A população brasileira tomou conhecimento do Halloween por meio de filmes, séries de TV e outros produtos culturais estrangeiros, especialmente dos Estados Unidos. Deve ser por isso que os brasileiros celebram a data inspirados nos norte-americanos. Afinal, a “poderosíssima indústria cultural norte-americana, com suas produções de Hollywood, chegaram ao Brasil logo após a Segunda Guerra Mundial, praticamente junto com a televisão”.
Estamos tão habituados a essa inversão cultural, que não lembramos que o dia 31 de outubro, no Brasil, também é dedicado a um personagem genuíno do folclore nacional, o Saci-Pererê, que permanece esquecido do nosso imaginário.
O Dia do Saci foi criado por meio do projeto de lei federal nº 2.762/2003. Dez anos depois a Comissão de Educação e Cultura elaborou o projeto de lei que consolidou o 31 de outubro como a data dedicada a ele. Na ocasião, o projeto tinha como objetivo resgatar figuras do folclore brasileiro, em contraposição ao dia das bruxas, ou Halloween. No entanto, até hoje prevalece por aqui… a festa da bruxa.
Essa forte influência levou o Halloween a integrar o calendário nacional. Personagens como vampiros e bruxas, que não fazem parte da nossa cultura, foram incorporados às festividades brasileiras, apesar de importantes lendas da cultura nacional que mereciam ser saudadas — como o Saci-Pererê, menino negro de uma perna só que usa uma carapuça vermelha, fuma cachimbo, e provoca mil e uma confusões por onde passa —, continuarem relegadas a segundo plano.
Resgate da nossa cultura
O historiador e pesquisador Bruno Baronetti, formado em História Social, pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP), vê o Dia do Saci como uma resposta à indústria cultural americana em um momento no qual filmes de grandes franquias, com personagens do imaginário do Halloween, como os vampiros, começavam a ganhar força.
“Além disso, havia uma percepção de que cada vez mais escolas do ensino básico valorizavam o Dia das Bruxas norte-americano. Com um folclore rico, com lendas e histórias vindas da miscigenação entre diversos povos, o que é próprio da nossa formação como país, questionou-se: ‘Por que não promover uma reflexão sobre o papel da cultura nacional?’”.
Esse menino é uma lenda que traz tradições principalmente do Sul e do Sudeste do Brasil, mas apresenta características intrínsecas à formação do Brasil. “O Saci é um jovem negro que usa cachimbo, um elemento indígena. Além disso, traz elementos da cultura árabe, que dominou, durante séculos, a Península Ibérica”, explica.
Os elementos da cultura árabe presentes na lenda do Saci manifestam-se no conta do menino que pode ser preso em uma garrafa e atender pedidos, dispositivos presentes na obra As Mil e Uma Noites, coleção de narrativas onde se encontra a figura do Gênio da Lâmpada. “A própria lenda desse personagem representa o amálgama da nossa cultura.”
Algumas cidades do Brasil, sobretudo nos municípios de São Paulo, começaram a fazer festas para essas figuras do folclore nacional no dia 31 de outubro. “Em São Luís do Paraitinga, no Vale do Paraíba, temos a Sociedade dos Observadores de Saci, que todo ano promove a Festa do Saci”, conta Baronetti.
Ele revela que os estudos folclóricos no Brasil, desde o início do século 20, por meio do Movimento Folclórico Brasileiro, e grandes estudiosos, como Mário de Andrade e Edison Carneiro, buscam a inserção desses temas nas escolas.
“O Dia do Saci tem o papel de estímulo, de resgate da nossa cultura, e é justamente um contraponto a esse projeto colonizador e imperialista que busca inserir aqui esses elementos alheios à nossa cultura.
A ideia não é acabar com o Halloween, mas criar um contraponto para que as crianças, além da tradição estrangeira, passem a ter contato também com tradições e culturas nacionais”, conclui o historiador, citando um pensamento do dramaturgo brasileiro Plínio Marcos:
“Um povo que não ama e preserva as suas formas de expressão mais autênticas jamais será um povo livre”.
(Fonte: jornal.usp.br)
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