As complexidades da volta à escola pós-pandemia

Entrevista com a psicopedagoga Inahiara Venancio
sexta-feira, 02 de setembro de 2022
por Ana Borges (ana.borges@avozdaserra.com.br)
 Inahiara Venancio
Inahiara Venancio

De acordo com a psicopedagoga Inahiara Venancio, professora de Séries Iniciais e diretora adjunta da E.M.Bernardo Pacheco, retornar às salas de aula em 2022, praticamente com todos os alunos — salvos aqueles que apresentavam algum tipo de comorbidade que os impedia do retorno imediato — não era o mesmo voltar pós férias escolares de 2019 ou Carnaval de 2020. 

“Foi um recomeço diferente. Não somente para fazer um período de acolhimento, adaptação, sondagens e seguir em frente com as habilidades e competências que deveriam ser trabalhadas para cada ano escolar, mas um período de mais estudo, análise, ponderações, preparo emocional e físico, e muito planejamento das ações adequadas para um retorno tão esperado”, disse a professora. Confira o tema a seguir:

Caderno Z: Como foi esse retorno?

Inah Menezes: Todos nós sabíamos que não seria fácil. De um lado, educadores inseguros em voltar sem saber como encontrariam a unidade escolar, sem conhecer o perfil das famílias e alunos matriculados, sem saber sequer se todos os amigos estariam no retorno, visto as perdas de colegas do trabalho diante da pandemia. Do outro, famílias também inseguras, enlutadas, desestruturadas e preocupadas em retornarem ao trabalho para manterem seus compromissos financeiros.

Uma pesquisa divulgada pela Unicef em abril deste ano, apontou que a faixa etária correspondente ao ensino fundamental 1 foi a mais afetada pela exclusão escolar durante a pandemia. O que tem a dizer sobre isso?

A realidade encontrada foi: alunos que saíram em março de 2020 cursando a Educação Infantil e retornam para o Ensino Fundamental, sem o desenvolvimento psicomotor e socioemocional trabalhados com excelência na pré-escola; alunos que haviam iniciado o processo de letramento e alfabetização, e não tiveram o acesso adequado às aulas remotas, retornaram para um ano escolar onde se depararam com as primeiras avalições escritas. 

Como foi lidar com uma situação tão complexa? 

A princípio nos vimos diante de questões como sanar defasagens, recomeçar, correr contra o tempo. Mas, na verdade, não era recomeçar, pois quando recomeçamos trazemos na bagagem algo que já conhecemos, já trabalhamos, experiências já vividas. Agora, era começar, ir em busca de experiências novas, adequar o que fosse possível, manter o foco e a calma, acreditar em si e no professor Mário Sérgio Cortella quando nos incentiva a fazer o nosso melhor nas condições que temos e assim seguir…

O que você observou nos primeiros dias da volta das crianças?

Elas foram voltando aos poucos, umas tímidas, outras assustadas e mais sensíveis, algumas com saudades dessa rotina que era então uma vaga lembrança. Foi um momento de acolhimento aos alunos e seus familiares. O ambiente escolar e todos os profissionais precisaram demonstrar que ali seria um ambiente seguro e acolhedor. Conhecer, ouvir, conversar e brincar para a partir daí realizar uma avaliação diagnóstica e sabermos de onde partir nesse processo de ensino-aprendizagem. 

E como foi dar início a um ano letivo atípico, como tem sido ensinar nesse contexto?

As aulas não são mais apenas momentos de ensinar e aprender conteúdos e conquistar os objetivos do ano escolar. Elas se tornaram momentos de experiências, momentos em que o lúdico se fazia necessário assim como um currículo adaptado, voltado para as lacunas deixadas pela pandemia. Sendo assim, o proposto nas redes pública e privada foi uma grande busca pela construção de um currículo adequado às necessidades dos alunos, coerente com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e o projeto político pedagógico de cada escola, além de uma prática responsável e atenta dos profissionais envolvidos. 

Segundo dados de 2019, o Brasil tinha em média 57% dos alunos do 5° ano do fundamental 1 com conhecimentos adequados em língua portuguesa. O ensino fundamental 1 público vinha melhorando constantemente seus indicadores de ensino — e embora estivesse aquém do ideal, vinha superando as metas oficiais de desempenho na grande maioria dos estados brasileiros. Qual a situação atual?

Não é novidade que muitos alunos, principalmente da rede pública, não tiveram acesso às ferramentas tecnológicas para darem continuidade aos estudos. Como também, alguns precisaram mudar de bairro ou cidade de acordo com as necessidades de trabalho e moradia de seus responsáveis, e outros ainda evadiram. Diante disso tudo, o momento no ambiente escolar precisou ser reorganizado, uma busca ativa aos alunos se tornou constante, os materiais passaram a ser selecionados com mais atenção ainda e o planejamento das aulas precisou equilibrar a conquista das competências e habilidades com dinamismo, visando fazer uma ponte entre as defasagens encontradas, aprimoramento do que se recordava e seguir a diante com o que foi proposto nesse currículo adaptado.

Resumindo, qual a sua avaliação desse momento no ambiente escolar?

As defasagens não serão sanadas de forma tão rápida. É preciso muita busca pelo conhecimento, empenho e investimentos dos nossos governantes, acesso tecnológico, diálogo e a conscientização de todos os envolvidos no processo educacional para que não retrocedamos de maneira tão fatídica naquilo que estávamos, aos poucos, conquistando.

 

Publicidade
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Publicidade
Publicidade
Publicidade

Apoie o jornalismo de qualidade

Há 79 anos A VOZ DA SERRA se dedica a buscar e entregar a seus leitores informações atualizadas e confiáveis, ajudando a escrever, dia após dia, a história de Nova Friburgo e região. Por sua alta credibilidade, incansável modernização e independência editorial, A VOZ DA SERRA consagrou-se como incontestável fonte de consulta para historiadores e pesquisadores do cotidiano de nossa cidade, tornando-se referência de jornalismo no interior fluminense, um dos veículos mais respeitados da Região Serrana e líder de mercado.

Assinando A VOZ DA SERRA, você não apenas tem acesso a conteúdo de qualidade, mantendo-se bem informado através de nossas páginas, site e mídias sociais, como ajuda a construir e dar continuidade a essa história.

Assine A Voz da Serra

TAGS: