Relato sobre ser mãe de uma criança com Down

sexta-feira, 20 de março de 2020
por Camila Emerick*
Relato sobre ser mãe de uma criança com Down

“Sou Camila, mãe do Bento. Simples assim! Nada de mãe especial, guerreira, heroína (odeio esses rótulos). Se esses rótulos fossem realmente bons, todos desejariam ter um filho atípico e não haveria tanto preconceito e exclusão. A diferença da minha maternidade para as outras é que o meu Bento nasceu com Síndrome de Down (SD), aquele acidente genético que traz um cromossomo extra.

Descobrimos que nosso filho poderia ter a Síndrome quando eu estava com 23 semanas de gestação. Foi um choque! Quis morrer, chorei muito e estava muito preocupada com o coração. Meu obstetra, Dr. Antônio Sérgio (um anjo), me encaminhou para Dra. Talita, outra pessoa abençoada, e realizamos um ecocardiograma fetal, no qual não havia nenhuma alteração. Seguimos, então, com a gravidez e o repouso absoluto que já estávamos. Tanto o pai (Antonio Carlos da Silva) quanto toda nossa família achavam que a minha preocupação era exagerada. 

Mas tem coisas que só uma mãe sente. Chegou, finalmente, o dia do nascimento. Um mês antes do previsto, Bento resolveu que já era hora de nos presentear com seu charme. E aí o sonho de uma mulher que sempre teve como objetivo de vida ser mãe levou um balde de água fria.

No corredor da Maternidade Pública da cidade, ainda na maca e anestesiada, ouvi da pediatra: Olha, o seu filho tem prega palmar única e orelhas menores; ele é Down, tá? Num corredor... Ela não me deixou pegar meu filho antes, amamentá-lo, conhecê-lo como meu Bento. Isso foi devastador. Meu mundo caiu, quis devolvê-lo (vai saber pra quem) e se pudesse teria saído correndo. No hospital, todo mundo entrava para olhar Bento, de rabo de olho, como se ele fosse um E.T. Os Profissionais da Saúde deveriam entender que a hora da notícia pode mudar uma história, mudar uma vida inteira.

Olá, meu nome é Bento

Para minha sorte, meu filho nasceu saudável e três dias depois estávamos em casa. E pude sumir daquele lugar. Fizemos um exame para comprovar o que já estava na cara. A aceitação foi muito difícil, porque todo mundo idealiza um filho e ele chega derrubando tudo aquilo. Se eu consigo manter-me de pé, foi porque tive uma família que me deu todo suporte e apoio. O pai do Bento sempre disse que - para ele - a Síndrome nunca seria um problema.

Num primeiro momento, não contei para todos da SD. Queria que conhecessem apenas o Bento sem nenhuma etiqueta colada na testa, pois a Síndrome é apenas um detalhe dentro de sua grandiosidade. E assim começamos a procura por profissionais, o que não é fácil. Deparamo-nos com pessoas despreparadas e se você não possui o mínimo de conhecimento isso pode atrapalhar o desenvolvimento da criança. Aí está a importância de políticas públicas que deem acesso a todas as terapias, a médicos especialistas e preparados, a uma boa alimentação, fatores que são essenciais.

Muitos me perguntaram o motivo do meu desespero, da minha angústia, da minha tristeza, já que eu dizia que o Down nunca foi um problema. O grande motivo, na verdade, é a sociedade despreparada, preconceituosa, a falta de apoio do poder público, os “amigos” que somem, o desprezo e a falta de empatia no local do trabalho. Como professora, se não me deixam fazer pelo meu filho, como vou ter cabeça para fazer pelos filhos dos outros? 

Desenvolvi uma profunda depressão, exatamente por entrar nessa briga sozinha... Uma briga que deveria ser de toda uma sociedade. Vivenciei um problema com uma médica, que se recusou a atender meu filho, dizendo que ele daria muito trabalho. E alguém se mobilizou? Não. Então, infelizmente, enquanto sociedade temos muito o que aprender e alcançar. 

Meu filho dá trabalho, com certeza. É fácil? Não! São terapias, médicos, exames, atividades de estimulação em casa, muita leitura, muitas ligações. Mas não trocaria meu filho por nada nesse mundo. Ele ser quem ele é, com os olhos amendoados e o sorriso encantador, faz meus dias mais felizes. 

Meu filho mudou a minha vida e a vida de uma família inteira para melhor. Ele é a luz na minha caminhada. Cada conquista é comemorada. Não há explicação para o que sinto por ele e com ele. O choro de emoção virou regra já. Hoje, sei o que é amor de verdade e precisei de cromossomos extras para entender isso. 

Você que é mãe e talvez esteja recebendo hoje esse diagnóstico, tenha força!  Quando o susto acabar, você verá que tem um filho maravilhoso ao seu lado, um filho que vai se desenvolver como qualquer outra criança; às vezes, vai precisar de mais tempo para aprender alguma coisa, mas o dia que ele aprender, a emoção será tamanha, e então você verá que a vida vale a pena. Síndrome de Down não é doença, é um acidente genético no qual alguns têm a honra de tropeçar.

 

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