Mulheres buscam novas formas de trabalhar e ter renda

Durante a pandemia, elas provam capacidade de inovar e recomeçar no mercado de trabalho, mesmo que tenham que dar um passo atrás, voltando para dentro de suas casas e empreendendo neste ambiente
sábado, 01 de maio de 2021
por Christiane Coelho (Especial para A VOZ DA SERRA)

Nova Friburgo é uma cidade com forte cultura de empreendedorismo feminino. O Polo de Moda Íntima, por exemplo, começou com as mulheres, que demitidas em massa da Fábrica Filó, receberam como indenização máquinas de costura e passaram a produzir moda íntima em suas casas, começando do zero. Com a pandemia da Covid-19, muitas mulheres de Nova Friburgo se viram novamente nesse lugar, demitidas e tendo que começar do zero novamente. “Nova  Friburgo, no entanto,  tem uma característica diferente das outras cidades. A maioria dos microempreendedores Individuais (MEIs) abertos é da área de produção de roupas ou de moda intima. Isso já era uma tendência e, claro, se acentuou mais com demissões das confecções durante a pandemia”, explica a gerente do Escritório Regional Serrana I do Sebrae RJ, Fernanda Gripp.

De acordo com a Receita Federal, de março de 2020 a março deste ano, foram registrados 2.538 novos cadastros de MEI em Nova Friburgo. Fernanda Gripp explica que muitos desses novos empreendedores se enquadram na classe denominada empreendedorismo por necessidade, em que a motivação para gerar algum negócio é a demissão do emprego formal. “Nesses casos, muito empreendem com o que já tem afinidade, com o que já sabem fazer”, esclarece ela.

(Fernanda Gripp)

Foi o caso da costureira Claysimar Veiga Barroso, que foi demitida da confecção onde trabalhava, no início da pandemia. Ela, que tem um filho de 10 anos, e já tinha a vontade de trabalhar em casa para ficar mais próxima do menino, aproveitou a situação para começar a trabalhar com facção. “Eu tinha esse desejo, mas muito medo de não conseguir bons clientes de facção. Tem muitos que não cumprem o combinado e não pagam. Como sou sozinha com meu filho, ficava insegura” disse a costureira, que agora pode dar mais atenção ao filho.

Claysimar costura para uma única cliente desde o início. O volume de trabalho é enorme, mas ela diz estar muito satisfeita. “Para conseguir fazer um salário com facção tem que ter disposição para trabalhar muito. Está dando para pagar as contas, suprir alimentação. Mas, o fato de ficar com meu filho em casa, sabendo que ele está sendo bem cuidado e não precisar procurar outro emprego, que está bem difícil,  já me dá um alívio”, disse ela.

(Claysimar Veiga)

O desemprego como motivador para realizar sonhos

Mas, também há as mulheres que veem a demissão como um motivador para colocar em prática sonhos antigos. Foi o que aconteceu com a costureira Sandra Angélica da Silva. Ela foi demitida de uma confecção em maio de 2020 e abriu uma loja online de roupas femininas, a Club Store. “Me vi desempregada e com necessidade de gerar renda. Mas já tinha o sonho de empreender e ter o próprio negócio. Foi aí que surgiu a ideia de, finalmente, montar uma loja. Com essa pandemia muita gente teve que se reinventar. Eu estava na minha zona de conforto. Não tenho outra profissão, sempre costurei. Mas quando veio o desemprego, vi a oportunidade de fazer outra coisa, de sair do setor de costura”, explicou ela.

Os desafios de empreender são grandes. Sandra disse que assim que abriu a loja, as vendas superaram as expectativas. Mas, como em todo o setor de comércio, nesses primeiros meses de 2021, teve uma queda nos negócios. “Temos que ser persistentes e ter muito controle. Vejo que essa crise está atingindo a todos, mas tenho fé de que isso vai passar”, disse ela, que procurou a Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Nova Friburgo (Acianf), para se inscrever no MEI. “Saí de lá super feliz porque agora a minha loja tem um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) e estou assegurada pela Previdência Social também”, revelou ela.

