Sequelas Pós-Covid-19

Quando se vence uma batalha, mas ainda não se ganhou a guerra
quinta-feira, 22 de abril de 2021
por Christiane Coelho (Especial para A VOZ DA SERRA)
Sequelas Pós-Covid-19
Fadiga, falta de ar, dores de cabeça, dores musculares, queda de cabelo, perda de paladar e olfato, dor no peito, tontura, tromboses, palpitações, depressão e ansiedade, dificuldades de linguagem, raciocínio e memória. Esses são alguns sintomas que muitos dos pacientes que já passaram pela fase infecciosa relatam sentir no pós-Covid-19. 

Estudos mostram que cerca de 80% dos pacientes recuperados sentem ao menos um sintoma da síndrome pós- -Covid-19 até quatro meses depois da infecção
De acordo com o clínico geral Ebenezer Soares Ferreira Junior, o tempo de recuperação, em alguns casos, dura cerca de dois ou três meses nas sequelas pulmonares e até por seis meses no caso das alterações de olfato. 

“E, caso houver persistência dos sintomas ou surgimento de outro, deve procurar logo o médico que o tratou ou outro de sua confiança para investigar a causa e para conter os danos e intervir antes que algo pior aconteça”, explica o clínico geral.

Foi o caso de uma professora de Nova Friburgo, que não quis se identificar. Ela pegou Covid-19 no final de julho de 2020. Teve dor de garganta e de cabeça, dores no corpo, fadiga muito forte, perda de olfato e paladar. Depois de tratar a inflamação e negativar o exame da Covid-19, o cansaço se estendeu por meses. 

“Sentia dificuldades de fazer atividades cotidianas e tive episódios de fraqueza nas mãos”, relatou, que também continuou sem sentir gosto do sal por cerca de quatro meses. Além disso, a professora teve quadros de ansiedade e início de quadro depressivo, associados ao pós-Covid-19. O tratamento foi multidisciplinar, com acompanhamento médico, atividade física monitorada e terapia.

(Raquel Acri)

A administradora de empresas Raquel Acri teve Covid-19 no início de novembro do ano passado. Ela relata que teve dor de cabeça, dor no corpo, cansaço, falta de ar, dor nas articulações, falta de paladar e de olfato. Não chegou a ficar internada. Fez o tratamento em casa. “Como eu tinha uma asma leve, o médico me receitou o uso da bombinha, coisa que nunca precisei usar. E, mesmo depois de curada, não consigo mais ficar sem ela”, disse Raquel. 

Ela conta que teve que começar a fazer tratamento contínuo com um pneumologista e, a asma que era leve, antes da infecção pelo coronavírus, passou a ser grave. “Hoje, além do uso diário da bombinha e de um spray nasal, ainda uso uma outra bombinha emergencial, quando tenho falta de ar de repente. Sem os medicamentos, acho que nem estaria viva”, ressaltou.

Especialistas já sabem que a infecção causada pelo coronavirus não é só localizada nos pulmões e nem passageira. Há repercussões prolongadas em vários órgãos. Isso porque, para eliminar o coronavírus, o sistema imunológico precisa promover um processo inflamatório, que para algumas pessoas foge do controle, liberando substâncias, como a citocina, que podem lesionar órgãos e tecidos. Esse processo é conhecido como tempestade inflamatória e pode comprometer não só os pulmões, mas também a musculatura, circulação e a parte neurológica do doente.

Internações em CTI tem maior comprometimento

A fisioterapeuta Julianna Wermelinger, que atua tanto na rede hospitalar, quanto nos atendimentos particulares, relata que, no pós- -covid, tem encontrado três tipos de comprometimento: pacientes com graus de acometimento leve, moderado e grave. 

“Os casos mais graves, que exigem internações em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), também deixam sequelas mais difíceis de tratamento. São sequelas tanto da Covid-19 quanto da própria internação e do tempo em que o paciente ficou acamado. Esses pacientes precisam de equipe multidisciplinar para reabilitação”, esclareceu.

