O único efeito positivo da pandemia de coronavírus Covid-19 é que ela gerou conscientização pública sobre os riscos de doenças emergentes. Pode-se esperar que isso resulte em que esses riscos sejam refletidos em políticas públicas futuras, como as que promovem o desmatamento na Amazônia.
O desmatamento tropical fornece uma ponte para novas doenças passarem de populações de animais selvagens para humanos, como aconteceu no caso do vírus Covid-19, que fez essa transição em um mercado de animais selvagens em Wuhan, na China, com pangolins e morcegos sendo os principais suspeitos.
Um artigo de Joel Henrique Ellwanger e 13 co-autores (eu entre eles) acaba de ser publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências. O artigo, intitulado “Além da perda de diversidade e das mudanças climáticas: Impactos do desmatamento da Amazônia sobre doenças infecciosas e saúde pública”, fornece uma extensa revisão da literatura científica sobre esse assunto.
O desmatamento coloca as pessoas em contato próximo com a vida selvagem. Tanto a simples proximidade quanto o consumo humano de carne de animais silvestres podem permitir que patógenos animais “pulem” para os seres humanos.
A grande variedade de patógenos desconhecidos na Amazônia fez com que o Brasil fosse considerado um “ponto de acesso” para doenças emergentes. As várias etapas na identificação de fatores que contribuem para o surgimento e transferência de doenças infecciosas estão sob a égide de uma “perspectiva de saúde única”, que considera a saúde de uma população humana juntamente com a saúde das populações circunvizinhas de outras espécies. O desmatamento na Amazônia facilita a transmissão tanto de novas doenças como de doenças antigas como a malária.
A conexão entre o desmatamento e as doenças infecciosas é apenas mais um impacto do desmatamento, adicionado aos impactos da perda tanto da biodiversidade da Amazônia como das funções climáticas vitais da floresta que evitam o aquecimento global e reciclam a água essencial para áreas não amazônicas no Brasil (como São Paulo) e países vizinhos como a Argentina.
Todos esses impactos, incluindo os impactos na saúde pública, apontam para a necessidade de mudanças radicais nas políticas públicas, a fim de retardar e, um dia, parar o desmatamento na Amazônia.
(Fonte original: site Amazônia Real)
*Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria disponíveis em: Webpage: http://philip.inpa.gov.br // http://inpa.academia.edu/PhilipFearnside.
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