Artistas friburguenses criticam precariedade dos teatros e morosidade para reformas

AVS reúne mais uma vez os depoimentos de artistas locais sobre o fechamento do Centro de Arte, Casarão de Riograndina e Teatro Municipal Laercio Ventura
sexta-feira, 14 de outubro de 2022
por Christiane Coelho (Especial para A VOZ DA SERRA)
(Fotos: Henrique Pinheiro)
(Fotos: Henrique Pinheiro)

De portas fechadas! Assim estão vários equipamentos de cultura de Nova Friburgo, e não é de hoje. Na semana em que se comemorou o Dia do Teatro Municipal (última terça-feira, 11), A VOZ DA SERRA reúne mais uma vez os depoimentos de artistas locais sobre o fechamento do Centro de Arte, Casarão de Riograndina e Teatro Municipal Laercio Ventura e a incerteza sobre o retorno das atividades nesses espaços. Depois de tantas reportagens e promessas de licitações, de início de reformas e de restaurações, essa deveria ser uma publicação especial mostrando a inauguração das obras, mas, infelizmente, não trataremos aqui nem sequer sobre o início delas. 

Enquanto isso, os equipamentos vão se deteriorando cada dia mais. “O sentimento é muito ruim, porque o artista não precisa desses espaços só economicamente, mas também emocionalmente. É no palco que nos realizamos”, desabafa o músico Jorge Eyer.

Para o diretor e ator, Lincoln Vargas, o principal dano à sociedade, não é o fato do artista da cidade e de fora não ter onde se apresentar. “O pior é que não estamos formando plateia. Crianças e jovens não estão indo ao teatro. Uma geração inteira privada de uma arte que sensibiliza, entretém e ensina. Um dano irreparável e incalculável para a cultura e educação de Nova Friburgo”, enfatiza ele.

A atriz e diretora de teatro, Daniela Santi, alerta que o município está abandonado culturalmente. “Criam-se pequenos eventos, que satisfazem alguns que recebem cachê, como se isso fosse ter uma "Política Cultural". O abandono de espaços de cultura e casarões históricos, a falta de iniciativas que criem bases seguras para o futuro da cultura, como leis de incentivo, planos municipais que sejam colocados em prática e continuidade de editais e chamadas públicas para contratação de atividades artísticas e que possam oferecer qualidade à população demonstram que a cultura não é valorizada na nossa cidade”, enumera Daniela.

Centro de Artes: 11 anos com as cortinas fechadas

A novela sobre a reforma do Centro de Artes, na Praça Getúlio Vargas,  parece não ter fim.  O espaço está fechado há 11 anos, desde que foi atingido severamente pela enchente em janeiro de 2011. Naquela ocasião, o espaço foi totalmente tomado e destruído pela lama. E, nunca mais suas cortinas se abriram para espetáculos teatrais, musicais, exposições e tantas outras manifestações artísticas que lá eram realizadas. 

Viúvos de seu eterno parceiro, os artistas promoveram protestos durante todos esses longos quase 12 anos de silêncio. Governos se sucederam e muitas promessas, também. “Em setembro de 2020, exaustos que estávamos de tanta espera, iniciamos o Movimento Volta Centro de Arte. A adesão nas redes sociais e presencialmente, foi grande. Foi convocada uma reunião online e os artistas puderam tomar ciência de que no projeto de reforma, o "novo" teatro, teria 47 cadeiras, um número pequeno de espectadores, que  impactaria as produções locais, inviabilizando as atividades”, explicou Daniela Santi. Mesmo com a discordância da classe artística a licitação foi publicada no Diário Oficial do município.

Novo projeto para o Centro de Arte parado

Com a mudança de governo em 2021, foi criada uma comissão legalmente constituída, com representantes da classe artística, poder público e Fundação Dom João VI, que é responsável pelo prédio onde está o Centro de Arte, para elaboração de um novo projeto, que contemplasse mais lugares, oferecendo a segurança necessária e exigida pelo Corpo de Bombeiros, e acompanhamento de todo o processo. “Um novo projeto foi apresentado, contemplando 73 cadeiras, mais duas especiais. O projeto foi levado diversas vezes ao Corpo de Bombeiros. Entre idas e vindas para ajustes, finalmente, em dezembro de 2021, recebemos a notícia de que estava aprovado”, relatou Daniela.

Mas, a empresa licitada em 2020 não faria mais a obra, por alegações orçamentárias, então seria publicada nova chamada, para a licitação. “Em fevereiro de 2022, foi a última notícia que tivemos. Em reunião com um dos nossos representantes, a presidência da Fundação D.João VI, afirmou que houve um "esquecimento" ou " distração", na observância da aprovação do novo projeto por parte do Corpo de Bombeiros, e havia uma exigência de aumento o tamanho das portas, mas um prédio tombado pelo Isntituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) não pode ter a fachada alterada. Desde então, não se ouviu mais uma colocação oficial quanto a essa situação. A nossa comissão não tem mais valor”, lamenta a atriz e diretora.

