Em 2019, entre todas as faixas etárias, a inadimplência das pessoas com mais de 60 anos foi a que mais cresceu, segundo pesquisa da Serasa Experian, publicada em dezembro passado. Que também revelou: de outubro de 2018 a outubro de 2019, 900 mil novos idosos deixaram de pagar suas contas, atingindo 9,8 milhões de inadimplentes nessa faixa, no total.
Por outro lado, os idosos aposentados têm mais facilidade para conseguir empréstimos por conta da aposentadoria e do histórico de pagamentos, por tempo muito mais longo do que consumidores das demais faixas etárias. O que tanto pode contribuir para eventuais acertos no orçamento ou servir para planejar férias, passeios, entretenimento.
Diante desse panorama, chama atenção a mais recente pesquisa da Serasa, divulgada mês passado, setembro: os idosos são os que mais pagam em dia empréstimos pessoais e os mais cautelosos com o comprometimento da renda.
O levantamento ainda mostra que a média nacional do comprometimento de renda com empréstimo pessoal (13,7%) está muito próxima da média de quem tinha crédito consignado (14,2%), em maio. E que a pontualidade dos mais idosos alcança mais de 90%.
Afinal, o que mudou de um ano para cá? Para esclarecer esta e outras importantes questões sobre o tema, entrevistamos o consultor financeiro e colunista do jornal, Gabriel Alves.
AVS: Que avaliação você faz do comportamento dos idosos em relação às finanças?
Gabriel Alves: Manter a pontualidade é um compromisso que deve ser levado a sério ao assumir a responsabilidade de uma dívida. Além da área das finanças, através da sociologia, que sempre foi outra área muito atraente para mim, podemos relacionar o compromisso com as responsabilidades ao conceito de liquidez social de Bauman [Zygmunt, sociólogo e filósofo]. Assim, dentro do contexto evolutivo da sociedade, jovens vêm tendendo a assumir menos responsabilidades com o passar do tempo. No final das contas, manter a pontualidade com o pagamento de dívidas acaba sendo um reflexo mais social que financeiro, pois os mais velhos – apesar de mais experientes – não estão evitando comprometer suas rendas e, pelo contrário, continuam sendo os que mais recorrem ao crédito pessoal (de acordo com este mesmo estudo do Serasa).
A manutenção da renda, o isolamento social, entre outros fatores provocados pela pandemia também podem ter influenciado nesse resultado apontado pela pesquisa?
Como já citado, esse comprometimento tem a ver com a capacidade de assumir responsabilidades pela formação social da população mais idosa. Contudo, há um ponto técnico que influencia demais no pagamento pontual das dívidas: a modalidade consignada de crédito pessoal. Aposentados, a classe composta, em sua grande maioria, por idosos, têm direito aos empréstimos consignados como recurso de crédito e o desconto das parcelas é abatido diretamente da folha de pagamento, o que tem grande influência sobre a pontualidade de pagamentos. Com relação ao contexto de pandemia, a maior influência sobre a economia doméstica dos idosos foi a estabilidade de pagamentos, enquanto muita gente vinha passando por reduções salariais ou até mesmo perdendo seus empregos. Isso pode ter causado maior receio nos idosos ao comprometer parte da renda com parcelas de empréstimos, pois a responsabilidade sobre seus salários acabou tendo maior relevância no âmbito familiar.
Há relatos sobre os idosos se endividarem ao ajudar filhos e netos, ou, em alguns casos, por serem os únicos entes com renda fixa numa família. Além de assumirem empréstimos bancários em nome de terceiros etc, isso mudou?
Esse é um ponto bastante curioso. Ano passado o Serasa fez uma pesquisa que abordava, mais ou menos, essa questão, mas sem considerar faixa etária. Neste estudo, foram ouvidas pessoas que estiveram inadimplentes e conseguiram limpar seus nomes. Dentre as causas da inadimplência deste grupo, que empresta o nome a terceiros representava 24% e os casos mais comuns eram com amigos. Emprestar nome para filhos representa a terceira colocação neste ranking, mas acaba sendo uma causa comum entre pessoas mais velhas. A propósito, vale ressaltar a importância dessa informação: emprestar o nome para terceiros pode ser muito arriscado e trazer grandes problemas para a saúde das finanças de qualquer pessoa. Ao ser solicitado, deve-se buscar orientação e praticar o “não”, afinal você pode querer ajudar, mas não precisa se prejudicar por isso.
Quanto ao consignado para aposentados, atraente devido os juros baixos, e seguro para quem empresta, nota-se também uma maior resistência em se recorrer a ele, de um ano para cá. Como evitar essas “ofertas” quando sequer são solicitadas?
Como essa modalidade de crédito garante o compromisso com os pagamentos pontuais das parcelas, acaba sendo a melhor opção de crédito pessoal para quem se enquadra nos pré-requisitos necessários. Mas o aumento da cautela deve-se ao desrespeito de algumas corretoras de crédito ao pressionar seu “cliente”, com inúmeras ligações diárias e, até mesmo, a concessão do empréstimo sem o devido consentimento. Portanto, minha recomendação é: evite as ligações indevidas e, se possível, bloqueie o número. Além disso, evite demonstrar interesse através do telefone e busque um escritório especializado ou agência bancária que sejam de sua confiança.
Em quais situações pode ser vantajoso fazer um consignado?
Pela taxa de juros reduzida, pode ser um recurso para emergências ou estratégias de quitação de dívidas mais caras. Com as dívidas assumidas, é fundamental identificar possibilidades de baratear os custos. Para exemplificar, você pode recorrer ao empréstimo consignado para quitar as dívidas como o rotativo do cartão de crédito ou cheque especial, que será uma escolha inteligente para o seu bolso. Recorrer ao crédito pode ser uma boa estratégia, mas, por outro lado, a urgência acaba tornando a decisão mais cara. Buscar analisar o contexto profissional, financeiro e entender a diferença entre os produtos de crédito — e são diferenças absurdas —, são pontos fundamentais para manter o equilíbrio de uma vida financeiramente saudável
A população brasileira está envelhecendo, na mesma proporção em que vem diminuindo o número de nascimentos. O que essa mudança pode significar para a economia do país?
Esse é um questionamento inevitável para todo o país em desenvolvimento e com a pirâmide etária revertendo sua formação original. Em 2019, passamos pela Reforma da Previdência como uma medida econômica para evitar os impactos negativos trazidos pelo envelhecimento da população, buscando manter o poder de compra sem comprometer o futuro com os custos dessa manutenção.
Como avalia a maneira como a reforma foi formulada?
Apesar das críticas negativas – e outras positivas – só o tempo pode responder essa pergunta. Mas uma coisa é certa: países desenvolvidos já passaram pelo mesmo contexto e temos o privilégio de basearmos nossos estudos em exemplos que tenham sido testados e se mostraram eficazes. Reconhecer um bom modelo é tão importante quanto criá-lo.
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