Prefeitura mantém licitação para coleta de lixo para esta quinta-feira

Processo não teve ampla divulgação, debate, nem consulta pública
quarta-feira, 12 de junho de 2024
por Jornal A Voz da Serra
(Foto: Arquivo AVS)
(Foto: Arquivo AVS)
A Prefeitura de Nova Friburgo, através do Diário Oficial Eletrônico, marcou para 13 de junho, às 9h30, a licitação da coleta e tratamento do lixo do município, atualmente sob responsabilidade da Empresa Brasileira de Meio Ambiente (EBMA). A licitação prevê a concessão do serviço por 30 anos, incluindo a terceirização da limpeza urbana e coleta seletiva do município, com valor estimado em R$ 1.131.334.423,99.

Governo municipal resumiu o anúncio do certame a uma publicação no seu Diário Oficial
Atualmente, a limpeza urbana em Nova Friburgo é realizada pela Secretaria Municipal de Serviços Públicos. O serviço tem sido alvo de críticas, com inúmeros leitores encaminhando reclamações para a redação de A VOZ DA SERRA rotineiramente. Por exemplo, basta uma simples caminhada por diversos espaços do centro da cidade e nos bairros para se deparar com o mato alto. Mas a população foi ignorada pelo poder público para participar e debater o assunto polêmico.

O crescimento e a invasão do mato pelas ruas devido a demora do serviço toma conta das calçadas, inviabilizando a circulação de pedestres que se expõem a riscos ao caminharem pelas ruas. O mato alto, além do mau aspecto, favorece a proliferação de insetos, principalmente, o mosquito transmissor da dengue, o Aedes aegypti.

No entanto…

Tramitou na Câmara Municipal de Nova Friburgo uma solicitação para a realização de uma audiência pública para discutir o tema no próximo dia 19, às 17h30, no plenário do Legislativo. Na pauta do debate, assuntos relacionados ao Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos de Nova Friburgo. 

Realizada atualmente pela Secretaria Municipal de Serviços Públicos, a limpeza urbana de Nova Friburgo tem sido alvo de críticas, com lixo espalhado pelas calçadas e mato alto ocupando espaços por todo o município, cenas comuns no cenário outrora bucólico de Nova Friburgo.

Assunto para profissional

Para o professor e ambientalista friburguense Fernando Cavalcanti, a prefeitura comete um erro grave ao querer conceder a coleta e tratamento do lixo por um prazo tão extenso, até 2054, em um contrato que pode engessar a prestação do serviço. 

“Trata-se de um contrato por 30 anos. Observando 30 anos para trás, vemos uma época em que não havia WhatsApp, celular, nem tantas outras tecnologias. Veja quanta coisa avançou e mudou nesse intervalo de tempo. Essa proposta agora engessa o município num contrato de 30 anos que não prevê, sequer, pelo menos de cinco em cinco anos, uma revisão, um acompanhamento da sociedade civil”, questiona Cavalcanti. 

O ambientalista também argumenta: “Quem vai fazer a gestão deste contrato? Vai ser um advogado? O advogado vai botar o seu pé com sapato de luxo e terno em um aterro sanitário para ver o que está acontecendo por lá? A questão de meio ambiente tem que ser com o profissional de meio ambiente. Em 30 anos poderemos ter grandes transformações tecnológicas, de metodologias e tudo mais. Quer dizer, daqui a 30 anos o nosso contrato vai ser esse?”, salienta Cavalcanti, lembrando que não há também previsão de constituir-se uma comissão de acompanhamento com a sociedade civil. 

“Me parece que isso é uma ilegalidade perante a política nacional de resíduos sólidos. Essa é uma questão muito séria”, complementou. 

Questões a considerar

Com inúmeros questionamentos à licitação do lixo, o certame pode parar na Justiça. Não faltam críticas ao processo de licitação do lixo que deveria ter sido feito desde setembro do ano passado, quando venceu o atual contrato realizado no fim dos anos 90. Mesmo com a contratação milionária de uma empresa para confeccionar o edital, são apontados diversos problemas de natureza jurídica, mas também de criatividade e entrega com as novas tecnologias. Especialistas apontam que da forma que está é antiquado e fora de sintonia com o que tem sido feito mundo afora, como por exemplo, a transformação do lixo em gás ou mesmo em tijolos para construção de casas, como ocorre no Paraná. 

Do ponto de vista jurídico há ações no Ministério Público pedindo o cancelamento da licitação e uma provocação ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) para interromper o processo. E mesmo que aconteça, pode haver sua anulação ou suspensão como ocorreu com a bilhetagem eletrônica do transporte público. 

