Quem canta seus males espanta

Neste mês, Nova Friburgo recebe diversas atrações musicais em festivais e, além da diversão dos shows, a música por si só também traz benefícios emocionais
sexta-feira, 14 de julho de 2023
por Christiane Coelho (Especial para A VOZ DA SERRA)
(Foto: Freepik)
(Foto: Freepik)

Neste mês de julho, acontece uma efervescência cultural em Nova Friburgo, com seus festivais, com diversas atrações das mais variadas linguagens artísticas. E a música está presente, não só em shows de artistas locais, mas também com destaques nacionais. A programação de muita gente é  reunir amigos, ir para um show, dançar, se divertir… Mas, a música, além da diversão tem outros poderes. Ela mexe com o emocional, marca momentos e pessoas, desperta os sentidos.

Carolina Octaviano mestre em cognição e filosofia da música pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em seu artigo “Os efeitos da música no cérebro” afirma que a atividade musical envolve quase todas as regiões do cérebro e os subsistemas neurais. “Quando uma música emociona, são ativadas estruturas que estão nas regiões instintivas do verme cerebelar (estrutura do cerebelo que modula a produção e liberação pelo tronco cerebral dos neurotransmissores da dopamina e noradrenalina) e da amídala (principal área do processamento emocional no córtex). 

Já na leitura musical, o córtex visual é a área utilizada. O ato de acompanhar uma música é capaz de ativar o hipocampo (responsável pelas memórias) e o córtex frontal inferior. Para a execução de músicas, são acionados os lobos frontais – o córtex motor e sensorial”.

Memória musical

Para a musicoterapeuta Edna Santos, é uma alegria a volta dos festivais, com apresentações musicais e peças de teatro a cada esquina. “Isso é um resgate cultural o tempo todo. É trazer à memória momentos marcantes, momentos bons, momentos importantes, músicas que fizeram parte de cada um, músicas que contam a história. Todo mundo tem aquela música marcante na vida. Então quando a ouvimos, revivemos esse momento e nos sentimos envolvidos pela emoção que traz essa música. A pessoa quando escuta a música que foi o som do seu casamento e já se vão lá uns 25, 30 anos de união, lembra daquele momento que foi o primeiro do resto das suas vidas. Isso é capaz de trazer emoções boas, emoções gostosas. A primeira música que seu filho cantou para você. Olha que memória linda! Você vai trazer esse sentimento junto com essa memória, então é algo gostoso de ser vivido”, explicou.

 E assim como o cheiro de um perfume, que remete a um amor antigo, o sabor de uma comida, que faz viajar até a casa da avó, há músicas que marcam um determinado momento da vida das pessoas, que ao ouvi-las, parecem reviver aquele momento. Edna explica que isso é a memória musical. “A memória musical é tão profunda no nosso cérebro que quando a gente canta para uma pessoa com Alzheimer e consegue abrir o canal de comunicação que, às vezes estava esquecido, estava dormindo, a gente consegue despertar por poucos momentos e fazer uma intervenção. Isso porque a memória que a música traz desperta seus sentidos, desperta o seu sensorial,  desperta seu físico. Quando você escuta uma música que você ouviu durante as férias de verão, por exemplo, você lembra das pessoas, da fisionomia, do lugar, do que você estava comendo, do cheiro, porque a música quando ela aciona essa memória, ela não vem só um pedacinho, ela traz tudo para você”, esclarece a musicoterapeuta.

Música acompanha desde a barriga da mãe

De acordo com a musicoterapeuta, nós somos criados produzindo música. “Cada rompimento de célula produz um som. E esse som vai se juntando aos sons da mãe, vai se juntando aos novos sons que vão surgindo nesse bebê. Isso tudo vai criando um rico ambiente sonoro para nós. Então, quando a gente fala de música, estamos falando de algo que é muito natural para o ser humano. A música acompanha a nossa vida desde o nosso nascimento e vai contando a nossa história da vida”, observa.

