Uma final de Copa Rio entre Pérolas Negras, consagrado campeão, e Maricá. Com outro agravante: eliminando os tradicionais Americano e Madureira nas semifinais. Os novos tempos do futebol brasileiro, verificados, por exemplo, com as quedas de Botafogo, Vasco, Cruzeiro e ascensão de um Bragantino, começam a chegar ao interior do Rio de Janeiro.
“Não existe apenas o bom trabalho, mas hoje há a necessidade do suporte financeiro. Claro que o trabalho também é importante. Na Copa Rio, o Friburguense e a maioria dos clubes abriram mão de manter parte do elenco. Você pode jogar dois jogos e investir por três meses. Se a gente renovasse, gastaríamos mais de R$ 390 mil e poderíamos ser eliminados do mesmo jeito, como aconteceu contra o América. O Americano e o América optaram por manter a equipe e não chegaram. O prejuízo é muito grande”, explica o gerente de futebol do Friburguense, José Siqueira, o Siqueirinha.
A camisa, a história e tudo o que foi construído ao longo de décadas começa a ficar em segundo plano, em detrimento à capacidade de investimento e estrutura. No caso dos dois finalistas, por exemplo, a capacidade de manutenção dos elencos, mesmo sem um calendário extenso, é um dos diferenciais.
“O que dá um diferencial e sustentação a esses clubes é a capacidade de manter o plantel, independente de ter um calendário ou não de competições. Não dá para ter um bom trabalho, de médio prazo, sem um suporte financeiro por 12 meses, dois ou três anos. As coisas estão difíceis não apenas pela questão da pandemia, mas a partir de um processo que começou em 2008, com a mudança de calendário, passou por 2016 com a situação envolvendo Flamengo e Federação. Um exemplo são os jogadores que foram para o Pérolas Negras e preferiram permanecer por lá por conta, não só do bom trabalho, mas pela possibilidade de ganhar praticamente o dobro durante um ano inteiro. Aqui são quatro meses. Um exemplo é o Cris, da base, titular esse ano. Ele tem contrato até o final do ano, e se não encontramos um time para emprestá-lo, nós o perdemos. Não há como mantê-lo em atividade, recebendo dentro do que o mercado oferece”, explica.
O momento de mudança exige mais do que projetos. Ter um bom aporte financeiro, parcerias e um apoio mais uniforme são caminhos que podem ser percorridos. “Eu acompanho o Pérolas Negras para o qual emprestamos alguns jogadores. Lá tem uma condição diferente e o Luiz Felipe, Magrão e o Dedé, por exemplo, passaram por lá. Lá existe uma programação diferente. O Maricá tem o apoio da prefeitura, num projeto muito parecido com a da Chapecoense, envolvendo prefeitura e recursos previstos em leis de incentivos fiscais”, pontua Siqueira.
Envolver a cidade pode ser uma aposta para o Friburguense, e para tanto, o clube deve apostar numa mudança estratégica de divulgação das atividades. Os resultados do futebol profissional continuarão, obviamente, sendo pautas prontas, mas o Tricolor da Serra pretende mostrar todo o contexto do trabalho desenvolvido ao longo desses anos no Eduardo Guinle.
“O Friburguense é muito mais que o futebol profissional. Há todo um envolvimento da questão social, de realmente socializar o trabalho ligado às categorias de base. Envolvemos jovens de 11 a 20 anos, fora as escolinhas para crianças a partir dos 7 anos. Então, às vezes as pessoas condicionam tudo, a qualidade do trabalho, ao resultado do profissional. Teremos que promover uma mudança total de mentalidade, de forma de pensar da cidade. Em 22 campeonatos nos mantemos em 18 numa primeira divisão do Rio, quatro na segunda e sendo campeão em duas dessas edições”, lembra.
“Isso acostumou as pessoas a verem o Friburguense sempre na primeira divisão e apenas como futebol profissional. É um grande erro de gestão, claro que não mostrar e envolver a cidade em todo o trabalho que fazemos com os garotos, figura-se como um erro. Já viajamos para o exterior e disputamos vários campeonatos da Taça São Paulo, quando o calendário permitia. É muito envolvimento que não divulgamos, porque os resultados do profissional se destacaram”, completa o dirigente.
O objetivo de voltar a jogar a primeira divisão do futebol do Rio de Janeiro continua vivo, bem como voltar a figurar, num futuro próximo, entre os times com calendário no futebol nacional. Siqueira acredita que, demonstrando o trabalho feito e a importância do clube para a comunidade, a adesão dos friburguenses poderá representar uma força a mais também para a manutenção das atividades sociais.
“Pode acontecer de voltarmos à primeira divisão, recebermos novamente os times grandes aqui. Mas o envolvimento é bem mais amplo, e o trabalho começa com o garoto de 7 anos de idade. Aqui nós oferecemos uma série de oportunidades para essas crianças, não só no esporte, como também trabalhamos a saúde, disciplina e formação do ser humano. O caminho é por aí, por melhor que façamos um sócio torcedor e venda uma determinada de série de receitas, precisamos mostrar que o Friburguense é muito mais do que o futebol profissional”, observa Siqueirinha.
Outro detalhe a ser trabalhado pelo Friburguense, segundo o gerente de futebol, é mostrar que o Tricolor da Serra pode ser um atalho para objetivos maiores dos atletas. A facilidade oferecida pelo mercado nem sempre é o melhor caminho na busca pelo profissionalismo.
“Esse time da Série A2 foi totalmente diferente de 2020, que era outro em relação a 2019. Estamos sempre sendo observados por empresários e clubes, e a mudança de plantel acontece por falta de um calendário. O João, que fez gol na Copa Rio, não tinha 16 anos. Ele está no Flamengo em observação até o final do ano e pode permanecer por lá. Outro detalhe é que ele é friburguense. Somos muito questionados sobre não aproveitar jogadores daqui, mas muitas vezes as pessoas vão diretamente ao Flamengo e outros clubes. O João é um garoto que acreditou, e quem acompanha o nosso trabalho de perto, sabe da qualidade”, completa Siqueirinha.
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