Esse é o caso da aposentada Catarina das Graças Ramos Pinheiro, de 70 anos, relatado pela neta, Ana Caroline Ribeiro Pinheiro, que acompanhou todo o processo de tratamento da avó. “Minha avó ficou internada 24 dias, em agosto, sendo 17 deles na UTI, intubada. Ficou em estado gravíssimo. Além da Covid-19, ela pegou uma bactéria e teve um ataque cardíaco. Mas, conseguiu sair dessa e, quando teve alta, ficamos felizes e gratos demais, mas receosos pelo seu estado”, contou Ana.

Catarina perdeu de 60 a 70% da sua massa muscular e, consequentemente, os movimentos. “Até para mudar de posição na cama, precisava de ajuda”, relatou a neta. A família teve que alugar equipamentos, como cadeira de rodas e de banho. Além disso, por ter feito uso de sonda para se alimentar, durante a internação, também precisou reaprender a engolir alimentos, com a ajuda de um fonoaudiólogo. 

“O tratamento pós-alta hospitalar durou cerca de três meses, com fisioterapia respiratória e motora diária, de domingo a domingo, para que não ficasse nenhuma sequela, além do acompanhamento da equipe médica”, revelou Ana Caroline.

Hoje, a família, que deu todo o apoio e suporte necessários, comemora a reabilitação da aposentada. “Atualmente, ela não tem sequela permanente. Ainda sente mais cansaço que antes da Covid-19 e os esquecimentos são mais frequentes, mas nada comparado ao estado em que saiu do hospital”, acrescentou. 

A fisioterapeuta Julianna Wermelinger explica que em pacientes de forma grave, que necessitam ir para casa com oxigenioterapia e  ventilação não invasiva, os fisioterapeutas atuam desde o desmame desses suportes, até deixar o paciente independente. 

“Fazemos exercícios de fisioterapia respiratória e motora, com fortalecimento  pulmonar e muscular, até deixá-lo apto a viver sua rotina diária”, esclarece, acrescentando que “ é preciso também a colaboração do paciente com todo tratamento que é imposto a ele e ainda da ajuda da família, que é muito importante nesse pós-covid, principalmente da forma domiciliar.”

Covid na gravidez

Na semana passada, o secretário de Ação Primária à Saúde, Raphael Câmara de Medeiros, sugeriu que as mulheres adiem a gravidez até que haja uma melhora na pandemia.

Ele, que é médico e tem doutorado em ginecologia, esclareceu que a gravidez já é um momento em que há favorecimento de coágulos no sangue e o mesmo acontece com a Covid-19. 

“Isso pode tornar a doença mais perigosa ainda durante a gestação, principalmente no pós-parto, o puerpério, quando o organismo luta para interromper hemorragias e fazer o útero voltar ao seu volume normal”, explicou.

A atendente de pizzaria, Juliana de Lima Correa, está passando por esse processo. Ela pegou Covid-19 em fevereiro, quando ainda estava grávida do seu segundo filho. Com 36 semanas de gravidez, quando já estava negativada da doença, teve que fazer uma cesariana de emergência. “Tive problemas na placenta, já consequência da Covid-19”, relatou ela. 

O bebê, Christian, nasceu bem. Logo depois mãe e filho tiveram alta e foram para casa. Mas, Juliana começou a ter muita falta de ar e, depois de 12 dias do parto, começou a apresentar febre alta e muita dor nos pulmões. 

“Não conseguia falar e nem ficar em nenhuma posição. Parecia que estava levando uma facada a cada inspiração”, acrescentando que buscou ajuda médica no Hospital Raul Sertã. Ela foi diagnosticada com pneumonia e o médico deu a opção de se tratar em casa, já que estava amamentando. Mas, dois dias depois, voltou ao hospital e além da pneumonia, foi diagnosticada com trombose e ficou internada por 10 dias.        