O que diz a prefeitura 

Procurada, a Prefeitura de Nova Friburgo informou através de nota que “o projeto (de reforma do Centro de Arte) que foi aprovado pelo Corpo de Bombeiros continha um erro na aprovação, o que não permitiu que a prefeitura desse continuidade aos trâmites burocráticos para licitação. Quando o erro foi detectado pelas equipes técnicas da Secretaria de Cultura e da Fundação D. João VI, o Corpo de Bombeiros foi informado, mas a permissão já havia sido revogada e o processo teve de voltar ao início. Agora está sendo apresentado um novo projeto com as alterações dos erros contidos no processo anterior. Com isso, acredita-se que o Corpo de Bombeiros dará uma resposta rapidamente. Após isso, será lançada a licitação. Cabe esclarecer ainda que a autorização do Corpo de Bombeiros é integral, ou seja, de todo o casarão. Não é possível aprovar apenas o Centro de Arte porque a obra será dividida em quatro etapas - e o Centro de Arte é apenas uma dessas etapas. A primeira etapa será na parte funcional do casarão, no primeiro andar. Em seguida, a segunda etapa é justamente o Centro de Arte.”

Teatro Municipal Interditado

Durante o isolamento causado pela pandemia da Covid-19, o Teatro Municipal Laercio Ventura, na Praça do Suspiro, ainda foi usado pelo governo e entidades para alguns eventos particulares e empresariais, inclusive a posse do atual prefeito, Johnny Maycon, mas nada relacionado à cultura. O equipamento, que nunca passou por uma reforma desde a sua inauguração em 2008, já estava visivelmente deteriorado pelo uso e ação do tempo. 

Em junho do ano passado, a prefeitura fez uma licitação para reforma do teatro, com verba de R$ 427 mil indicada por um deputado federal. O projeto previa o restauro do telhado, fachada, troca de mármores e vidros quebrados, pintura de modo geral, restauração do piso do palco, entre outras intervenções.

Mas, a primeira parcela do convênio, cerca de R$ 80 mil, só foi liberada no final de abril e a empresa vencedora optou, por não iniciar a obra e rescindiu o contrato. Com tanta demora e burocracia, o espaço, que ainda podia ser usado, agora está interditado pela Defesa Civil. “Os aparelhos já não funcionam, partes do telhado caindo, fachada sem manutenção. Nada é feito, apenas promessas e prazos sempre adiados. Estamos orfãos de locais para apresentações teatrais”, lamenta Daniela Santi.

Em nota, a prefeitura informou que reconhece que o teatro está com uma série de problemas estruturais, em especial no telhado e disse também que “para sanar o problema, está sendo feito um termo de cooperação junto à Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (Emop-RJ). A expectativa é de que as obras de recuperação do teatro sejam iniciadas até o início de janeiro de 2023, com previsão de duração de cinco a seis meses e entrega até a metade do ano que vem.”

Conselho Municipal de Cultura sem eleição

Com capacidade para 564 pessoas sentadas, o Teatro Municipal Laercio Ventura é o maior de toda a região. Já foi palco de grandes espetáculos nacionais e internacionais. O fechamento desses equipamentos causa prejuízos maiores do que se pode imaginar à classe artística. Parte da bilheteria do Centro de Arte e do Teatro Municipal é a única fonte de financiamento do Fundo Municipal de Cultura, que tem o objetivo de financiar ações de fomento à cultura na cidade 

“Hoje está parado. Há uma verba lá, que não pode ser mexida, porque estamos sem Conselho Municipal de Cultura, desde abril, quando extinguiu meu mandato. E a verba do Fundo só pode ser usada com aval do Conselho Municipal, que hoje, encontra-se em vacância”, explica o músico Jorge Eyer.

Compete à prefeitura a realização da eleição para os membros do Conselho Municipal de Cultura. “O mandato do conselho acabou em abril. Estou desde outubro em conversa com a Secretaria de Cultura para eleição e nada foi feito”, relatou o músico.

A prefeitura informou em nota, que a Secretaria Municipal de Cultura recebeu os artistas que procuraram a pasta e todos  foram ouvidos e respondidos. Recentemente, inclusive, a Secretaria de Cultura se reuniu com o ex-presidente do Conselho Municipal de Cultura, Jorge Eyer, que está ciente de tudo que tem acontecido no que tange a essas questões. 

A Secretaria Municipal de Cultura reforça que está aberta a qualquer tipo de questionamento, desde que os artistas se dirijam à Secretaria, considerando que atualmente o Conselho Municipal de Cultura está inativo. “A prefeitura, inclusive, está se organizando para que uma nova eleição do Conselho ocorra até dezembro deste ano, sanando também este problema”, informa a nota. 

Distrito de Riograndina sem o seu casarão

Além dos dois ícones culturais abandonados no centro da cidade, há um outro que encontra-se da mesma forma, em Riograndina: o casarão da antiga estação ferroviária. Usado como Ponto de Cultura, o espaço abrigou diversos cursos, como teatro, panificação, aula de percussão, artesanato, desenho, teatro, violão e cavaquinho. Hoje, o Casarão de Riograndina está de portas fechadas, e encontra-se igualmente interditado pela Defesa Civil, há dois anos.

Em nota, a prefeitura informou que “a Fundação D. João VI fez, de forma paliativa, o escoramento do imóvel e a substituição de parte do telhado por uma telha mais leve, que eliminou os maiores vazamentos e infiltrações. Paralelo a isso, está sendo finalizada uma lista com uma série de itens indicados pelo Inepac após vistoria feita junto à Fundação. Com a conclusão da lista, a expectativa é de que na próxima semana o processo seja protocolado no Inepac e, saindo a aprovação, será iniciado o processo de licitação para reforma do imóvel.”

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