No ano em que é comemorado o 50º Dia da Terra, ainda temos um longo caminho a percorrer, entretanto com motivos para admirar a natureza e renovar nossas esperanças. Depois de um 2019 e início de 2020 de muita degradação ambiental como as queimadas na Amazônia e Austrália, a preocupação com a nossa relação com o meio ambiente está mais em voga do que nunca. Ou pelo menos deveria estar. A atual situação de pandemia mundial nos permitindo observar, em tempo real, a estrondosa resiliência que vem da natureza. Temos essa chance única de aprender lições importantes e trilharmos um caminho mais sustentável daqui pra frente.
Desde que passamos a nos locomover menos e, consequentemente, consumir menos, a natureza pôde se expandir e retomar parte do que lhe é essencial. Através de incontáveis notícias que chegam de todos os cantos do mundo, testemunhamos como a natureza reage quando os seres humanos se retiram de cena, mesmo que momentaneamente. A diminuição recorde da poluição atmosférica e sonora em todas as grandes cidades e capitais é palpável para qualquer cidadão e trará benefícios de curto prazo para a saúde com a redução de casos de asma, doenças de pulmão e do coração, além da melhora na qualidade do sono.
Como não respirar mais fundo sabendo que o ar na China está mais limpo? Como não se emocionar ao contemplar a magnitude do Himalaia visto a 200 quilômetros de distância de Punjab, na Índia, após três décadas escondido sob o véu da poluição? Como não se imaginar navegando pelos canais de Veneza, agora tão transparentes, inodoros e cheios de vida marinha? Como ignorar os pássaros que cantam novamente acima dos ruídos das cidades? É para renovar a esperança de qualquer um!
No curto espaço de tempo que nos ausentamos do mundo lá fora, foi possível ver com nossos próprios olhos a capacidade de regeneração da biodiversidade que nos cerca e nos nutre. A saúde do meio ambiente depende de nós e vice e versa. Somos parte de um sistema vivo que inclui desde vírus e bactérias até árvores e grandes mamíferos e, por isso, estamos todos intrinsecamente conectados. Qualquer intervenção no sistema gera consequências para o todo. E se tem uma coisa que nós, Homo sapiens, conseguimos desenvolver foi a habilidade de transformar o ambiente que vivemos e intervir bastante no sistema. Inclusive geólogos chamam a era geológica que vivemos de Antropoceno devido a todas as modificações físicas causadas pela atividade humana.
Após quase três séculos de uma economia baseada em combustíveis fósseis e crescimento econômico medido por consumo per capita, agora somos apresentados com as melhores chances de vivermos coletivamente de forma mais sustentável e harmônica com a natureza. Não sobreviveremos a um meio ambiente desequilibrado e já exigimos demais da mãe natureza. Quando avançamos drasticamente as fronteiras com o meio ambiente e degradamos todos os nossos ecossistemas, nos deparamos, por exemplo, com perda de habitats e zoonoses, como a SARS-CoV 2. A origem da pandemia que estamos vivendo é reflexo da nossa incapacidade de coexistir de uma maneira respeitável com as outras espécies que dividem esse planeta conosco. Mas a boa notícia é que a humanidade e o planeta podem se curar.
Somos animais sociais e nossa identidade pessoal e coletiva está ligada aos valores que decidimos ser importante para nós, no presente e no futuro. Precisamos ser resilientes frente às atuais mudanças em nosso dia a dia e encontrar formas mais respeitosas de conviver uns com os outros e a natureza. Estamos tendo a chance de resgatar o senso de comunidade e cooperação há muito perdido enquanto estávamos distraídos pela disputa por bens materiais, não percebendo que somos apenas piões numa economia que visa o crescimento constante e, por definição, é insustentável.
O que podemos tirar de lição dessa experiência inédita pela qual a humanidade passa? Queremos voltar ao normal, que inclui como objetivo principal o lucro acima de tudo e todos? Ou usaremos esse momento e tudo o que temos a nosso favor como a ciência, as lições do passado e nosso senso de cooperação inato, para evitarmos o declínio da nossa civilização? Proponho aproveitar o silêncio lá fora para nos silenciarmos um pouco por dentro, inicialmente procurando respostas que sejam benéficas a nossa comunidade imediata, mas que a longo prazo possam funcionar para todo o sistema que sustenta a nossa existência na Terra.
O que já podemos efetivamente fazer é comprar alimentos da época, preferencialmente de produtores locais; diminuir o consumo em geral, mas principalmente de produtos a base de petróleo; e passar menos tempo trabalhando e mais tempo com as nossas famílias, amigos e comunidade. A natureza está nos dando uma chance de parar, refletir e reavaliar nossas escolhas e o mínimo que podemos fazer é aceitar esse convite.
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