Situada no extremo sul da Bahia, a destilaria da cachaça Matriarca, fundada nos anos 1990, se destaca pelo uso de madeiras brasileiras e exóticas no envelhecimento de suas cachaças. Um exemplo marcante é o uso da jaqueira, uma árvore originária da Ásia que, apesar de não ser nativa, se tornou parte integral do cenário brasileiro.
Quem nunca ouviu falar de uma jaqueira? No interior, onde cresci, elas eram comuns, e continuam a fazer parte do cenário urbano, inclusive aqui na capital de São Paulo. Perto de casa, essas imponentes árvores se destacam, crescendo ao longo dos muros da escola das minhas filhas. As jaqueiras estão por toda parte e, em alguns momentos, já chegaram a ser vistas até como uma espécie invasora. Esplêndidas jaqueiras crescem entre os muros da cidade de São Paulo, o que exige cuidado com a cabeça: os seus frutos estão entre os maiores do mundo!
Os primeiros registros da chegada de mudas de jaqueira ao Brasil datam do final do século XVII, na Bahia. A árvore foi trazida com a intenção de fornecer um alimento barato e energético para a mão de obra escravizada, devido ao seu alto valor nutricional e à facilidade de cultivo. Com o passar do tempo, a jaqueira se espalhou por todo o país, tornando-se uma presença constante em quintais e ruas. Além de sua madeira ser usada na fabricação de móveis, seus frutos são aproveitados em diversas receitas, tanto doces quanto salgadas — a famosa coxinha vegetariana, por exemplo. Recentemente, a jaqueira ganhou destaque em outra área, graças ao trabalho pioneiro da Matriarca: o envelhecimento de cachaças.
A Matriarca Jaqueira foi lançada no início dos anos 2000, sendo a primeira cachaça armazenada em jaqueira do mercado (do mundo!), um movimento que inspirou outros produtores a explorarem novas possibilidades com a madeira.
A produção da cachaça começa com o corte da cana-de-açúcar cultivada nos 160 hectares da Fazenda Cio da Terra, sem o uso de fogo. A proximidade do canavial com o alambique, onde a cana é processada, proporciona agilidade no processo de produção, evitando contaminações. O fermento selecionado (CA-11), que passa por renovações constantes ao longo da safra, é uma combinação de tecnologia e tradição que garante o padrão do destilado. A destilação é realizada em panelas de cobre, como deve ser a autêntica cachaça de alambique.
O toque final vem da jaqueira, com um detalhe especial: os barris são produzidos na própria tanoaria da destilaria, em colaboração com o mestre tanoeiro Gildásio, vindo de Salinas — um polo de cachaça renomado pelo uso de madeiras brasileiras, especialmente o bálsamo.
Na criação da Matriarca Jaqueira, a cachaça é armazenada em dornas de 5.000 litros e em barris de 200 litros, ambos feitos de jaqueira, seguindo um processo de envelhecimento sequencial. Esse método começa nas dornas mais antigas e é finalizado nas mais novas, garantindo complexidade e padrão ao destilado final.
Com o pioneirismo de usar jaqueira para envelhecer cachaça, a Matriarca não só eleva a diversidade do seu portfólio e inova no perfil sensorial no mercado da cachaça, mas também contribui para a preservação ambiental, reflorestando a fazenda com novas mudas dessa árvore, garantindo a sustentabilidade dos próximos lotes.
Os produtores da Matriarca estão criando um conceito de trabalhar com madeiras pouco convencionais, trabalho que começou com a jaqueira e agora também com a goiabeira. No Mapa da Cachaça estamos atentos às novidades que surgem desta destilaria baiana.
*O autor é graduado em Imagem e Som pela UFSCar e pós-graduado em Comunicação Digital pela USP. Criou
o Mapa da Cachaça, projeto que se tornaria uma das maiores referências sobre o tema, ganhando prêmio de melhor projeto cultural de 2014 pelo Ministério da Cultura. Suas pesquisas são compartilhadas em palestras pelo Brasil e em eventos internacionais.
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