“No passado, a gagueira era entendida como um fenômeno de natureza psicológica que não tinha tratamento. Manifestava-se na infância e acompanhava o indivíduo até a morte. Em muitos momentos, transformava-se em motivo de chacota, o que perpetuava a dificuldade e aumentava o constrangimento.
Embora os casos de gagueira façam parte da história da humanidade, o problema varia em função da cultura do povo e da importância que dá à comunicação. Numa comunidade de pigmeus, onde a comunicação oral é menos importante, praticamente não existe gagueira. No mundo ocidental, onde é muito valorizada, a desordem é mais prevalente.
‘De ne-ne-nervoso, estou até fi-fi-ficando gago’ é uma frase do samba Gago Apaixonado, de Noel Rosa, que marcou época e ainda hoje é cantado por aí. De maneira bem humorada, o autor remete a um problema de fala que tem atormentado crianças e adultos. São inúmeros os exemplos de pessoas gagas ao longo dos séculos.
Nélson Gonçalves, um grande cantor brasileiro, era gago. Por que as pessoas não gaguejam quando cantam? Por alguns motivos. Primeiro, por causa do ritmo. Qualquer pessoa que acompanhe um ritmo, mesmo o gago mais gago, fala com fluência. Basta bater cadenciado numa mesa, seguir o compasso do metrônomo ou falar destacando as sílabas des-te mo-do as-sim.
Tem gente que “trata” gagueira colocando um metrônomo ou pedindo para a pessoa falar num determinado ritmo. Nessas condições, ela não gagueja, porque tal mecanismo funciona como distração e como marcador. Saindo dali, o problema reaparece.
Vale observar que a gagueira está ligada à autoestima e à aceitação do grupo. Marilyn Monroe era gaga, mas não gaguejava quando estava representando. Era fluente nos momentos que assumia uma personalidade que não era a dela.
A gagueira é um problema pessoal e um problema social também, porque a reação do ouvinte é muito importante. O gago espera causar boa impressão; espera que o ouvinte o entenda, elogie e aprove. As pessoas não gaguejam quando estão sozinhas em casa. Experimentos mostram que, lendo no quarto, sem ninguém por perto, o gago é fluente. Se notar, porém, que alguém se aproximou, começará a gaguejar. Se não perceber, continuará fluente.
No entanto, há pessoas que gaguejam lendo, há as que gaguejam só diante de estranhos e as que gaguejam diante de conhecidos. Quando fazia estágio nos Estados Unidos, conheci um gago que trabalhava como Papai Noel e era perfeitamente fluente, quando vestia as roupas de trabalho.
Por outro lado, existe uma incidência grande em certas famílias. Há um caso descrito na literatura de oito irmãos que eram gagos. Eu diria que a genética é um fator predisponente, mas não determinante. Não é porque a pessoa tem predisposição que obrigatoriamente irá desenvolver gagueira.
Pesquisas norte-americanas mostraram que a gagueira desaparecia nos soldados que foram para a guerra do Vietnã, que funcionava como mecanismo de distração. Eles estavam muito mais preocupados com a sobrevivência do que com a comunicação oral.” (Trechos de entrevista da fonoaudióloga Fernanda Limongi publicado originalmente no blog de Drauzio Varella)
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