Do lixo aos resíduos sólidos, estamos indo mal

Uns resíduos são perigosos. Outros são recicláveis. Outros são orgânicos. E vai por aí a fora
sexta-feira, 15 de dezembro de 2023
por Professor Fernando Cavalcante*
Do lixo aos resíduos sólidos, estamos indo mal

Pois é, já foi o tempo em que juntávamos o lixo de nossa casa num saco, ou latão, colocávamos na calçada para o caminhão da prefeitura pegar levar e jogar em um lixão. Local escolhido para jogar o lixo da cidade. E lixo eram todas as coisas que não tinham mais serventia e tinham que ser jogados fora.

Isso acontecia nos séculos passados. A partir do fim do século XX e início do XXI o tal lixo passou a ter um outro nome: resíduos sólidos. E deixou de ser uma única coisa. São diversos tipos de resíduos diferentes. Resíduos Sólidos Domiciliares (RSD), por exemplo, são aqueles produzidos em nossas casas. Tem os Resíduos Sólidos da Saúde (RSS) que são os resíduos originários em clínicas, hospitais e farmácias. E esses resíduos são subdivididos em vários outros tipos. Temos mais uma série de outros resíduos com nome e sobrenome. Resíduos Sólidos de Mineração, de Construção Civil, Industriais, Embalagem de Agrotóxico etc etc... Mas por que isso?

Com o desenvolvimento da consciência ambiental da sociedade se percebeu que cada tipo de resíduo tem uma interação com a natureza de formas diferentes. Uns resíduos são perigosos. Outros são recicláveis. Outros são orgânicos. E vai por aí a fora. São muitos os tipos de resíduos e os perigos que eles representam para a natureza e para a saúde da população.

Por isso, foi construída toda uma legislação nacional tratando especificamente da gestão e gerenciamento dos Resíduos Sólidos. A Política Nacional dos Resíduos Sólidos (lei 12.305/2010), regulamentada pelo decreto 10.936/2022, a PNRS estabelece as diretrizes, responsabilidades, princípios e objetivos que norteiam os diferentes participantes na implementação da gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, sendo um dos grandes desafios à gestão ambiental urbana nos municípios brasileiros na atualidade. Este tema possui grande complexidade, apresenta interconectividade com diversas outras áreas, tais como processos de produção e consumo, comportamentos e hábitos da sociedade e se insere no amplo contexto do saneamento básico.

A legislação federal é espelhada pela legislação estadual que repete as diretrizes federais de acordo com as especificidades dos estados, podendo ser mais exigente, mas nunca menos do que a lei federal.

Mas a questão fundamental é que onde se produz, se coleta e se encaminha os diversos tipos de resíduos sólidos é no município. É no município onde o processo de gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos acontece. Ou não acontece nada.

Bastamos perceber que no Ministério do Meio Ambiente existe uma  instância executiva para organizar, analisar, legislar e cobrar as ações necessárias para que a Gestão dos Resíduos seja eficiente como preconiza a legislação.

No nível dos estados acontece a mesma coisa. E é no município onde devemos ter as instâncias executivas do poder público municipal para executar o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos e realizar assim a Política Nacional dos Resíduos Sólidos. Esta instância executiva municipal deve estar localizada na Secretaria do Meio Ambiente com profissionais especializados na questão ambiental, e particularmente na Gestão/gerenciamento dos Resíduos Sólidos.

E em Nova Friburgo isso simplesmente não existe. Há três mandatos que não existe gestão/gerenciamento dos resíduos sólidos municipais. A EBMA faz o que pode sem controle como concessionária. O poder concedente (Prefeitura de Nova Friburgo) não tem instâncias executivas e profissionais específicas para dar corpo à política nacional de resíduos sólidos.

Então perguntamos: Estamos fazendo um Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos para que? A empresa paulista Fipe, contratada pela Prefeitura de Nova Friburgo para fazer estudos e proposta de Plano Municipal de Gestão Integrada de Residuos Sólidos (PMGIRS) apresentou em audiência pública suas propostas. Muito criticada pela sociedade civil presente, seu estudo diagnóstico foi considerada incompleta e cheia de lacunas sérias pelo Grupo de Trabalho de Resíduos Sólidos da Uerj. Posição que foi ratificada pela Câmara Técnica de Meio Ambiente e Lixo Zero da Associação Comercial e Industrial de Nova Friburgo (Acianf).

Aliás a contratação da Fipe, de São Paulo, nos surpreendeu pois, entre 2013 e 2017 foi construído o Plano Municipal de Saneamento Básico (PLAMSAB) em Nova Friburgo realizado pela Coppe/UFRJ. Seu trabalho está perpetuado através do site. E dentre as quatro temáticas do PLAMSAB, uma delas é exatamente a questão dos Resíduos Sólidos e o PMGIRS. Lá existe todo um diagnóstico mais completo do que o que a Fipe nos apresentou.

Teria sido muito mais econômico trazer a Coppe/UFRJ para atualizar seus estudos e nos brindar com suas propostas de PMGIRS. Afinal a UFRJ está a três horas de automóvel de Nova Friburgo, e a Fipe teve que trazer seus técnicos de avião.

Mas, como não existe uma instância executiva na Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano Sustentável para a gestão/gerenciamento dos resíduos sólidos municipais,  a contratação da Fipe não teve nenhuma assessoria técnica especializada. Somente um advogado, que embora competente como um ilustre causídico, não dispõe de bagagem técnica ambiental e de resíduos sólidos para sequer fazer juízo de valor técnico da temática de resíduos sólidos.

Por isso a proposta de Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos está envolta em desconfianças e certezas de que, sem uma reorganização da Secretaria Municipal do Meio Ambiente para que possa ter as instâncias executivas para cuidar do conjunto de ações que cabe a uma secretaria de Meio Ambiente de um município localizado no coração da maior biodiversidade da Mata Atlântica fluminense e produtor importante de água para duas bacias hidrográficas importantes do RJ (Rio Macaé e Rio Grande/Dois Rios), este plano não sairá do papel e da gaveta.

Nesse momento a Secretaria de Meio Ambiente se dedica, quase que exclusivamente ao licenciamento ambiental. Gestão e Gerenciamento de Resíduos Sólidos, Gestão de Recursos Hídricos, Educação Ambiental, Gestão de Unidades de Conservação não existem na Secretaria de Meio Ambiente.

Imagine como seria bom termos uma secretaria de Meio Ambiente que soubesse quanto os quase 50% de fragmento florestais conservados no nosso município significam em termos de sequestro de carbono permanente num mundo que valoriza cada vez mais a descarbonização da atmosfera. A alienação ambiental do prefeito está nos deixando mal na fita do meio ambiente e perdendo oportunidades derivadas da emergência e urgência ambiental de ações proativas em áreas sensíveis, como é a nossa Mata Atlântica e suas águas.

*Fernando Cavalcanti é engenheiro ambiental e coordenador da Câmara Técnica de Meio Ambiente e Resíduos Sólidos da Acianf

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