Entre uma e outra pandemia

Da gripe espanhola à Covid-19
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021
por Jornal A Voz da Serra
Entre uma e outra pandemia

A gripe espanhola não é conhecida como a mãe de todas as pandemias por acaso. No mundo, estima-se que a doença tenha matado mais de 50 milhões de pessoas. No Brasil, os números mais confiáveis da época vêm do Rio de Janeiro, a então capital da República, onde foram contabilizados cerca de 15 mil óbitos entre os meses de setembro e novembro de 1918. 

"Era rápida e matava em poucos dias. Há notícias de famílias inteiras que morriam em casa e só eram descobertas por vizinhos que notavam a falta de movimento", relata a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, professora da Universidade de São Paulo e da Universidade Princeton, nos Estados Unidos.

Num momento em que os recursos e o conhecimento científico sobre os vírus ainda eram escassos, o governo brasileiro demorou para tomar as primeiras medidas e patinou até conseguir coordenar as ações e criar políticas efetivas contra a "espanhola", como a doença era conhecida no período.

A bordo do Demerara

Os primeiros relatos da nova doença se espalhava pela Europa e por aqui eram  encarados com ceticismo e humor. Jornais e revistas faziam piadas com a ameaça. Em um dos artigos, os autores disseram, em tom de pilhéria, que o vírus era invenção dos alemães para ganhar a Primeira Guerra Mundial, que naquele ano de 1918 se encaminhava para o fim:

"Em nossa opinião a misteriosa moléstia foi fabricada na Alemanha, carregada de virulência pelos sabichões teutônicos, engarrafada e depois distribuída pelos submarinos que se encarregam de espalhar as garrafas perto das costas dos países aliados, de maneira que, levadas pelas ondas para as praias, as garrafas apanhadas por gente inocente espalhem o terrível morbus por todo o universo, desta maneira obrigando os neutros a permanecerem neutros".

Em setembro daquele ano, a doença chegou oficialmente ao país no navio Demerara, que partiu de Lisboa, e fez paradas nos portos de Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Em cada uma dessas cidades, o desembarque de pessoas infectadas fez o vírus se espalhar país adentro, causando um estrago sem precedentes.

Ações instantâneas

Ao receber os novos relatos, a primeira coisa que o governo brasileiro fez foi negar a gravidade dos fatos. Poucos dias depois, porém, a realidade se impôs: nas últimas semanas de setembro de 1918, começaram a ser tomadas medidas preventivas.

"Quando a pandemia estourou, as autoridades sanitárias recomendaram que as pessoas se mantivessem em casa e evitassem os locais públicos. Houve decretos para extinguir práticas bastante comuns no período, como o hábito de cuspir na rua", destacou a historiadora Daiane Rossi, pós-doutoranda pela Fiocruz.

As políticas restritivas, porém, não foram aceitas por parte da imprensa e, por consequência, pela população. Uma revista reclamou da "ameaça da medicina oficial e da ditadura científica" e sugeria que as políticas feriam "os direitos dos cidadãos com uma série de medidas coercitivas, preparando todas as armas da tirania científica contra as liberdades dos povos civis".

Semelhanças e coincidências

Uma das noções mais equivocadas em relação à gripe espanhola (e que também se aplica à covid-19) é a de que a pandemia foi "democrática" e atingiu todas as classes sociais de maneira igual.

"O desenvolvimento das pandemias de 1918 e 2020 é semelhante. As duas chegaram ao país por meio dos ricos, que viajaram ao exterior, voltaram de navio ou avião e tinham condições de buscar algum tratamento. Mas quem morreu aos montes foi a população mais pobre, que vivia nos morros e nas periferias", destacou Schwarcz.

Outro ponto que aproxima os dois momentos históricos é a procura desenfreada por tratamentos milagrosos, sem validação científica.

Em 1918, uma das maiores promessas contra a "espanhola" era o sal de quinino, um tratamento usado contra malária e dores nas articulações. Era vendido em algumas farmácias como um "santo remédio", apesar da falta de evidências de sua eficácia.

Na década de 1930, o sal de quinino foi substituído no tratamento da malária por uma outra molécula: a cloroquina (ou hidroxicloroquina). Ainda hoje defendida por alguns como ‘tratamento precoce’ contra a covid-19, a despeito das contraindicações de entidades como a Organização Mundial da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e a Sociedade Brasileira de Infectologia.

(Fonte: BBC News Brasil)

 

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