Em casa, depois de quatro dias de alta, a atendente de pizzaria voltou a ter febre. Ao procurar a emergência do hospital, teve diagnóstico de embolia pulmonar e derrame pleural e foi novamente internada. “Estou me recuperando, os exames estão bem melhores. Tive que ficar um tempo só deitada. Agora, já estou conseguindo me levantar, mas com dificuldade”, relata. 

Esse é o segundo mesversário do caçula que ela não passará ao lado dele. “Dia 24, ele faz dois meses e mais uma vez, não poderei passar com ele, que está, junto com o irmão Thiago, sendo cuidado pelo meu pai e minha madrasta”, explicou.

Segunda pandemia, a de sequelas Pós-Covid   

A Organização Mundial de Saúde (OMS) promoveu, em fevereiro, um simpósio on-line internacional, com convidados de vários países sobre o Pós-Covid-19, que também é chamado de Long Covid-19, com o objetivo de melhor definir a enfermidade, alinhar métodos de estudo e planejar estratégias globais para atendimento. 

Um dos participantes foi o grupo Coalisão Covid-19, que une nove centros de estudos do Brasil em pesquisas sobre a doença. Eles estão fazendo um estudo que acompanha mais de 1000 pacientes nessas condições. Um dos participantes do Coalisão Covid-19, o médico intensivista e pesquisador, Regis Goulart Rosa, do Hospital Moinho de Ventos, explicou que uma das preocupações é que além da pandemia da Covid-19, tenha em seguida, uma epidemia de incapacitados. “Os sistemas de saúde precisam se preparar para tratar sequelas e reabilitar esses pacientes”, alerta ele.

Muitas cidades já estão com Centros de Reabilitação Pós- -Covid-19 prontos e funcionando, o que não é realidade em Nova Friburgo. Enviamos questionamento sobre a existência ou possibilidade da execução desse serviço à Prefeitura, mas até o fechamento dessa edição, não obtivemos resposta.

Por enquanto, a reabilitação só é realidade para pacientes que têm condições de pagar. A fisioterapeuta Julianna Wermelinger disse que muitos deixam de se reabilitar de uma forma mais precoce e deixam que as sequelas se desenvolvam da pior forma possível por não terem condições de custear o tratamento. 

“Muito triste essa realidade, porque a saúde pública não disponibiliza um tratamento eficaz de pós-covid-19. Uma pena que a maioria não consegue ser beneficiada porque não tem acesso a tudo isso. Tento atender por videochamada algumas dessas pessoas. É a forma que tenho de ajudá-las nesse momento”, relatou Julianna, acrescentando que, “gostaria muito que a prefeitura montasse um centro de reabilitação pós-covid-19 pra ajudar esses pacientes. Acredito que as pessoas teriam condições de voltar mais rápido para suas atividades. Muitos até voltam sem condições nenhuma, mas por necessidade. E o custo de um centro desses não é alto, com poucos recursos é possível viabilizar esse atendimento.”

Causa de afastamento de trabalho em 2021

Somente nos três primeiros meses desse ano, de acordo com dados Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, 13.259 pessoas tiveram que se afastar do trabalho e passaram a receber o benefício do Regime Geral de Previdência Social (INSS). E, para ter esse direito, é necessário que o segurado permaneça afastado por mais de 15 dias, seja atestado por um médico e confirmado pela perícia da Previdência.

(Patricia Lima Hottz)

“Algumas pessoas ficam incapacitadas ao trabalho, dependendo da sequela e da sua função laboral. O tempo varia conforme a sequela e o tratamento de reabilitação”, explica Patricia Lima Hottz, infectologista e mestre em doenças infecciosas pela UFRJ.

No ano de 2020, de acordo com dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, a Covid-19 foi a terceira causa mais incidente de afastamento do trabalho, com 37.045 benefícios concedidos, ficando atrás apenas de hérnia de disco lombar e tendinite.

 

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