(Sandra Angélica)

A gerente do Sebrae explica que Sandra tomou a decisão correta ao se inscrever no MEI. “É muito importante o processo de legalização para que a mulher tenha todos os seus benefícios assegurados e o MEI é uma forma de registro muito simples. “Não tem encargos tributários que dificultem o funcionamento da empresa e o empreendedor vai ter o direito à Previdência Social”, esclarece Fernanda. Quem é microempreendedor Individual tem os mesmos direitos previdenciários de um trabalhador formal, como licença maternidade, auxílio doença e aposentadoria. “Além disso, também poderá abrir conta bancaria em nome da empresa, emitir nota fiscal e ter máquina de cartão de crédito. Tudo isso facilita e amplia o mercado dessas empreendedoras”, explica Fernanda.

Quando o complemento se torna renda principal

Uma das características das mulheres é ser multitarefas. Várias delas trabalham fora e se dedicam a outras atividades, principalmente manuais. Começam fazendo para os próprios filhos e família, passam a ser complemento da renda principal e, num momento de necessidade, como o desemprego, se transformam em fonte de renda principal para elas. E assim, entram no mundo do empreendedorismo.

A professora Lívia Queiroz lecionou durante 16 anos. E, nos últimos oito anos, ficou à frente da coordenação da escola em que trabalhava. Com o nascimento do terceiro filho, passou a trabalhar meio período e viu que precisava fazer algo para complementar a renda. Assim, nasceu a Alegra Personalizados, que trabalha com papelaria criativa. No ano passado, com o início da pandemia, viu que precisava ter mais renda e, além da papelaria personalizada, começou a  produzir pijamas e biquinis. 

“O que era uma renda extra se transformou na principal fonte. Ficando em casa, com três crianças, as despesas aumentaram muito. E aí, mais uma vez, tive que me reinventar para dar conta da demanda. Agora, além da papelaria personalizada, também estou com a costura criativa”, disse ela.

Para ela, o maior desafio foi entrar no mercado, que é muito competitivo, e conquistar clientes. “Mesmo usando ferramentas como Instagram e WhatsApp, com certeza, eu vejo que o que mais deu certo para mim, foi o boca a boca, a indicação. E, trabalhando com amor e excelência, as coisas vão acontecendo e fluindo. Não importa se é uma encomenda de R$ 20 ou de R$ 500, faço com a mesma qualidade e carinho”, explica ela.

O convívio com os filhos também foi um dos motivadores para Lívia empreender. “Nesse período, em que as escolas estão fechadas há mais de um ano, não tem como sair para trabalhar e deixar três crianças em casa, sendo que uma delas está em fase de alfabetização e precisa da minha presença. Então, para mim, está sendo fundamental empreender, em todos os sentidos”, disse ela.

(Lívia Queiroz)

O doce que traz renda e equilíbrio

Entre as mulheres que se reinventam e começaram um novo negócio, também há as que já se aposentaram e, nesse momento de pandemia, se viram dentro de casa, sem poder fazer suas atividades, sem poder conviver com amigos e família e encontraram no empreendedorismo, além de uma renda extra, um alento para o emocional, abalado com toda essa situação. 

Maria de Fátima Magliano Jaccoud sempre teve uma vida muito ativa. Mesmo aposentada continuou trabalhando na área de eventos coorporativos, em que atua há 30 anos, no Rio de Janeiro. No início da pandemia, estava em Nova Friburgo, sua cidade Natal, há seis meses, devido à morte da mãe, mas pretendia voltar para o Rio. “Com a pandemia, o setor de eventos parou totalmente. Com a insegurança em relação à Covid-19, não consegui voltar para o Rio e me vi aqui, aposentada e parada. Isso mexeu demais com meu emocional”, desabafa ela.

