Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro do Fígado (Ibrafig) mostra que 55% da população brasileira tem o hábito de consumir bebidas alcoólicas, sendo que 17,2% delas declararam aumento do consumo durante a pandemia de Covid-19, associado a quadros de ansiedade graves por conta do isolamento social.
De acordo com o levantamento, uma em cada três pessoas no país consome álcool pelo menos uma vez na semana. O consumo abusivo de bebidas alcóolicas foi relatado por 18,8% dos brasileiros ouvidos na pesquisa. Os dados foram levantados com base na resposta de 1,9 mil pessoas, espalhadas pelas cinco regiões do país.
Já a Fiocruz, em conjunto com as universidades federais de Minas Gerais e Campinas, avaliou 44 mil brasileiros entre abril e maio de 2020, e apurou que 18% dos examinados relataram ter aumentado a ingestão de bebidas de teor alcoólico durante esse período.
Para o médico psiquiatra Arthur Guerra, professor e coordenador do Grupo de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da USP, “algumas pessoas relataram que não consumiam bebida alcoólica e começaram durante a pandemia, outras consumiam uma ou duas vezes por semana e passaram a beber em mais dias da semana. Também tem quem consumisse toda noite e passou a beber durante o dia também”.
Álcool não combate depressão
Um ponto que, talvez, explique essa mudança de padrão de consumo observada na pesquisa é o fator emocional. O mesmo estudo da Fiocruz apontou que 40% dos entrevistados se sentiu triste ou deprimido frequentemente e 54% relatou estar ansioso ou nervoso. A possibilidade do estresse estar ligado com o aumento do uso de álcool fica ainda mais evidente analisando que entre as pessoas que relataram se sentir tristes/deprimidas, o aumento da ingestão alcoólica foi de 24%, acima da média geral.
Perante esse cenário, Arthur Guerra alerta para o uso de bebida como uma espécie de remédio contra a tristeza. “O álcool não deve ser utilizado como uma substância de teor terapêutico, antes, durante ou depois da pandemia. A ansiedade, depressão, tristeza e agonia, que esse momento causa, não devem, jamais, ser combatidos com o alívio momentâneo que o álcool proporciona”.
No entanto, o psiquiatra salienta que o aumento relatado na pesquisa da Fiocruz não deve ser confundido com casos de alcoolismo. “Importante dizer que esses números não representam, necessariamente, episódios de alcoolismo, que seria a dependência alcoólica. Mas ainda merecem nossa atenção e preocupação”.
A angústia da pandemia explica também o motivo das faixas etárias mais jovens puxarem a média de consumo de bebidas para cima — a dianteira ficou para faixa entre 30 e 39 anos, onde 26% aumentaram seu uso, enquanto que apenas 11% idosos relataram aumento —, segundo a pesquisa, 70% dos jovens entre 18-29 anos responderam estar tristes durante a pandemia.
Outro possível fator motivador para o aumento do uso de bebidas nessa faixa etária foram os chamados shows virtuais. “Os jovens ficaram expostos às lives de cantores em redes sociais onde o consumo de bebidas era incentivado e realizado, inclusive com muitos artistas devidamente alcoolizados. Tudo isso deixava o jovem extremamente vulnerável ao uso excessivo de álcool em casa, que costuma ser mais nocivo do que socialmente”, ressaltou Arthur Guerra.
O uso nocivo do álcool
O álcool, substância psicoativa com propriedades que causam dependência, tem sido amplamente utilizado em muitas culturas durante os séculos. Seu uso nocivo tem um grande peso na carga de doenças, além de um ônus social e econômico para todos.
Ele afeta as pessoas e as sociedades de muitas formas e seus efeitos são determinados pelo volume consumido, pelos padrões de consumo e, em raras ocasiões, pela qualidade. Também resulta em danos a outras pessoas, como membros da família, amigos, colegas de trabalho ou estranhos, transformando-se em um fardo significativo em termos sociais, econômicos e de saúde.
Seu consumo é um fator causal em mais de 200 doenças e lesões. Está associado ao risco de desenvolvimento de problemas como distúrbios mentais e comportamentais, incluindo dependência, doenças não transmissíveis graves, como cirrose hepática, alguns tipos de câncer e doenças cardiovasculares, bem como lesões resultantes de violência e acidentes de trânsito.
Uma proporção significativa da carga de doenças atribuíveis à bebida decorre de lesões intencionais e não intencionais, incluindo aquelas causadas por acidentes de trânsito, violência e suicídios, além das lesões fatais que tendem a ocorrer em grupos relativamente mais jovens.
As relações causais mais recentes são aquelas entre o uso nocivo de álcool e a incidência de doenças infecciosas, como a tuberculose e o HIV/Aids. O consumo por mulheres grávidas pode causar síndrome fetal do álcool e complicações no parto prematuro.
Consumo e danos
Diversos fatores foram identificados em nível de indivíduos e de sociedade, que afetam os padrões de consumo de álcool e a magnitude dos problemas nas populações. Os fatores ambientais incluem desenvolvimento econômico, cultura, disponibilidade de álcool, além da abrangência e dos níveis de implementação e execução das políticas sobre álcool. Embora não exista um único fator de risco que seja dominante, quanto mais vulnerabilidades uma pessoa tiver, maior a probabilidade de desenvolver problemas como resultado de seu consumo.
O contexto do consumo de álcool desempenha um papel importante na ocorrência de danos relacionados,
particularmente associados aos efeitos da intoxicação alcoólica na saúde e, em raras ocasiões, também a qualidade do álcool consumido: pode ter um impacto não só sobre a incidência de doenças, lesões e outras condições de saúde, mas também sobre o curso dos distúrbios e seus efeitos.
Existem diferenças de gênero relacionadas ao álcool na mortalidade, na morbidade, assim como nos níveis e padrões de consumo de álcool. A porcentagem de mortes atribuíveis ao álcool entre os homens é de 7,7% (mortes globais) em comparação com 2,6% de todas as mortes entre mulheres.
O consumo total de álcool per capita em 2010, em litros de puro álcool, entre os consumidores masculinos e femininos em todo o mundo foi, em média, de 19,4 litros para os homens e 7 litros para as mulheres. Confira outros números:
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Em todo o mundo, 3 milhões de mortes por ano resultam do uso nocivo, representando 5,3% de todas as mortes.
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Em geral, 5,1% da carga mundial de doenças e lesões são atribuídas ao consumo de álcool, conforme calculado em termos de Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade (Daly, sigla em inglês).
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Na faixa etária de 20 a 39 anos, aproximadamente 13,5% do total de mortes são atribuíveis ao álcool.
Responsabilidade e políticas públicas
Os países têm a responsabilidade de formular, implementar, monitorar e avaliar as políticas públicas para reduzir o uso nocivo do álcool. Existe um conhecimento científico substancial para orientar os desenvolvedores de política pública sobre a eficácia e o custo-efetividade de estratégias, como: regular a comercialização de bebidas alcoólicas e restringir a disponibilidade de álcool; promulgar políticas adequadas de condução sob os efeitos do álcool; reduzir a demanda por meio de mecanismos de tributação e preços; fornecer tratamento acessível para pessoas com transtornos relacionados ao uso de álcool; e implementar em serviços de saúde programas de identificação e intervenção breve para o consumo perigoso e nocivo de álcool.
(Fonte: https://www.paho.org/pt/topicos/alcool / OPAS-OMS)
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