Tempos difíceis para discordar

Seria uma hipocrisia negar que a nossa cidade está linda! Mas aprendi que não posso me contentar com uma paixão cega e desarrazoada
quinta-feira, 07 de dezembro de 2023
por Lucas Barros*
(Foto: Henrique Pinheiro)
(Foto: Henrique Pinheiro)

Havia ruas largas, todas muito semelhantes umas às outras. Enfeitadas com piscas-piscas, papais-noéis, luzes, esculturas, estruturas montadas e sonorizadas pelas nostálgicas músicas de natal que nos trazem a memória afetiva de quando um dia fomos crianças. Eternas crianças.

Havia também ruelas ainda mais semelhantes umas às outras, onde moravam pessoas também semelhantes umas às outras, que saíam e entravam nos mesmos horários, pelas mesmas calçadas, para fazer o mesmo trabalho sacal. E para quem cada dia era o mesmo de ontem e de amanhã, e cada ano o equivalente do próximo e do anterior.

Mudaram as estações e nada mudou? Cássia Eller estava certa em partes. Afinal, nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa e tudo sempre passará - nem que seja por cima de nós. Mas a verdade, é que muita coisa mudou e outras, infelizmente, ainda continuam a ser como eram.

Seria uma hipocrisia negar que a nossa cidade está linda! Eu como morador da Avenida Alberto Braune e apaixonado por Friburgo, me encanto todos os dias com o que vejo pela janela. Mas aprendi que não posso me contentar com uma paixão cega e desarrazoada, que prefiro deixar para os apaixonados e emocionados de plantão.

Toda paixão em que colocamos à frente a emoção, sem levar em conta a razão, está fadada a decepção. Aprendemos com a vida que nem os mais bonitos e encantadores rostos e sorrisos, continuam tão bonitos assim depois de conhecermos além das aparências. Aplicamos a lição nos relacionamentos, mas pouco como uma filosofia de vida.

E nesse colapso de mudanças, dúvidas, paixões intensas em que vive a nossa cidade, cresceu-se um completo estado de hostilidade contra quem tem a audácia de discordar. Sabia-se da vida e das pessoas somente o que elas puderam observar e completava-se o que não sabia com sua imaginação fértil sem horizontes.

Quase que como numa grande batalha, criamos o lado “A” e o lado “B, C, D, E” – que apesar de diferentes, para muitos, são farinha do mesmo saco. E em meio ao fluxo de informação, foram nomeados como os “inimigos em comum”, criando um clima de hostilidade entre as semelhantes pessoas, que vivem em semelhantes vielas com semelhantes e pacatas vidas.

A narrativa da criação de um inimigo em comum é tão forte que as pessoas se revoltam mais com a publicação de uma notícia do que com as denúncias gravíssimas no Hospital Municipal Raul Sertã, de pombos e lixo hospitalar espalhado por dentro do nosso espaço de saúde.

Eu como friburguense raiz, é obvio que fico feliz com o Natal Encantado. Mas, precisamos deixar nossas paixões e emoções de lado. Como usuário do SUS, toda vez em que preciso de um atendimento médico, volto para a realidade de qual o custo que eu pago e, infelizmente só vejo piorar.

Isso não me faz querer derrubar um governo, mas me faz enxergar além do que os meus olhos permitem. E em meio a escândalos nas creches, nos hospitais, nos salários, nos regimes de servidores, é preferível criar e descredibilizar quem pensar diferente como um “inimigo em comum”.

Amo procurar detalhes onde ninguém vê. Mas e as desordens da vida, quem arruma essa? Parece muitas vezes que quando um dedo aponta para o céu, as pessoas olham para o dedo, assumindo uma posição de falsa neutralidade, para esconder a fraqueza de lutar, por aquilo que sabem ser o melhor.  

A verdade é que a crítica quando fundada e embasada divorcia-se da emoção do pensamento político, como divorcia o sexo do amor, a vida íntima da vida pública, o passado do presente. E se seu o passado não tem nada para dizer ao presente, a história deve permanecer adormecida, sem incomodar, nos guarda-roupas onde o sistema guarda seus velhos disfarces.

As festividades tem esvaziado nossa memória, ou enchendo-a de paixões, fazendo com que esqueçamos do que não está legal. E assim nós repetimos a história em vez de fazê-la diferente. Mas entre nós, é pior: as tragédias se repetem como tragédias.

Em meio a bolinhas de isopor picadas ao vento, escrevemos história, exalamos uma felicidade em meio a magia da fantasia de Natal na ‘JohnnyLand’. Como cidade, estamos como numa depressão: tentamos fingir que está tudo bem, com um sorriso estampado no rosto, quando na verdade não está e o pior é que sabemos disso. Mas... são tempos bem difíceis para poder discordar.

*Lucas Barros escreve a coluna "Além das Montanhas" no Jornal A Voz da Serra

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