De onde vem a expressão "uma cachaça pro santo"?

A relação entre cachaça e religiosidade gerou diversas práticas e rituais relacionadas à bebida, assim como apelidos “santificados”, como urina-de-santo, água-benta, entre outros
sexta-feira, 13 de setembro de 2024
por Jornal A Voz da Serra
(Foto: Freepik)
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Dar uma dose para o santo tem origem em rituais de oferendas religiosas. O mais conhecido é esse: despeja-se o primeiro gole da bebida no chão e logo em seguida diz-se “uma cachaça pro santo”. Segundo a cultura popular, oferece-se a cachaça para o santo em busca de proteção. Mas, se pensarmos nos santos católicos, a tradição parece um tanto quanto contraditória. Mas, não, pois uma das origens da expressão e do ritual tem influência direta dos colonizadores portugueses e jesuítas.

Desde quando santo gosta de cachaça? Parece contraditório, mas não é: a expressão tem tudo a ver com a religião e com a história do Brasil
O costume de derramar bebida no chão, antes de beber, é uma prática muito mais antiga que o próprio Brasil. O gesto nasceu de um ritual chamado Libação, que, segundo o jornalista Edson Borges, autor de uma vasta pesquisa sobre a relação entre a cachaça e as religiões, foi criado por gregos e romanos “e consistia em uma oferenda aos deuses para que eles provessem os lares de felicidade, harmonia e fartura”.

Já no Brasil, a prática foi trazida pelos colonizadores portugueses e jesuítas, e foi incorporada durante o consumo de aguardente de cana-de-açúcar pelos escravos para combater o frio nos canaviais durante o inverno e até mesmo como estimulante ou remédio aos negros improdutivos ou doentes. 

Borges explica que “com essa imposição de consumo da cachaça pelos negros, os portugueses também impuseram São Benedito, filho de um escravo, como padroeiro da aguardente, fazendo nascer daí uma relação bem mais ampla dos negros com o santo siciliano, a ponto de surgirem irmandades na Bahia”. 

A partir daí, a cachaça passou a ser usada, também, em oferendas nas religiões com matrizes africanas, como, por exemplo, o Candomblé, com a mesma finalidade da Libação: um pedido de proteção aos orixás.

Ainda falando dos cultos de raízes africanas, existe a relação da cachaça e a figura do orixá Onilé. 

A expressão “oni” significa senhor no idioma iorubá, praticado na África do Sul. Já expressão “ilé” significa terra. Dessa forma, Onié é popularmente conhecido como “o Senhor da Terra”. E como forma de pedir libertação e proteção em troca de oferendas, derrama-se uma dose de cachaça na terra para agradar o “Santo”.

A relação entre cachaça e religiosidade gerou também outras diversas práticas e rituais relacionadas à bebida, assim como apelidos “santificados”, como a-do-diabo, urina-de-santo, água-benta, entre muitos outros.     Em pouco mais de 400 anos, a cachaça assumiu diversos sinônimos e apelidos carinhosos dados pelo criativo povo brasileiro. Algumas dessas palavras foram criadas com o propósito de enganar a fiscalização da metrópole portuguesa nos tempos em que as branquinhas e as amarelinhas eram proibidas nessas terras coloniais.

Muitos sinônimos de cachaça se perderam com o tempo, mas ainda sim estão registrados em dicionários, de A a Z, e livros, mais de 700 palavras para se referir ao destilado nacional. Eis alguns deles: abre-bondade, abre-coração, bafo-de-tigre, bagaceira, baronesa, bataclã, caiana, danada, dengosa, doidinha, dona-branca, engasga-gato, espanta-moleque, fogosa, forra-peito, garapa-doida, gororoba, iaiá-me-sacode, jurupinga, lágrima-de-virgem, levanta-velho, marvada, mé, omim-fum-fum, pau-de-urubu, parati, purinha, quebra-goela, saideira, santa-branca, tome-juízo, urina-de-santo, veneno, xarope-dos-bebos, zuninga. 

 

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