Campanha encerra Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla

Apesar de o Brasil ter uma das legislações mais avançadas do mundo, direitos das pessoas em situação de deficiência não são acessíveis a todos
sexta-feira, 27 de agosto de 2021
por Christiane Coelho, especial para A VOZ DA SERRA
Campanha encerra Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla

Termina neste sábado, 28, a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla. Com o tema, “É tempo de transformar conhecimento em ação”, a campanha deste ano tem como objetivo mostrar que, hoje, o Brasil tem uma das legislações mais avançadas do mundo no que se refere à garantia de direitos das pessoas em situação de deficiência, no entanto, na prática, a maior parte do que se assegura na lei não é acessível a todos.
 
Uma das principais dificuldades enfrentadas é o acesso às terapias e tratamentos para o desenvolvimento, autonomia e independência das pessoas em situação de deficiência. A professora Camila Emerick, mãe do Bento, de 2 anos e 9 meses, que tem Síndrome de Down, luta para que seus direitos e do seu pequeno sejam respeitados. “No papel tudo é lindo! Mas não tenho uma terapia pelo setor público, pois a demanda é grande e nunca tem vaga. Não tem um pediatra especialista em  Síndrome de Down no setor público e os planos não reembolsam. Já tive que fazer um registro de ocorrência, na delegacia de polícia, pois uma oftalmologista da cidad e se recusou a atender meu filho devido à Síndrome de Down”, revolta-se ela.
 
A enfermeira Lúcia Helena de Castro, mãe da Hanna, de 15 anos, também com Síndrome de Down, atesta a dificuldade enfrentada no direito à educação. “A legislação brasileira é uma das mais completas e abrangentes. Mas se esqueceram de capacitar os docentes, equipe multiprofissional para trabalhar a diferença, porque o aluno dito normal vai alcançar o objetivo até mesmo sozinho. Acredito que o maior desafio, enquanto mediador de aprendizagem, é trabalhar com o novo, com o diferente. Muitas escolas não conseguem trabalhar a inclusão porque não investem em capacitação para a equipe multidisciplinar e os profissionais têm dificuldad e de aceitar o que é novo e também não querem buscar, sair da caixinha”, relata ela.
 
A dificuldade de ter um profissional de educação preparado para lidar com o filho Francisco, de 10 anos, que é autista também foi enfrentada pela designer, Lucilene Quintino. “Alguns professores que passaram por ele não tinham o preparo devido para lidar com as dificuldades cognitivas”, relatou ela.
 
Para a pedagoga especialista em Espectro Autista, Luciana Bezerra, a prática do ensino para crianças atípicas vai além da sala de aula. “Eu sempre trabalhei com aulas particulares com crianças neurotípicas. O que me fez optar pelo atendimento particular para crianças com dificuldade de aprendizado foi exclusivamente a falta de oportunidade de apresentar meu trabalho dentro das instituições de ensino. Eu tenho ferramentas para desenvolver aprendizado, adaptar currículos que beneficiaria esse público, e ainda orientar os familiares e cuidadores para desenvolver habilidades diárias, que são primordiais para o autocuidado e o convívio social. Mas, infelizmente, a educa&c cedil;ão só acontece na sala de aula”, relata ela.
 
Preconceito, falta de empatia e de respeito
 
Além de lutar pelos direitos dos seus filhos, assegurados em lei, os pais ou responsáveis pelos filhos em situação de deficiência intelectual ou múltipla, ainda têm que romper outro obstáculo: o preconceito. E, esse é o maior medo relatado pelas mães entrevistadas por A VOZ DA SERRA. 
 
A mãe do Bento, que tem Síndrome de Down, Camila, encarou o preconceito e a falta de empatia no momento em que foi comunicada sobre a deficiência do filho. “Fui informada sobre a condição dele no corredor da maternidade pela pediatra, de forma técnica, sem empatia. Fiquei arrasada, não pela notícia em si, mas pela forma como foi feita. E meu medo é esse, a falta de empatia, a forma como a sociedade encara e enxerga o deficiente, a forma como são excluídos e discriminados ainda nos dias atuais”, disse ela.
 
Para Lucilene, mãe do Francisco, que é autista, a sociedade ainda tem muito o que aprender a ter empatia pela dificuldade cognitiva comportamental “Por ele ser um menino de grande estatura e como costumo dizer que autismo não tem características físicas,como a síndrome de down por exemplo, sofremos preconceitos por conta do comportamento infantilizado que ele apresenta”, relata ela.
 
Lúcia, mãe da Hanna, que tem Síndrome de Down, enfatiza que a filha ama encontrar os amigos, dançar, cantar, conversar, brincar. Ela é feliz. “Acredito que ela ainda não percebeu a sua deficiência, porque lidamos com ela com toda naturalidade. Vejo que ela é bem aceita entre as crianças em todos os grupos. O preconceito está em nós, adultos. Devemos trabalhar inclusão em nosso lar com nossos filhos, ditos normais, para que eles aceitem com naturalidade a diferença. É preciso nos incluir para aceitar a inclusão. A deficiência da Hanna está no rosto, na fala, no desenvolvimento mais demorado. Quantas outras deficiências existem e nem nos damos conta? Um adulto cruel, torturador, que mata a sangue frio, ensina a criança a matar e maltratar os animais e bichinhos indefesos, o que são? Foram crianças um dia e não foi detectado esta deficiência. Todos nós temos alguma deficiência”, desabafa ela.
 
