Presentes na vida de todos, o uso abusivo da tecnologia pode trazer inúmeras consequências

Os limites do uso da tela devem fazer parte da vida de todos, tanto crianças, quanto dos adultos que convivem com ela
sexta-feira, 09 de setembro de 2022
por Christiane Coelho (Especial para A VOZ DA SERRA)
(Foto: Pexels)
(Foto: Pexels)

 As telas eletrônicas estão cada vez mais presentes nas vidas das pessoas. Celulares passaram a ser extensões das mãos, as telas dos computadores se tornaram salas de reuniões e ambientes de trabalho, tablets viraram babás das crianças. E tudo foi intensificado com a pandemia da Covid-19, quando, em isolamento, o convívio passou a ser online. Se antes, as crianças tinham limite de horário e de conteúdo para uso dos eletrônicos, com o isolamento social, isso se tornou impossível, pois até as salas de aula foram transferidas para as telas.

Com o retorno ao mundo presencial e o fim das restrições sanitárias, há a necessidade de uma reeducação em relação ao uso das telas e dos eletrônicos. Para a psicóloga clínica, Priscila Mengali, é importante não colocar as novas tecnologias num lugar demonizado, negativo, mas sim pensar sobre o uso que se faz delas. “Hoje a maioria de nós, adultos, está o tempo todo conectado, seja no momento de uma refeição, numa consulta médica, no trânsito... E as crianças veem isso tanto nos pais como em outras pessoas da família, na vizinhança, na escola, na rua e em qualquer outro ambiente que ela esteja. Estamos todos imersos nisso, seja por necessidade, seja por outras inúmeras razões. Então como fazer um uso adequado das telas para as crianças nesse contexto?”, questiona ela.

(Psicóloga clínica, Priscila Mengali)

Os limites do uso da tela devem fazer parte da vida de todos, tanto crianças, quanto dos adultos que convivem com ela. A professora, doula e educadora parental, Claudinha Aguiar, lembra que a Organização Mundial de Saúde (OMS) indica que bebês de até 2 anos não devem utilizar telas passivamente, ou seja, é indicado o uso apenas para chamadas de vídeo.

“Entre 3 e 5 anos a recomendação do órgão é para que o limite seja de uma hora ao dia, entre os 6 e 10 anos, uma hora e meia e a partir dos 11 anos que o limite sejam até duas horas por dia de uso das telas. Além do tempo, é necessário também nos atentarmos ao tipo de conteúdo que nossos filhos estão acessando e consumindo. Sabemos que o cérebro infantil funciona como um espelho e não é raro vermos nossas crianças reproduzindo atitudes e copiando trejeitos de personagens”, explicou ela.

(Professora, doula e educadora parental, Claudinha Aguiar)

Comprometimento da interação social

Priscila Megali enfatiza também que a criança precisa da relação com outro para se desenvolver, para se estruturar enquanto sujeito. Ela precisa circular pelos espaços, interagir com os outros, brincar. “Através das brincadeiras ela expressa as suas emoções, ela reproduz e elabora as suas vivências. E quando ela fica imersa o tempo todo na tela do celular/tablet não há interação, ela vira uma espectadora, e isso pode trazer consequências distintas em cada idade. Quando a interação com os outros é substituída pela interação com as telas, podem surgir dificuldades no desenvolvimento da criança, que podem ser confundidas com diagnósticos de algum transtorno do neurodesenvolvimento, por exemplo”, reitera a psicóloga.

Prazer e resposta imediatos

Pesquisas comprovam que as habilidades adquiridas no meio virtual não devem se estendem para a vida real. Uma criança que tenha boa desenvoltura em um jogo virtual não significa que tenha a mesma característica na vida real. As respostas da vida não são tão rápidas quanto as do Google. Qual mãe nunca pegou o celular e viu inúmeros “mãe, mãe, mãe” em menos de um minuto, em mensagens enviadas pelo filho? É isso que muitos esperam do dia a dia: resposta e prazer rápidos. 

“É válido ressaltar que quanto mais telas a criança utiliza, menos ela aprecia a vida fora das mesmas, porque o uso de telas libera a dopamina no cérebro infantil, substância química que também é ativada no uso de álcool e drogas e que dá sensação de prazer imediato. Esse prazer imediato não acontece nas atividades cotidianas, pelo contrário, a “recompensa” por nossos estudos, por exemplo, chega a longo prazo”, explica Claudinha Aguiar.

Existem várias possibilidades de atividades, distração e aprendizado que os pais podem desenvolver junto com as crianças, inclusive atividades envolvendo o uso de telas, mas não só dela. “Quando um pai, uma mãe, ou alguém que exerça essa função, se propõe a estar presente numa brincadeira, por exemplo, é importante estar disponível de fato e não estar ali apenas de corpo presente”, lembra a psicóloga Priscila Mengali.

Mas, não se pode esquecer de que há momentos e contextos em que o uso de telas se torna um aliado dos pais e um alívio para os pequenos. “Trago aqui um exemplo que vivenciei com meu filho em 2020. Ele fraturou o braço, fomos ao hospital, ele com muita dor, chorando e o médico ortopedista disse para ele que não “podia chorar porque homem não chora e chorar faz doer mais”. Eu, estudiosa das infâncias, consciente sobre o uso de eletrônicos e seus malefícios, defensora do livre brincar, tive que recorrer às telas para conseguir, diante de uma equipe totalmente desrespeitosa com meu filho, para conseguirmos colocar o gesso”, exemplifica a educadora parental, Claudinha.

Equilíbrio e limite

O segredo é o equilíbrio e o limite impostos tanto às crianças, já que a responsabilidade pelo tempo e pelo conteúdo do que elas consomem é dos pais, quanto aos adultos. A psicóloga Priscila Mengali lembra que os adultos também abusam do tempo nas telas e que isso pode gerar consequências neles. 

“Estamos cada vez mais preferindo conversar de forma online, estudar de forma online, trabalhar de forma online... Tudo que possa ser feito no “conforto” das nossas casas, e que possibilite fazer duas coisas ao mesmo tempo. Poderia aqui dar vários exemplos positivos e negativos disso, mas gostaria de dar este exemplo: a pessoa participa de um curso com a câmera fechada enquanto lava a louça do almoço. O que poderia servir para facilitar as nossas vidas se transforma em mais uma forma de se produzir mais, de fazer alguma coisa a mais. E, nesse contexto, é necessário refletir: em que momento nós realmente conseguiremos parar e olhar sinceramente para nós mesmos?”, questiona ela.

E, sobre os pequenos e as telas, a educadora parental complementa. “Aqui preciso elucidar duas coisas importantes: eu sou a favor do controle de conteúdo e do limite do tempo de uso de eletrônicos tanto quanto sou a favor que nossas crianças sejam respeitadas enquanto indivíduos em todos os ambientes na nossa sociedade, sem que famílias precisem controlar seus corpos brincantes, seu choro diante das emoções, sua alegria de viver para enquadrá-las em ambientes hostis à sua presença. A defesa da infância vem de famílias e profissionais se apoiando, construindo aldeias, trocando informações e enxergando cada criança como um indivíduo de direitos”, finalizou ela.

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