O Brasil enfrenta um momento preocupante no que diz respeito ao hábito da leitura. Pela primeira vez na série histórica da pesquisa Retratos da Leitura, 53% da população declarou não ter lido nem parte de um livro nos últimos três meses, marcando um retrocesso cultural significativo. A pesquisa apontou ainda que nos últimos quatro anos, houve uma redução de 6,7 milhões de leitores no país.
Para além dos números, os relatos de leitores como Eduardda DiNozzo, estudante de psicologia e apaixonada por livros, ajudam a compreender os motivos por trás desse declínio e oferecem pistas sobre como reverter esse cenário.
A relação de Eduardda com os livros começou na infância, incentivada por sua mãe. Ela recorda momentos preciosos em que ouvia histórias antes de dormir e o impacto de A Culpa é das Estrelas, obra que marcou sua transição para leituras mais densas. No entanto, ela reconhece que a realidade de muitos brasileiros não inclui esse apoio familiar. “Se não houver alguém para influenciar, como pais ou professores, a curiosidade pela leitura pode nunca surgir”, reflete.
(Foto: Freepik)
Os dados da pesquisa reforçam essa percepção: a média de livros lidos por ano caiu para 3,96, a mais baixa da série histórica. Para Eduardda, um dos fatores que explicam essa queda é o custo elevado dos livros. “Um livro básico, como Harry Potter, chega a custar R$ 90 em livrarias físicas. Não é todo mundo que pode pagar por isso. Quem lê acaba recorrendo à pirataria ou desiste de ler”, lamenta.
Além do preço, Eduardda destaca a influência crescente das redes sociais e do entretenimento digital. Embora reconheça que plataformas como Instagram e YouTube tenham potencial para promover a literatura, ela acredita que o uso predominante desses meios para jogos e vídeos desestimula o interesse pelos livros. “Por que uma criança trocaria o celular por um livro, se acha a leitura tediosa e nunca teve incentivo?”, questiona.
A falta de incentivo também se reflete nas escolas, que carecem muitas vezes de bibliotecas ou deixam de promover atividades que estimulem o gosto pela leitura. Eduardda lembra que, durante sua infância, as professoras incentivavam os alunos a pegar livros emprestados e realizavam projetos baseados em leituras. Hoje, ela vê uma diminuição dessas práticas, o que contribui para o enfraquecimento do hábito de ler.
Apesar do cenário desafiador, Eduardda acredita que ainda é possível reverter a crise da leitura no Brasil. Ela sugere uma combinação de ações envolvendo governo, escolas e famílias. Uma das medidas seria a redução no preço dos livros, tornando-os acessíveis para mais pessoas. “Mesmo uma redução pequena já ajudaria. Muitos não têm condições de pagar R$ 50 ou R$ 80 por um livro, ainda mais considerando a situação financeira do país”, argumenta.
As escolas também têm um papel fundamental nesse resgate. Bibliotecas escolares devem ser revitalizadas, e atividades como leitura compartilhada e trabalhos baseados em livros precisam ser retomadas. Nas famílias, o incentivo deve começar cedo, com pais ou responsáveis lendo para as crianças e mostrando que os livros podem ser uma fonte de lazer e aprendizado. “Minha mãe lia histórias para mim antes de dormir. Era fascinante imaginar os cenários e personagens. Isso abriu as portas para minha paixão pela leitura”, relembra.
Eduardda também sugere que a leitura seja apresentada de forma mais atrativa, especialmente para os jovens. Eventos literários, como a Bienal do Livro, podem ser ampliados e adaptados para alcançar um público maior. Além disso, é fundamental destacar o lado lúdico e imaginativo da leitura, e não apenas seu papel educacional.
Diversidade de experiências
A leitura não é apenas uma atividade individual, mas uma prática com repercussões sociais. Dados da Pesquisa Retratos da Leitura mostram que leitores tendem a ter uma vida culturalmente mais rica, participando de uma média de 7,6 atividades no tempo livre, contra 5,3 entre os não leitores. Essa diversidade de experiências pode ampliar horizontes, fortalecer o senso crítico e contribuir para o desenvolvimento humano e social.
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“A leitura amplia nosso mundo, mas, sem incentivo, ela perde espaço para as telas e para outras formas de entretenimento mais imediatas. É preciso agir para que as novas gerações não percam esse hábito tão transformador”, conclui Eduardda.
Resgatar a leitura no Brasil exige esforço conjunto e políticas públicas efetivas, mas também depende de ações cotidianas dentro das casas e escolas. Como destaca a presidente do Instituto Pró-Livro, Sevani Matos, a leitura é um farol para o desenvolvimento cultural e democrático. Se o Brasil deseja transformar sua realidade, é fundamental que o hábito de ler volte a ocupar um lugar central na vida de seus cidadãos.
Para reverter o cenário, especialistas apontam que é essencial investir na ampliação de bibliotecas públicas e escolares, criar feiras literárias itinerantes e reduzir os preços dos livros por meio de políticas públicas e incentivos fiscais. Além disso, campanhas nacionais de leitura, com apoio de influenciadores digitais e artistas, podem atrair o público jovem e reforçar o papel da literatura como ferramenta de desenvolvimento cultural e social. Essas ações são vistas como fundamentais para democratizar o acesso aos livros e revitalizar o hábito de leitura no país.
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