Prefeito silencia críticas em suas redes sociais

A exclusão de seguidores e comentários por agentes públicos de redes sociais viola e muito a simbologia necessária ao diálogo
quinta-feira, 09 de maio de 2024
por Lucas Barros*
Prefeito silencia críticas em suas redes sociais

Considerando a liberdade de diálogo e de expressão, dentre o rol de escolhas que nos cabe, há a possibilidade de não darmos mais a mínima atenção a conversas que pretendam travar conosco. Podemos nos retirar de ambientes que nos desagradem, de nos contrapor e até o de revidar para se defender. Também possuímos o direito de deixar de lado uma conversa quando sofremos ataques daqueles com quem dialogamos. Podemos inclusive expulsar alguém da nossa casa ou das nossas redes sociais caso se comportem de forma equivalente. Essas situações ocorrem no dia-a-dia, seja em ambientes reais ou virtuais.

Apesar de nem sempre parecer um ato educado ou maduro, podemos expulsar de nossa casa e até excluir de nossas redes sociais, na verdade, quem desejamos, sem sequer conjecturar explicação. As redes sociais, apesar do nome, não deixam de representar um espaço de intimidade, extensão do nosso próprio ser e de nosso espaço de convívio.

Entretanto, a problemática não tem a mesma simplicidade quando consideramos contas de redes sociais administradas por agentes públicos eleitos. Suas contas, apesar de pessoais, são usadas como um portal de comunicação oficial, com um ar de institucionalidade e representando, simbolicamente, algo além do espaço de intimidade do seu administrador.

Comentários negativos apagados e limitados

Depois de realizar uma postagem sobre uma visita realizada no bairro Cordoeira no feriado de 1º de maio, seguidores passaram a reclamar em suas redes sociais que foram censurados na página oficial do Instagram do prefeito, candidato à reeleição, Johnny Maycon. Em entrevista a esta coluna, Matheus Marlisson, cientista político e reconhecido por sua atuação global, e outras pessoas levantaram preocupações na postagem sobre a qualidade da governança local em Nova Friburgo, tendo os seus comentários apagados e limitados na publicação.

O cientista político e internacionalista friburguense formado pela Universidade de Columbia, se manifestou em relação ao grave desrespeito à liberdade de expressão perpetrado pelo prefeito e revela que os bloqueios de comentários demonstram um claro desrespeito a democracia e ao debate pela opinião pública local, que já é constante: "Conversei com várias outras pessoas que disseram ter passado pela mesma situação, o que torna evidente que não se trata de uma prática isolada, mas sim intencional por parte do prefeito e de sua assessoria. Foram críticas legítimas sobre o Colégio Municipal Padre Rafael, sem janelas e em estado deplorável, o ginásio do bairro, com crateras elevadas e perigosas, além da creche e do posto de saúde, ambos em condições igualmente lamentáveis. Fui censurado como cidadão."

Por fim, Marlisson destacou a importância de instituições como a Câmara Municipal e o Ministério Público investigarem rigorosamente as ações do prefeito e garantirem o respeito aos princípios democráticos. Afinal a democracia é um direito de todos os cidadãos, e que qualquer tentativa de miná-la deve ser combatida.

Não pegou nada legal

As redes sociais não têm todas a mesma natureza e são diferentes em propostas e objetivos. Uma conta comercial, por exemplo, é diversa tanto social, como econômica e juridicamente de uma conta pessoal. Uma conta privada fechada nas redes sociais é diferente de uma conta aberta.

Pelos mesmos motivos, uma conta aberta administrada por um agente público, na qual ele realiza debates de natureza pública e utiliza a sua página pessoal como portal oficial de comunicação dos atos e feitos do seu mandado (como é o caso), tem suas peculiaridades e responsabilidades diferentes de uma conta normal.

A exclusão de seguidores e comentários por agentes públicos de redes sociais viola e muito a simbologia necessária ao diálogo. Se esse agente público é ainda agente político e possui mandato popular, viola ainda preceitos democráticos relacionados à pluralidade, à tolerância e às fases do debate.

Quando falamos de democracia não falamos apenas da manifestação de opinião, mas manifestação de opinião sujeita à contraposição, numa amplitude do diálogo. Se as redes sociais são usadas como um portal oficial de comunicação para os atos, devem estar abertas tanto aos elogios como às críticas.

Manifestar-se é um direito constitucional

O entendimento da ministra Carmem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), é que contas oficiais são proibidas de bloquear pessoas/comentários. De acordo com a ministra, a aparente informalidade das plataformas digitais não tira o caráter oficial das manifestações proferidas por gestores públicos: “O bloqueio de um cidadão e seu afastamento do debate público decorrente de exercício de crítica, ainda que impertinente ou caricata, constitui ato de autoridade pública, adquirindo, nesse contexto, viés censório, inadmissível no ordenamento constitucional vigente".

O §2º do artigo 220 da Constituição frisa que é "vedada qualquer censura de natureza política, ideológica e artística". Além de indelicado, não pode um gestor público optar por apagar os comentários com críticas – deixando apenas os de elogio - ou mesmo pensar em bloquear seguidores com opiniões críticas ao seu mandado.

O entendimento do ex-ministro do STF é de que não cabe ao gestor público do Executivo avocar o seu papel de “censor” de mídias sociais, determinando o que é apropriado que apareça em suas redes sociais e o que não é adequado quando são críticas devidamente fundamentadas dentro de um respeito e razoabilidade.

Se o agente político não se considerar capaz de dialogar, que não mantenha o perfil na plataforma, ou que o mantenha de forma fechada para uso pessoal. A exclusão de comentários de usuários de rede social por agente político, detentor de mandato, é a exclusão da voz de um governo para o povo.

A coluna apurou que até a publicação deste texto, os comentários encontravam-se limitados na postagem feita pelo prefeito.

*Lucas Barros é colunista no Jornal A Voz da Serra

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