Mal pisam no palco, os artistas da Banda Punk Circus se dirigem ao público: “Vocês estão prontos para o rock ‘n’ roll?” De antemão aviso que é bom estar, porque “quando três palhaços resolvem tocar numa banda punk tudo pode acontecer!”. Esses “três” são Dalmo Latini (El Patron), João Marcos (Sereno, o Viking) e Ian Melone (Bactéria).
A junção de duas linguagens — a palhaçaria e o punk rock — resulta numa dinâmica comunicação entre os artistas e a platéia, que surpreende pela originalidade do show. Através de músicas autorais misturadas com números de malabarismo, equilibrismo e marionetes, além da comicidade que costura o espetáculo, a platéia se diverte, canta, dança e sente a energia de um verdadeiro show de rock.
A produção despertou a atenção do Coletivo Circo no Beco, de São Paulo, que convidou a Banda Punk Circus para integrar a programação do 14º Festival de Circo e Artes de Rua. A apresentação é neste sábado, 26, na Vila Madalena, às 21h.
Segundo os organizadores, “o festival é promovido para comemorar o aniversário do projeto Circo do Beco, inaugurado em 27 de março de 2003, Dia do Circo no Brasil, e o aniversário do palhaço Piolin, que deu origem à criação da data”.
Antes de embarcar para São Paulo, Dalmo Latini nos concedeu essa entrevista para falar de sua ligação com o universo circense, da Trupe Clou, da criação do Punk Circus, sobre ficar longe do público durante dois anos, dos encontros com mestres, do início até hoje, e sentimentos. Confira:
Caderno Z: Quando e como foi o encontro do Dalmo com o ‘seu’ Palhaço?
Dalmo Latini: Cresci em uma Friburgo que recebia circos com uma certa frequência. Levado muitas vezes pelos meus tios pude assistir a circos como o Garcia, o Bartolo, e tantos outros. Portanto, tive a sorte de ver grandes palhaços se apresentando no picadeiro. Mas meu encontro mais íntimo com essa arte se deu muitos anos depois, quando eu e Talita (Melone, esposa) procuramos a atriz, bonequeira e palhaça Marcele Nader, do grupo Theatro D.Eugênia, para conhecer um pouco mais sobre esse ofício de fazer rir. Desse encontro surgiu um auto de natal apresentado por palhaços, com músicas autorais tocadas ao vivo, bonecos, cenas de palhaçaria, cenas de platéia, tudo isso sob a direção de Raquel Nader.
Essa foi uma experiência muito importante para nós, e a primeira vez que a nossa filha Isabela, que na ocasião tinha uns seis anos, entrou em cena. Depois conhecemos o Márcio Libar, o João Carlos Artigos (do Teatro de Anônimo) e aí uma porta gigantesca se abriu para que conhecêssemos mestres do mundo todo no ofício de fazer rir. Foi assim que nos aproximamos ainda mais da nobre arte do palhaço. Tempos depois nasceu a Trupe Família Clou.
Quem e como é a Família Clou? Como tem sido essa jornada?
A trupe é formada por mim, por Talita, Isabela e Ian. Isa, quando pequena, já esteve nos picadeiros conosco, mas depois de um tempo optou por fazer nossa produção, aliás, atividade que desempenha muito bem. Ian também foi crescendo na Trupe, fazendo pequenas cenas, tocando a bateria, e, paralelo a tudo isso, estudando na Oficina Escola, com o mestre Carlos Campanucci, com quem aprendeu a andar de monociclo, perna de pau, entre outras habilidades. E assim foi ganhando espaço no circo. Por mais que haja altos e baixos nessa profissão, para seguir em frente encontramos força no sorriso e no carinho que recebemos do público, e no contato com outros artistas que nos inspiram e também acreditam que é possível transformar o mundo em um lugar mais justo, mais humano, com mais afeto e mais amor. Esse ano completamos 18 anos de Família Clou e estamos planejando algumas ações para comemorar essa data que é muito importante para nós.
Como a família enfrentou esses dois anos de pandemia, o que sentiram, como reagiram? E agora?
O que mais sentimos falta foi do contato presencial com nosso público, de estar perto, junto. A tela do computador ou celular pode minimizar, mas não supre a ausência. Agora estamos voltando, com força e fé de que as coisas vão dar certo
Qual a principal característica do palhaço que vive em você?
Todo mundo carrega um palhaço dentro de si, mas só alguns colocam esse palhaço pra fora. O palhaço não é como um personagem de teatro, por exemplo, que carrega características externas. É uma lente de aumento em você mesmo, em seus defeitos e qualidades. É sua sombra. Por isso não vai existir um palhaço igual ao outro, porque somos diferentes. O palhaço se expõe, mostra suas inabilidades, cai, erra, é o tonto. Rindo do palhaço, estamos rindo de nós mesmos, nos aceitando como somos e aprendendo a aceitar o outro.
Como surgiu a Punk Circus?