Antes da Páscoa, Maria de Fátima lembrou das trufas de chocolate que fazia em 1995 e resolveu resgatar a receita. Começou a fazer e divulgar para os amigos. “Totalmente artesanais, sem conservantes e aditivos e com sabor único, as trufas estão fazendo sucesso. Fiz mais de duas mil na Páscoa”, alegra-se ela, que produz os doces em casa.

Agora, ela está começando a estruturar o marketing das trufas, com criação de logomarca e das redes sociais. ”Financeiramente, nem se compara aos eventos, mas é uma ajuda. O maior ganho é o emocional, é estar em movimento, em criação, em produção. Foi um caminho eu encontrei para sobreviver emocionalmente a esse momento e ajudar na parte financeira”, revela ela.

(Maria de Fátima Magliano)

Fermentando a economia e os laços familiares

De acordo com  estudos feitos pelo Sebrae, uma das causas para a entrada feminina no empreendedorismo, além da motivação financeira, é a execução de uma atividade que lhes traga satisfação pessoal. Outro fator importante seria ligado a máxima de fazer a diferença e trazer o novo a um mercado. Além da confecção, outro setor que tem grande inscrição no MEI, em Nova Friburgo, é o de alimentação. E, em sua maioria, mulheres, que já tinham o gosto e a facilidade para preparar pratos, bolos e pães, e transformaram em profissão. 

A padeira Lucila Fraga do Mares Guia sempre gostou de fazer pães, um hábito herdado da mãe. Começou fazendo para o consumo familiar e para presentear amigos. Até que desenvolveu o seu próprio fermento natural e viu nele a oportunidade de iniciar um novo negócio. “Criei meu fermento e o alimento há cinco anos. Assim nasceu o Pão do Riacho”, explica ela.

Lucila trabalhava com fotografia, mesma profissão que o marido também divide com o trabalho na minipadaria que montaram em casa. “Trabalhar em casa acontece muito naturalmente e tem um fator positivo que é nos aproximar dos filhos, do cotidiano deles e a nossa rotina acaba ficando uma coisa mais orgânica. Eu gosto e tenho prazer nesse novo dia a dia”, revela ela.

O pão feito pela família de Lucila tem o processo totalmente artesanal e ela vende para várias cidades do Estado. “Temos previsão de aumentar nossa produção muito suavemente. O crescimento é delicado e o processo tem que ser lento para sermos fiéis aos processo tradicional do nosso pão, que é totalmente artesanal, com pão 100% de fermentação natural”, finaliza ela.

(Lucila Fraga)

A importância e o caminho das pedras para legalização

O microempreendedor individual (MEI) é um empreendedor que inicia sozinho um pequeno negócio. A atividade desburocratiza e inclui empreendedores na economia formal, porém determina que o profissional tenha um rendimento fixo anual para se manter dentro da modalidade. Com a criação da categoria, criada pelo Governo Federal, uma série de profissionais puderam se formalizar e ter acesso a inúmeros benefícios, como aposentadoria, licença-maternidade, financiamentos etc.

Na Acianf é possível realizar a abertura do MEI (formalização), alteração cadastral, dispensa de alvará, baixa do MEI, cadastramento em plataformas de emissão de nota fiscal eletrônica e também a emissão de notas fiscais. A Acianf também presta outros serviços direcionados ao microempreendedor individual, como impressão de DAS (Documento de Arrecadação do Simples Nacional), parcelamento de débitos, declaração anual e cópias extras. O atendimento presencial na Acianf é prestado das 10h às 18h, de segunda a sexta-feira. A entidade fica na Avenida Alberto Braune, 111 - sobrado, no Centro.