Educação inclusiva
 
Hanna tem Síndrome de Down e frequentou a creche pública, onde foi muito bem acolhida, segundo a mãe, Lúcia. “A inclusão foi perfeita, com uma equipe maravilhosa”, disse Lúcia.  Depois, ela foi para outra escola, devido à idade. “Lá, vivemos um período de três anos de exclusão. Durante todo este tempo, nós estimulamos o ensino e a aprendizagem dela em casa, que virou uma sala de aula. Criei vários meios para que ela aprendesse”, relatou a mãe. Mas, para Lúcia, a escola não ajudava. “Começamos a perceber que havia um grande medo por parte dos profissionais. Foi aí que partimos para o ensino privado. A escola Espa ço Livre nos acolheu e começamos a trabalhar o ensino aprendizagem da Hanna em parceria e vem dando certo”, disse a mãe da Hanna, que hoje está no 6º ano do ensino fundamental, relatou Lúcia.
 
Caminho inverso foi feito pela mãe do Francisco, que tem espectro autista. Ele sempre estudou em escolas particulares, onde, de acordo com sua mãe, enfrentou problemas por falta de preparo de alguns profissionais. “Mudamos ele de escola esse ano e foi um grande desafio, pois mudanças para ele é algo que causa alguns transtornos e também algumas crises. Mas o Francisco está numa escola pública e altamente inclusiva. E temos sido surpreendidos, pois, mesmo em
 
meio a pandemia e aulas online, ele tem sido tratado com todo cuidado, atenção e preocupação para que esteja integrado em todas as atividades da turma . A Secretaria de Educação disponibilizou a mediação e hoje o Francisco tem todo suporte possível dentro das possibilidades de aulas remotas”, relatou Lucilene Quintino.
 
É também o que pretende fazer a mãe do Bento, Camila. Assim que abrir a pré-matrícula na rede municipal para o próximo, ela fará a matrícula do pequeno, de 2 anos e 9 meses. Enquanto isso, a estimulação e ensinamento são feitos em casa e compartilhados pelo Instagram criado pela mamãe. “Confio muito na inclusão da rede pública. Os alunos não estão lá só para socializar, mas sim para aprender, pois todos tem capacidade, apenas aprendem de maneira diferente. É preciso acreditar nas potencialidades dos nossos filhos. Muitos não tentam e já dizem que a criança não consegue”, disse ela.
 
Rede Municipal Inclusiva
 
A rede municipal de ensino conta com uma equipe específica para Educação Especial, coordenada pela pedagoga Ana Cláudia Teixeira. De acordo com a prefeitura, materiais adaptados estão sendo produzidos para serem distribuídos aos alunos da rede municipal que necessitam desse tipo de atendimento diferenciado.
 
Os cadernos pedagógicos e a avaliação de desempenho, que está ocorrendo neste mês para estudantes do ensino fundamental (1º ao 9º ano), foram adaptadas com fontes ampliadas para estudantes com baixa visão; para o código Braille, possibilitando a leitura para estudantes cegos e Libras (Língua Brasileira de Sinais) para os estudantes surdos. Estas adequações são realizadas pelos professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE) da equipe de Educação Especial lotados no Centro de AEE Neusa Goulart Brizola. “O material adaptado aos alunos que necessitam é preparado rotineiramente. Neste momento, como estão sendo utilizadas as apostilas pedag&oacu te;gicas, elas estão sendo adaptadas”, disse Ana Cláudia.
 
De acordo com Ana Cláudia, os cadernos pedagógicos também recebem adequação curricular, com vistas a oferecer os conteúdos curriculares dentro das potencialidades e necessidades dos estudantes com deficiência intelectual, autismo e outras tipologias que requeiram um olhar mais específico para os processos de aprendizagem. Toda esta adequação é realizada pelos professores das classes regulares, orientados e acompanhados também pelos professores do AEE da Secretaria Municipal de Educação e o Centro de AEE Neusa Goulart Brizola. 
 
A Secretaria de Educação tem hoje 228 estudantes com deficiência intelectual e 16 estudantes com deficiência múltipla. Para o acompanhamento desses alunos, a Secretaria Municipal de Educação realizou um processo seletivo que contratou 150 profissionais de apoio escolar, chamados de auxiliares de sala. “Entretanto, por não ser um quantitativo suficiente, o município tem contemplado professores que tenham interesse em trabalhar com esta mediação. Desta forma, hoje, são cerca de 240 a 250 profissionais nesta modalidade de atendimento específico e individualizado desses estudantes”, disse Ana Cláudia.
 
Mesmo no ensino híbrido, os alunos que necessitam do acompanhamento do professor auxiliar, tem esse profissional à disposição, segundo a coordenadora do setor de Educação Especial.  “Os estudantes que têm necessidade do profissional de apoio escolar estão tendo este acompanhamento, um profissional direcionado ao atendimento das especificidades, dando uma atenção mais específica, tanto no ensino presencial quanto no ensino remoto”, esclarece ela.
 
Serviço:
 
Para ter acesso ao material com todos os direitos reservados às pessoas com deficiência, basta acessar esse endereço: https://www.saude.rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=MTM0MjI%2C
 

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