Vale lembrar que no processo da bilhetagem, o município nada pagava pelo serviço e o atual governo municipal decidiu querer pagar quase R$15 milhões, a título de fiscalização da concessionária de ônibus. Ocorre que com o novo contrato do transporte público, a prefeitura decidiu mudar a forma de pagar o equilíbrio de número de passageiros para pagamento por quilômetro rodado. Isso quer dizer que cheio ou vazio, o que importa são as distâncias percorridas pelos ônibus. O contrato de concessão do transporte público já teve um aditivo semanas depois de ser concluído, fazendo o município ter que arcar com mais R$ 4 milhões.

Voltando ao lixo, cujos valores podem ultrapassar a casa de R$1 bilhão, há pelo menos seis relevantes pontos de possíveis irregularidades no Edital de Concorrência Pública:

1 - Prazo da concessão: A Lei Orgânica do Município, feita, inclusive por membros do governo quando eram vereadores, estabelece o máximo em 25 anos, incluindo eventuais prorrogações (art. 376). O edital prevê a concessão pelo prazo de 30 anos.

2 - Unificação de serviços públicos distintos com a finalidade de limitar a concorrência: Empresas com capacidade para prestar o serviço público de varrição de vias e logradouros ficam inviabilizadas de participar da concorrência em razão da unificação do item com a coleta de lixo domiciliar. A limpeza urbana como um todo representa apenas 17% da concessão (fl. 192 do edital).

3 - Ônus excessivo da garantia da proposta estabelecida em 1% do valor máximo estimado para o contrato com prazo mínimo de 90 dias e cláusula de prorrogação: Para concorrer a empresa precisa apresentar uma garantia estabelecida em R$ 11,3 milhões que corresponde a 1% do máximo previsto para o valor do edital, com prazo mínimo de 90 dias e cláusula de prorrogação, fato que representa um ônus excessivo para o licitante, limitando a concorrência e direcionando o certame.

4 - Impossibilidade de remuneração do serviço de limpeza urbana mediante taxa: Fica nebuloso no edital a forma de remuneração dos serviços públicos indivisíveis (limpeza urbana) que o STF já se posicionou pela impossibilidade de remuneração por meio de taxa. 'Tributo vinculado não apenas à coleta de lixo domiciliar, mas também à limpeza de logradouros públicos, hipótese em que os serviços são executados em benefício da população em geral, sem possibilidade de individualização dos respectivos usuários e, consequentemente, da referibilidade a contribuintes determinados, não se prestando para custeio mediante taxa. Impossibilidade, no caso, de separação das duas parcelas. A simples unificação dos serviços no mesmo edital pode gerar confusão na forma de remuneração e ocasionar prejuízo ao contribuinte.

5 - Ausência do plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos: O projeto de lei 369/24 ainda está em tramitação na Câmara Municipal para realização de audiências públicas e deliberação. A aprovação de um contrato de concessão de 30 anos antes do Plano Municipal é tornar o principal instrumento municipal de gestão de resíduos um verdadeiro natimorto.

6 - Dúvidas levantadas no próprio edital que causam ausência de segurança jurídica na contratação: Especialmente nas folhas 34 e 36, há questionamentos feitos por quem escreveu o edital que acabaram sendo publicados juntos, o que demonstra confusão e no mínimo falta de cuidado.   

Nova Friburgo ficando para trás

O mundo todo têm discutido as questões ambientais também com foco nas mudanças climáticas e na transição energética, onde o lixo e o esgoto entram como uma necessidade de ter novas formas de destinação, com reciclagem e reaproveitamento. 

O que a Prefeitura de Nova Friburgo faz é simplesmente não olhar para o futuro ou inovar em modelos que já foram consagrados em outros municípios. Também não há clareza, em caso da terceirização dos serviços públicos, para onde irão os funcionários concursados ou contratados da prefeitura que trabalham nesta pasta. São inúmeras famílias que dependem dessa renda e que estão na incerteza e que podem ficar à deriva. 

Para além da pouca ou nenhuma transparência, causa espanto a falta de planejamento, uma vez que todos sabiam desde o final dos anos 90 que o atual contrato se encerraria em setembro de 2023. Se esperou vencer o contrato para agir, sem discutir com especialistas e população, ferindo princípios constitucionais da administração pública, mas para além das normas legais, ferindo o espírito democrático e desdenhando dos potenciais de uma cidade que parece estar ficando para trás em vários segmentos e no lixo, não parece diferente. 

Expostos esses pontos, entre tantos outros, a dúvida que paira: foi feito desta forma, em ano eleitoral, para evitar a plena discussão e favorecer possíveis financiadores de campanha ou é só incompetência mesmo?

 

  • (Foto: Arquivo AVS)

    (Foto: Arquivo AVS)

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