Mais informações no site da Acianf ou telefone (22) 2522-1145

 Dados do Sebrae 

O Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) fez um estudo sobre o perfil do empreendedorismo feminino, com análise de micro dados do IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Abaixo alguns números e curiosidades apontadas pelo estudo:

- No terceiro trimestre de 2020, havia 8,6 milhões de mulheres donas de negócios no Brasil, sendo que 43% delas estão no Sudeste do país. O estudo fez apontamentos da diferença entre homens e mulheres donos de negócios, demonstrando que as mulheres: têm maior grau de escolaridade - 29% têm nível superior, 39% nível médio; são mais jovens -  53% têm até 44 anos; ganham menos - 61% ganham até um salário mìnimo; trabalham mais sozinhas (conta própria); trabalham menos horas no negócio - 59% trabalham menos de 40 horas por semana.

 Segundo o IBGE, mulheres dedicam 10,4 horas por semana a mais que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas. Elas estão há menos tempo na atividade atual;  49% são chefes de domicílio e empregam menos (menor proporção de empregadoras e menor número de empregados); têm estruturas de negócio mais simples; contribuem mais à Previdência na atividade atual; trabalham mais no setor de serviços (destaque: alojamento e alimentação) (Fonte: Sebrae)

Experiência pessoal

“Fiquei muito emocionada ao relatar histórias de mulheres que tiveram que se reinventar num momento de dificuldades, pois sou uma delas. Sempre trabalhei fora, com jornalismo. E, em 2016, com o encerramento do Departamento de Jornalismo do SBT em Nova Friburgo, onde eu era editora-chefe, me vi exatamente nesse momento de dificuldades em que muitas se encontram. Com três filhas, tive que me reinventar. E o hobby, que era fazer laços de cabelos para minhas filhas se transformou no meu ganha pão. As dificuldades eram muitas, desde a execução do trabalho, compartilhada com os cuidados da casa e das crianças, até as vendas. Durante dois anos, sentei na calçada, em frente à porta de uma escola, com uma caixa de laços para vender, além de usar as plataformas digitais. Era um momento de turbulência pessoal também, depois do meu divórcio.  

Nesse período, pude me aproximar e passei a conhecer mais as minhas filhas, estando ao lado delas, no momento em que mais precisavam da minha presença e segurança. Digo que a minha pandemia, o meu isolamento, o homeoffice começou em 2016. Me fechei em minha concha, com um único objetivo: criar minhas filhas, mostrando-lhes o mundo real e para serem pessoas de bem. Pensei que jamais teria oportunidade de voltar ao mercado de trabalho de jornalismo. Mas acredito que tudo tem seu tempo e seu propósito. E, esse ano, me surpreendi com o convite de Adriana Ventura, diretora de  A VOZ DA SERRA, para escrever no jornal. Vejo como meu renascimento, uma nova oportunidade de sair da minha concha, uma pérola lapidada pelas ondas e pelas revoltas desse mar agitado chamado vida. E, hoje, estou em A VOZ DA SERRA, colaborando com esse veículo histórico na nossa cidade que, agora, faz parte da história da minha vida. 

É  muito mais que dar emprego a quem estava desempregado. É dar vida a quem chegou ao calvário. Hoje, concilio o jornalismo, com a produção e venda de laços, criação de filhas e cuidados com a casa. Muito mais forte e segura. Mais confiante de que, quando fazemos com e por amor, os ventos sopram a favor.” 

(Christiane Coelho)

Serviço - Quem quiser entrar em conhecer os empreendimentos das mulheres dessa matéria, basta entrar em contato: 

Claysimar Veiga Barrozo - Faccionista
WhatsApp – 22 998139453

Sandra Angélica da Silva – loja de roupa feminina
Instagram –@club.store1
WhatsApp – 22 98124-1302

Livia Queiroz – papelaria personalizada e costura criativa
Instagram: @alegrapersonalizados
WhatsApp – 22 99726-8590

Maria de Fátima Magliano Jaccoud – Trufas artesanais
WhatsApp – 21 99106-4827

Lucila Fraga dos Mares Guia – pão de fermentação 100% natural
Instagram - @paodoriacho

Christiane Coelho – Laços e Acessórios infantis
Instagram - @tresmariasacesso
WhatsApp – 22 999026091

 

 

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