Segundo estatística divulgada no ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), mulheres no mercado de trabalho chegam a ganhar um terço do salário pago aos homens que desempenham a mesma função.
Com quase dez anos no Ministério Público do Trabalho (MPT), o procurador do Trabalho, coordenador da Procuradoria do Trabalho em Nova Friburgo, Jefferson Rodrigues, fala sobre o que representa o 8 de março (Dia Internacional da Mulher), o trabalho da mulher, a legislação do país e os desafios postos ao MPT na atuação contra a discriminação de gênero.
AVS: Qual a relação entre o dia 8 dia março e o trabalho da mulher?
Jefferson Rodrigues: Muitos historiadores correlacionam o Dia Internacional da Mulher ao acidente de trabalho ocorrido em 1911 em uma fábrica de tecidos em Nova York que vitimou aproximadamente 125 trabalhadoras. Diversas eram as reclamações. Extensas jornadas, discriminação salarial, péssimas condições de trabalho e, inclusive, o trancamento dos portões da fábrica durante o expediente o que aliás foi fator crucial para a quantidade de mortes em razão do incêndio ocorrido no estabelecimento. Pouco tempo depois, na Europa, os movimentos sociais organizados, com projeção internacional, em homenagem inclusive às operárias norte-americanas mortas e às lutas das mulheres por direitos, reivindicaram o 8 de março como um símbolo contra a opressão e a desigualdade. Portanto, o 8 de março está umbilicalmente ligado à relação de trabalho e, especialmente, às lutas das mulheres pela conquista de um espaço social que lhe é de direito.
E como, hoje, no Brasil, se dá essa desigualdade?
A estrutura patriarcal brasileira, claramente machista, ainda é presente em nosso cotidiano. É só entrar em uma loja de brinquedos e perguntar o que o vendedor indicaria para você comprar de presente para uma criança do sexo feminino. E essa carga cultural, evidentemente, impacta no ambiente de trabalho. O mercado de trabalho reflete como um espelho a desigualdade de gênero presente em nossa sociedade.
Mas a legislação trabalhista avançou na defesa da mulher?
O fato social precede ao direito. O direito, portanto, vem para regular e às vezes equilibrar uma realidade desigual. Em um primeiro momento no país há uma clara preocupação do direito laboral com o acesso da mulher ao mercado de trabalho e em compensar as distinções físicas entre homens e mulheres. Mais à frente, o legislador concentra-se em combater a discriminação e outras formas de violência social.
Quais exemplos podem ser citados?
Diversos. Discriminações ilegais em anúncios de emprego, na seleção, na promoção no trabalho, na fixação remuneratória, quanto à gravidez, além de tutelas contra o assédio moral e sexual, pois embora esses últimos não se dirijam somente à mulher, a realidade brasileira nos mostra que são investidas que têm como vítimas especialmente as mulheres. O grande marco normativo dos direitos sociais e a impulsionar a igualdade de gênero advém sem dúvida com o advento da Constituição Federal de 1988.
A Reforma Trabalhista vai nesse sentido?
O avanço histórico não é linear e as alterações promovidas no Direito do Trabalho de 2017 para cá trazem retrocessos. O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de decidir na ADI 5983 quanto à inconstitucionalidade de dispositivo da Reforma Trabalhista que abusivamente permitia a submissão da grávida ao trabalho em atividade insalubre. No ano passado revogou-se dispositivo da CLT (a Consolidação das Leis Trabalhistas) que concedia direito a um intervalo de 15 minutos às mulheres antes das horas extras. Portanto, a resposta é negativa. O retrocesso é evidente, com nítida precarização das relações de trabalho, o que atinge em cheio as mulheres. E essas alterações advém muitas das vezes sem um adequado debate, como é o caso atualmente da Medida Provisória 905 que a pretexto de criar o contrato de trabalho verde e amarelo, altera diversos dispositivos da CLT.
Como o MPT atua na tutela da mulher no mercado de trabalho?
O MPT tem uma preocupação central quanto à promoção da igualdade de gênero e para além disso uma atuação forte na defesa da intimidade e contra a discriminação da mulher no mercado ou ambiente de trabalho. Existe, no MPT, inclusive, uma Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho que é um órgão técnico, definidor de estratégias e de coordenação da atuação. Em Nova Friburgo, estamos aptos a receber e doravante investigar, por intermédio de inquéritos civis, as notícias de discriminação contra a mulher nas relações de trabalho. Para além disso, implementaremos este ano uma atividade que envolve palestras sobre o assédio moral no ambiente de trabalho, o que trará clareza às trabalhadoras eventualmente atingidas. É importante, contudo, que a sociedade esteja sempre em movimento contra essa realidade cultural discriminatória. O 8 de março, mas do que uma data, representa um símbolo do desejo de mudança. E mudar a realidade pressupõe que estejamos vigilantes e dispostos a não só conquistar direitos, senão também a efetivá-los em nosso cotidiano.
As denúncias de assédio moral, sexual, revistas íntimas e discriminações das mulheres no mercado ou ambiente do trabalho podem ser feitas pessoalmente na Procuradoria do Trabalho em Nova Friburgo, na Rua Ernesto Brasílio, 30, cobertura, ou pelo telefone (22) 2522-5031 ou ainda em formulário próprio no site do MPT.
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