção da identidade do personagem, tive que modelar minha forma de interpretar para que suas características pudessem vir à tona. Oriun se expressa não apenas pela voz, mas principalmente pelos movimentos do corpo (vale lembrar que estamos falando de um espetáculo que utiliza as multilinguagens). O gestual de Samuel era contido (até porque ele era uma figura contida), já o de Oriun é extremamente mais expressivo e exige uma grande flexibilidade nos movimentos. Não conte para ninguém (sorrisos), mas meu desejo secreto é conseguir fazer com que as pessoas pensem que o ator que fez o Samuel sequer participou do Fale-me de Amor! 

Como tem sido sua relação com esse trabalho?

Desde que começamos os nossos ensaios, ressaltamos a importância de se montar, nos tumultuados dias de hoje, um espetáculo que fale de amor. Isto é indiscutível. De fato, estamos vivendo um período de desencontro, de intolerância e de falta de empatia, que potencializa e muito a necessidade de falar de amor (como disse o próprio Quoist, “Crê no amor, se pode a guerra!”). No entanto, agora que estamos nos aproximando da estreia do espetáculo e acabamos refletindo um pouco mais sobre o que ele representa, venho me fazendo uma pergunta que gostaria de compartilhar aqui. 

Em que momento da humanidade, falar de amor foi menos importante? Sim, podemos entender o amor como um antídoto ou mesmo uma antítese do ódio, mas será ele somente isso? Quando amamos alguém, fazemos isso apenas pela negação ao desamor? Talvez seja esta a mensagem mais importante que Michel nos deixou de legado, de que o amor é um sentimento tão sublime, que não poderia ser pareado ou contraposto a outro. Como religioso que era, dizia que somente o verdadeiro amor pode nos colocar em sintonia com o divino. 

O sucesso da montagem anterior facilita alguma coisa? 

O sucesso de A Promessa é para nós a famosa “faca de dois gumes”. Realmente ela nos proporcionou uma projeção que não imaginávamos. Recebemos inúmeros convites e principalmente um carinho das pessoas que não tem preço. Tenho certeza absoluta que os ingressos para nossa estreia estarão esgotados muito antes do esperado dia 2 de outubro. Mas, por conta exatamente disso, estamos pagando à prestação o alto custo disto. 

O sucesso e a euforia que conseguimos provocar levaram as pessoas a terem uma expectativa que nos trouxe agora uma baita responsabilidade. Assim, para que a Cia alcançasse o patamar que nos colocaram, buscamos um aprimoramento que só foi possível graças a um processo extremamente intenso de preparação, onde cada um de nós aprendeu a fazer coisas que nunca sequer tínhamos imaginado.

Continuou apostando na sua intuição para construir o Oriun, como revelou sobre seus outros personagens?

Acho que esta é uma ferramenta que sempre utilizarei, principalmente em espetáculos como este que falam de sentimentos. Não estou dizendo que estudar técnicas não seja importante (eu estaria criando uma distorção das regras do teatro), mas se o ator não confia na bússola quem tem dentro de si, jamais vai conseguir passar verdade para a plateia. 

Na verdade, isso é o que dá sabor em fazer teatro. Poder pegar emprestado emoções que não são suas e misturá-las com aquilo que guardamos dentro da gente. Assim como um atleta exercita seus músculos, o ator exercita os seus sentimentos.

De que tipo de amor fala a peça?

Muitas vezes, a gente tende a pensar no amor como uma coisa única e padronizada. A proposta do nosso espetáculo é abrir o leque e mostrar que o amor se manifesta desde uma paixão desenfreada de uma noite de verão até o admirar do nascer do sol. 

Quoist nos oferece uma versão do amor que tem como protagonista não os atributos do amado, mas o coração aberto do amante. Acreditamos que cada pessoa da plateia vai levar para casa uma percepção diferente daquilo que apresentaremos. Não temos, e nem poderíamos ter a pretensão de fechar questão sobre o que é o amor e o que ele representa para cada um. Na verdade, se conseguirmos gerar mais perguntas do que respostas, é um bom sinal de que fomos bem sucedidos.

Para encerrar, como se sente pessoal e profissionalmente, neste momento?

Como não sou mais um menino (muito pelo contrário), às vezes é difícil explicar para as pessoas porque ‘gasto’ tanto do meu precioso e rarefeito tempo fazendo teatro. Volta e meia, eu mesmo me pergunto isto, já que na prática é uma atividade que demanda um comprometimento que muitas vezes é incompatível com as demandas diárias de família e trabalho, pois é como professor da rede pública que tiro meu sustento. No entanto, também é difícil precificar as emoções e as sensações que o teatro me proporcionou ao longo do tempo e principalmente nos últimos anos. 

Ao final das apresentações de A Promessa, costumávamos descer do palco para cumprimentar as pessoas na plateia. Poder testemunhar a emoção e a gratidão pelo que entregamos a elas é algo que nem vou tentar explicar aqui. Acredito do fundo do coração que Fale-me de Amor será mais uma oportunidade de promover essas emoções. Como sabiamente disse Quoist, “precisamos falar de amor, antes que as pessoas se transformem em pedras!”    

Serviço

Teatro Municipal Laercio Ventura, Praça do Suspiro, Centro.

Quarta-feira, 2 de outubro, às 19h.

Mais informações sobre a peça e venda de ingressos em www.sites.google.com/view/companhiadeartejaneayrao

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(Foto: divulgação)
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