Ela ainda lembra que antes de começar a falar palavras, o bebê canta, as melodias estão presentes. “A gente não fala com bebê de uma forma marcada. A gente fala de bebê com uma forma suave, é uma forma melodiosa. E isso já vai enraizando nas nossas memórias. E quando a gente vai cantar uma música para o bebê, a gente canta como um balanceio, aquela melodia que leva a entender como se o bebê estivesse no colo da pessoa balançando. Então você está trabalhando ali mais é essa melodia, essa emoção, esse sentimento. Isso muito cedo já vai ficando nas nossas memórias, já vai ficando enraizada ali”, exemplificou Edna.

O poder da música em cada um

A música tem o poder não só de trazer e marcar memórias, mas também de mexer nas emoções. As músicas podem acalmar ou agitar a pessoa, e isso depende da identidade sonora dela. “Por que algumas pessoas conseguem relaxar ouvindo rock e outras ficam mais agitadas?  Porque ela tem a identidade sonora dela. A música tem o poder de acalmar, de equilibrar, de controlar a pressão sanguínea, de manter o batimento cardíaco e deixar mais relaxados. Mas uma música mal direcionada, pode trazer efeitos nocivos, como estresse, sobrepressão. Esse é o cuidado que a gente tem que ter. Cada um deve identificar o efeito de cada música ou estilo musical nele”, disse ela.

A música como profissão

Neto de maestro, Rodolpho Zacca, da banda Os Bartira, nasceu com a música nas veias. “Meu avô, o maestro Zaccarias comandava a Orquestra Zacarias, que tocou por longos anos no Copacabana Palace e lançou vários discos. Ele também foi diretor artístico da gravadora RCA e trabalhou com diversos artistas, como Ivon Cury, Emilinha Borba, Carlos Galhardo e Luiz Gonzaga. Na minha infância, além do meu avô me ensinar por anos a tocar flauta doce, na minha casa, a música sempre esteve presente, pois meus pais amavam ouvir seus cantores preferidos”, revelou ele.

Anos mais tarde, o outro avô de Rodolpho se mudou para Nova Friburgo, e isso também influenciou na escolha da profissão dele. “Eu sou do Rio de Janeiro e vinha passar férias, fins de semana na casa do meu avô.  Foi quando conheci meus amigos, que hoje, estão comigo na banda Os Bartira. Na época, eles tinham uma banda e eu comecei como baterista dessa banda, em 1989”, disse ele.

 Em 1990  Rodolpho passou para o vocal da banda e hoje, comanda uma das bandas de maior sucesso da cidade. Mas, paralelo à banda, ele chegou a tentar cursar duas faculdades. “Digo sempre que a faculdade atrapalhava a música, não era música que atrapalhava a faculdade. Faltava aula porque eu tinha que tocar, porque eu tinha que ensaiar. Então, eu tive que escolher um caminho e fui por onde meu coração mandou: a música”, relata.

Mas, quem pensa que ser músico é moleza, está enganado. “A música me ocupa o meu dia inteiro e eu dou graças a Deus por isso, porque eu trabalho com o que amo. Na pandemia, por exemplo, eu passava sete horas por dia em frente ao computador estudando e aprimorando o violão. E agora eu também estou fazendo show de voz e violão, que eu não fazia antes da pandemia”, disse Rodolpho.

 Como profissão, ele ouve música com outra pegada. “Fico pesquisando melodias, buscando letras, reproduzindo o que eu ouço para botar no papel ou para tirar um arranjo. A música está totalmente ligada no meu cotidiano. Tudo o que ouço me ajuda a fazer uma composição, uma nova música”, revelou.