A ideia da Punk Circus surgiu quando eu e mais dois amigos — o Leonardo Benvenuti (Léo Abelha) e o Jeferson Cunha — resolvemos misturar cenas de palhaçaria com Rock N Roll. Tivemos grandes momentos com essa formação. Começamos a nos reunir e a compor, tocar nossas próprias músicas, adaptar canções clássicas e paródias, sempre voltadas para o universo do circo e da palhaçaria. Nessa época ainda adotávamos o nome Punk Rock Circus. Depois, a idéia foi se transformando, caminhando em outras direções, recebendo influência do João Albuquerque e do Ian Melone, os novos membros, até ser trabalhada mais a fundo numa residência artística promovida pelo Sesc, onde fomos dirigidos pelo ator, diretor e palhaço Márcio Douglas.
Que experiências destaca ao longo da carreira?
Nessa nossa trajetória, tivemos a sorte de aprender e aprimorar esse ofício com mestres e artistas como Raquel Nader, Marcelle Nader, Nelmo Ricardo, Carlito Marchon, Carlos Campanucci, Sr. Pires, além de estar com palhaços de várias partes do Brasil e do mundo, como Chacovachi e Maku Fanchulini (Argentina), Aziz Gual (México), Tortell Poltrona (Espanha), entre outros.
Há uns 4 ou 5 anos tivemos aulas com o mestre italiano Leris Colombaioni (cujo pai Nino, trabalhou com Fellini), que nos dirigiu numa cena, aqui em Friburgo. Foi uma convivência muito rica, uma experiência forte. Então, cada vez que mergulhamos mais fundo, descobrimos que ainda há muito mais a aprender sobre essa arte.
Ficha técnica do Punk Circus:
Dalmo Latini (guitarra, vocal e composições); João Marcos (baixo e backing vocal); Ian Melone (bateria e backing vocal); Erick Queiroz (técnico de som); Gustavo Viana / Vitor Buzato (técnicos de iluminação); Rafo Castro (criador da logo da banda); Ilson Júnior (animações do telão); Diego Stork (aerografias); Flávia Ferreira (fotos divulgação); Márcio Douglas e banda (figurinos e direção); e Dalmo Latini (cenário e concepção do espetáculo). Duração: 60 minutos. Livre para todos os públicos.
Contatos:
E-mails: familiaclou@gmail.com; punkcircusoficial@gmail.com; Instagram: @punk.circus; Facebook: punkcircus; Celular: +55 (22) 9 9846 9197 (Dalmo Latini).
O valor do patrimônio imaterial (por Dalmo Latini)
“Quando eu e a Talita começamos a Trupe, nenhum de nós vínhamos de família circense. Havia um desejo nosso em trilhar esse caminho do palhaço e o encontro com o pessoal do Teatro de Anônimo aqui na cidade fortaleceu muito isso. Eu conheci o Márcio (Libar) e o João (Artigos), que me falaram do trabalho que faziam, então desci pro Rio pra estudar com eles. Fiz as oficinas, fui me aproximando desse universo, conheci o Anjos do Picadeiro. O meu interesse começou com a linguagem do palhaço.
Algumas pessoas nos perguntam o que conseguimos com isso, “que patrimônio vocês construíram”? Respondo: “patrimônio material, pouco”. Criamos os filhos em meio a tantas outras dificuldades, somos professores. Então, a gente vive as duas vertentes, a do professor, que no Brasil não é valorizada, e a do artista, que vive numa permanente batalha. Agora, se eu falar de patrimônio imaterial, nossa!… é riquíssimo. E foi e é com esse tipo de patrimônio que nossos filhos tiveram contato e têm. Esse é o que mais nos importa.
O Ian se apresenta não só comigo na Família Clou como também na Punk Circus, e a Isabela hoje faz a minha produção do espetáculo solo — O Magnífico Circo de um Homem Só. Eles estão o tempo todo presentes na nossa criação, nas nossas dificuldades, em tudo. Conheceram por dentro e hoje trilhamos juntos esse caminho. O Ian está com 18 anos, e a Isabela, com 22. Seja lá o que eles escolham fazer, eu acredito que essa semente plantada pela família, da arte da palhaçaria, dos encontros, de provocar risadas e alegria, estará sempre presente como uma grande experiência para eles.
Resumindo, é muito prazeroso e ao mesmo tempo desafiador estar com eles, porque são jovens, têm as questões deles e nós, como família, precisamos entender todas essas questões e fazer funcionar. É diferente de um grupo que se reúne, ensaia e depois cada um vai para sua casa. A gente tem esse convívio diário e isso tudo tem seus prós e contras. Mas vejo muito mais coisas boas relacionadas a isso. É maravilhoso ter a possibilidade de estar no palco com um filho, é incrível…, um em cena e a filha nos bastidores para que tudo saia bem. São dois valores muito importantes para fazer tudo fluir.”
(Trechos de depoimento publicado no portal www.sescrio.org.br, em 2020)
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