Ao chegarem ao Estado do Rio de Janeiro, na década de 1930, os imigrantes nipônicos se estabeleceram, principalmente, em Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo. Mas, bem antes dessa imigração se consolidar em todo o Brasil, já na década de 1920, chegou ao município o primeiro imigrante japonês — Tohoru Kassuga — em busca de terras férteis e clima temperado.
Numa chácara do Tingly, ele iniciou a plantação de caqui, fruta originária da China que se tornou popular no Japão. Bem adaptada nas regiões mais frias do Brasil, a produção da fruta se expandiu em Friburgo, cujo cultivo foi adotado também por outras famílias de origem japonesa, como Hiroshi Higuchi, que se dedica ao plantio a fruta em seu sítio em Córrego Dantas.
No 3º distrito de Friburgo — Campo do Coelho — a lavoura rasteira de tomate e de outros legumes provocava grandes perdas devido ao contato direto com o solo e, às pragas. Os japoneses resolveram o problema: ensinaram os agricultores a usarem estacas verticais, aumentando significativamente a produtividade, assim como a montagem de estufas, que revolucionou o modo de plantio.
Proprietária do sítio Florândia da Serra, em Conquista, a família Matsuoka se destacou pela celebração do Hanami — a contemplação das flores das cerejeiras, um evento tão marcante que entrou para o calendário oficial da cidade. Em entrevista concedida ano passado ao jornal, Patrícia Matusoka, filha do patriarca, contou:
“Quando meu pai teve a ideia de plantar cerejeiras, há mais de 40 anos, ele decidiu comprar as primeiras mudas em São Paulo. Esse símbolo japonês o faz lembrar de sua terra natal e, graças ao clima, as mudas se desenvolvem rapidamente. Assim que as frutinhas caem, as flores já começam a brotar. A cada ano meu pai ia plantando mais um pouquinho pelas ruas do caquizal, até que um dia o sítio ficou assim, cheio de cerejeiras”, falou apontando para o imenso e belo espaço todo florido, que, pelo segundo ano consecutivo, não realizará o evento em 2021, devido à pandemia.
“Sob as Cerejeiras Florescendo”: obra japonesa é considerada o primeiro romance literário do mundo
O termo hanami significa "contemplação do florescimento da cerejeira" e foi usado pela primeira vez numa obra do Período Heian: “Genji Monogatari — Sob as cerejeiras florescendo".
Genji Monogatari, em português “O Conto de Genji”, é um clássico da literatura japonesa, cuja autoria é atribuída à fidalga Murasaki Shikibu, escrito no começo do século XI. É considerado o primeiro romance literário do mundo.
Murasaki Shikibu, filha de um poeta que exerceu vários cargos no governo, tornou-se dama de companhia de uma das favoritas do imperador Itijô. Nos oito anos em que viveu no palácio imperial, aproveitou para captar o máximo de conhecimentos para criar a obra que retrata os dramas vividos por homens e mulheres da época.
Amor, traição, ambição, angústia e tristeza, enfim, todas as paixões da vida humana são apresentadas com clareza em 54 capítulos. Curiosamente, numa época em que escrever ou fazer poemas era privilégio de homens, esse livro foi escrito por uma mulher.
No tempo de Genji
No século 11, a cultura japonesa de modo geral floresceu e se desenvolveu espantosamente. Não havia guerra nem cataclismos, nem grandes mudanças políticas. O povo vivia em paz. No palácio imperial promoviam-se festas, concursos e competições, os quais propiciavam o surgimento de romances entre os privilegiados membros da corte.
O personagem principal, Hikaru Genji — hikaru significa brilhar — era o que se poderia dizer de um príncipe brilhante, que se destacava em todos os sentidos, tanto pela beleza física como pela educação cultural.
Era um dos filhos do imperador, mas não foi seu sucessor. Ainda jovem se apaixonou por uma das favoritas do pai, Fujitsubo, o grande e impossível amor de sua vida. Ao longo de sua vida, amou diversas mulheres, sem jamais esquecer o primeiro amor. Possuía todas as condições para ser o imperador, mas foi impedido, e esses dois motivos o perseguiram toda a vida, causando-lhe constante conflito interno.
A história começa com Kiritsubo, mãe de Hikaru Genji, que recebia atenção especial do imperador por sua beleza incomum. Por outro lado, sofria com a inveja das outras mulheres, vindo a falecer muito cedo. Mas a imagem dessa mãe de fina educação, que tanto causava inveja e ciúme, ficou guardada na mente de Hikaru.
Por sua vez, Fujitsubo também possuía fina educação e tinha feições parecidas com a da falecida mãe de Hikaru. Aos 12 anos, segundo o costume da época, adotou o penteado dos adultos. E na mesma noite contraiu matrimônio com a filha de um poderoso fidalgo, a quem o imperador havia prometido o seu filho.
Hikaru foi morar na casa da noiva, como era praxe, mas, como não se interessava pela esposa, saía à procura de aventuras amorosas, com mulheres de todas as classes sociais, algumas belas, algumas cultas e outras nem belas nem cultas.
Um dia um sábio olhou para Hikaru Genji e lhe disse que possuía tudo para ser imperador, mas não seria. Em contrapartida, um filho subirá ao trono, outro será ‘Dajôdaijin’ (um cargo supremo) e a única filha, imperatriz.
Tudo aconteceu exatamente segundo a profecia. Primeiramente, Hikaru ousou conquistar Fujitsubo, a eleita do pai imperador, a qual concebeu um menino que reconheceram como se fosse filho do imperador. Embora suas feições se assemelhassem evidentemente com as de Hikaru, o imperador o adorava sem desconfiar da verdade.
Fujitsubo, com vergonha e remorso, não suportou a situação. Pediu a Hikaru que cuidasse do menino e decidiu se isolar do mundo, enclausurando-se num monastério.
Pela primeira vez Hikaru sentiu a felicidade de ser pai, mas dadas as circunstâncias, esteve impedido de senti-la na sua plenitude porque não podia tratá-lo como filho. Aquela criança tão linda quanto o pai, mais tarde assumiu o trono como imperador.
“Genji Monogatari” não é um romance sobre disputa de poderes. É uma obra sobre o amor e o sofrimento causado por ele, no cenário de luxo da corte e dos costumes da época. Trata-se de um documento precioso, considerado um tesouro da história do Japão, concebida e contada por Murasaki Shikibu.
(Fonte: Francisco Handa é doutor em história pela Unesp, pesquisador da cultura tradicional japonesa e monge da Escola Soto Zenshu)
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