O poder de transformação de vidas através da música

A música entrou na família de Luanna Conceição através do seu avô paterno. Conhecido como Chico Bon, ele tocava na Sociedade Musical Euterpe Friburguense. “Meu avô teve dez filhos, e ensinou música a todos eles, mas apenas meu pai continuou o legado e se profissionalizou. A música transformou minha vida através da vida de meu pai, Marcos da Conceição. Ele era pedreiro e depois de muito estudar por conta própria, com ajuda da Sociedade Beneficente Euterpe Friburguense, ele conseguiu ser aprovado no concurso da banda da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, onde atua como clarinetista até os dias atuais”, lembra Luanna, acrescentando que “nesse e primeiro momento a música transformou minha vida, pois houve uma melhora financeira e melhores oportunidades para nossa família”, conta. 

Mas a história da família com a música não parou por aí. “Através da música consegui, uma bolsa de estudos no Colégio Nossa Senhora das Dores, que me preparou para um bom vestibular. Entrei na UniRio, uma ótima faculdade, e consegui me desenvolver e aprimorar minhas habilidades, como clarinetista”, conta.

Hoje, Luanna mora em Mogi das Cruzes, em São Paulo, onde trabalha como professora de música e clarinetista. “Aqui também conheci meu marido e constituí família. Agradeço demais pelas portas que me foram abertas através da música”, finalizou.

Os tesouros musicais de Nova Friburgo

Sociedade Musical Beneficente Campesina Friburguense

A Sociedade Musical Beneficente Campesina Friburguense foi fundada em 1870 por um grupo de republicanos e abolicionistas liderados pelo major Augusto Marques Braga. Em 1981, representou o Brasil nas comemorações dos 500 anos do ingresso da banda friburguense na Confederação Helvética, na Suíça. Os músicos tocaram em várias cidades suíças e em Freiburg, na Alemanha, apresentaram o espetáculo Nova Friburgo Canta Brasil. Com dezenas de músicos, a Sociedade Campesina possui uma escola de música que oferece aulas de canto, cavaquinho, teclado, piano, harmonia, percussão, violino e gaita.

Sociedade Musical Euterpe Friburguense

A Sociedade Musical Beneficente Euterpe Friburguense nasceu de uma promessa do maestro português Samuel Antônio dos Santos. Em 1858, ele partiu de Lisboa em um navio da Marinha rumo à Argentina. Ocorreu uma forte tempestade durante a viagem. Devoto de Santo Antônio, o maestro pediu proteção divina. Se todos se salvassem, ele fundaria uma banda de música e uma igreja em louvor ao santo, na primeira cidade em que aportasse. A banda civil foi fundada em 1863 e Santos foi seu regente por 22 anos. Cumprindo a promessa, ergueu em 1884 a capela de Santo Antônio, no bairro do Suspiro. A Euterpe Friburguense é uma das bandas mais antigas do estado. Foi aplaudida pelo compositor Heitor-Villa Lobos, em 1915; recepcionou o presidente Getúlio Vargas, em 1932; e encerrou o comício da campanha à presidência de Juscelino Kubitscheck, em 1955. Depois de eleito, Juscelino tornou-se presidente de honra e sócio contribuinte da banda.

Sociedade Musical Euterpe Lumiarense 

A Sociedade Musical Euterpe Lumiarense foi fundada em 1891, dois anos depois da Proclamação da República, por iniciativa das famílias Marchon, Spitz, Klein, Brust, Berbert, Heiderich e Martins da Costa, entre outras. A banda, que é Ponto de Cultura, oferece gratuitamente para  crianças da região cursos de flauta doce, percussão e danças folclóricas.

No passado teve uma importância cultural muito significativa, atendendo as comunidades que hoje formam o 5º e 7º distritos de Nova Friburgo – Lumiar e São Pedro da Serra. Assim que se iniciaram as apresentações, a banda estava sempre presente, quando solicitada, nos funerais, casamentos, procissões, festas dos padroeiros e nos vários outros eventos que ocorriam na localidade e vizinhança. Constantemente a banda musical era convidada a abrilhantar os festejos de comunidades vizinhas, como Barra Alegre e Aldeia Velha. 

  • Rodolpho Zacca

    Rodolpho Zacca

  •  Luana Conceição

    Luana Conceição

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