Os genes não determinam completamente nosso destino

Nossa idade real é a biológica, não a que está em nossa certidão
sexta-feira, 30 de agosto de 2024
por Jornal A Voz da Serra
(Foto: Freepik)
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O geneticista molecular Mariano Zalis — chefe do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da UFRJ — diz que a compreensão do DNA vai além da detecção de riscos de saúde, “pois os genes não determinam completamente nosso destino”. 

Apenas 1% das doenças são hereditárias, o resto é pela forma que vivemos”, diz o professor
Ele estuda a epigenética, que investiga como os genes podem ser ativados ou desativados sem alterar a sequência do DNA. Segundo Zalis, é possível influenciar nossos genes e nos reinventar, mesmo após os 60 anos.

O modo de vida molda a expressão genética, impactando a saúde e o envelhecimento. Estudos destacam a importância de hábitos saudáveis na regulação genética, enquanto eventos dramáticos deixam marcas genéticas duradouras. 

Estudos recentes têm revelado que dietas baseadas em vegetais podem reduzir a idade biológica das pessoas. Como o estilo de vida influencia mecanismos tão complexos, como a regulação genética?

Genes não são donos do nosso destino. Eles não se controlam por si próprios. Quem controla é o meio ambiente, isto é, a forma como vivemos, tudo o que está a nossa volta, os acontecimentos ao longo de nossa vida, nossos hábitos. E nisso nosso cérebro cumpre papel fundamental.

Por quê?

Porque nossas células não enxergam o meio ambiente, quem vê é o cérebro. Tudo o que sentimos passa por ele. O cérebro transforma sensação em informação e isso vai para as células.

E os genes?

Os genes são regulados a partir de reações à informação do meio ambiente. Apenas cerca de 1% das doenças são hereditárias, determinadas exclusivamente por um componente genético. E mesmo assim, o efeito é limitado. Somente cerca de 10% dos casos de câncer de mama e colorretal são de origem hereditária. Ainda assim, apresentar uma mutação nos genes BRCA 1 ou 2, por exemplo, não é certeza de câncer de mama. A maioria das doenças está relacionada às interações do nosso corpo com o mundo a nossa volta.

Coisas boas ajudam?

Sim. Bons hábitos, levar a vida de forma positiva realmente ajuda.

E o estresse?

O estresse de qualquer tipo ao longo da vida é fator de doença. Isso inclui alimentação e maus hábitos. Hoje vemos pessoas jovens com tipos de câncer que antes só surgiam após a meia-idade. O fumo e a má alimentação têm um peso negativo imenso sobre a regulação dos genes. Já o exercício promove grande impacto positivo.

E o papel da genética?

Claro que ela tem peso. Mas não é determinante para a imensa maioria das doenças e também para a forma como envelhecemos. Gêmeos univitelinos compartilham o genoma, mas expressam cargas genéticas diferentes e envelhecem de forma distinta, porque os genes são regulados e respondem aos estímulos que recebemos ao longo da vida.

E quando começa a influência sobre o genoma?

Nascemos com uma herança genética, mas ela vai sendo moldada por fatores externos desde a gestação. Quando ocorre a fecundação, a carga genética transmitida pelo pai e a mãe pode ser boa ou ruim, dependendo das experiências deles. Porém, o corpo tem um mecanismo de reset, de limpeza epigenética, que apaga essa carga epigenética. Isso acontece para que uma nova vida possa começar e trilhar seu próprio caminho. Talvez uma pessoa mais saudável ou mais feliz.

Todas as marcas que herdamos são apagadas?

Não. Existem marcas muito fortes deixadas por acontecimentos dramáticos, como guerras, fome, desastres, a pandemia, que não só não são apagadas em algumas pessoas, quanto ainda poderiam ser transmitidas, de alguma forma, para as gerações seguintes. Há estudos que sugerem isso.

Que tipo de estudo?

Por exemplo, sobre o Holocausto, que é muito bem documentado. Em Israel há estudos com três gerações de sobreviventes e seus descendentes. E essas pesquisas detectaram uma frequência significativa de, por exemplo, distúrbios metabólicos nos filhos e netos de sobreviventes dos campos de concentração nazistas. Também de distúrbios psicológicos, como claustrofobia. Estudos na Holanda, com descendentes das pessoas que sofreram com a fome na infância causada pelos bloqueios de alimentos na Segunda Guerra, tiveram resultado semelhante. É perturbador. Eu mesmo descendo de sobreviventes do Holocausto.

Como essas marcas genéticas funcionam?

O cerne é um mecanismo genético chamado metilação. Em linhas gerais, a metilação é a sintonia fina, que regula onde, quando, a velocidade e a intensidade com que um gene se expressa.

Qual o papel da epigenética nesse estudo?

A epigenética não se baseia no estudo do genoma em si. Mas sim na forma como os genes se comportam. Temos muito mais características do que genes e a metilação é fundamental para isso. A visão clássica de que um gene é a receita de uma proteína é apenas um modelo teórico muito simplificado. A vida real se expressa de forma complexa e a metilação é o agente dessa diversidade. É ela que faz que genes importantes para o coração se expressem nele e não em outras partes do corpo, por exemplo.

Por isso tantas doenças e o envelhecimento têm sido associados à epigenética?

Sim. A forma como envelhecemos está ligada ao metabolismo, ao colágeno e a uma série de outros fatores. 

Então, os centenários teriam um bom epigenoma…

De certa forma, sim, eles sempre existiram ao longo da História. E existem de fato pessoas que têm naturalmente uma espécie de blindagem genética, estes continuam a ser poucos.

Qual a diferença? 

Mudanças ambientais, como mais acesso a alimentos de qualidade, à água potável e aos avanços da medicina, como antibióticos e vacinas. Não existe um gene do envelhecimento ou da longevidade. O ambiente é fundamental. Muita gente se ilude com artifícios, mas nosso corpo não pode ser enganado.

Como assim?

Não adianta encher o rosto de botox e outros procedimentos se o corpo está ruim por dentro. A pessoa continuará a envelhecer depressa, por mais que tente disfarçar. 

O que fazer?

A ladainha da boa alimentação e dos exercícios é verdadeira. O estresse é um fator ainda mais difícil de controlar porque não é voluntário. Por isso, tentar levar a vida de uma forma mais positiva é importante. Terapia, ioga, meditação, tudo isso ajuda. Podemos influenciar nossos genes e nos reinventar, mesmo depois dos 60 anos. Nossa vida é finita, mas pode ser melhor.

Mas existem pessoas que parecem muito mais jovens ou velhas do que outras. Por quê?

Há pessoas que têm um relógio biológico mais acelerado, mas a forma como vivemos também ajuda a acertar os ponteiros. Nossa idade real é a biológica, não a que está em nossa certidão.

E as crianças?

As crianças deveriam comer mais alimentos que ajudam a prevenir a formação de radicais metil, que interferem negativamente na metilação. Uma alimentação rica em peixes, grãos, vegetais, é importante. Atividade física é outro ponto fundamental.

(Fonte: O Globo/*Por Ana Lucia Azevedo)

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