Maior e mais antigo hospital psiquiátrico do Brasil fecha as portas

Instituto Nise da Silveira enviou para residência terapêutica seus últimos internos. Clínica Santa Lúcia já não aceita novos pacientes
terça-feira, 09 de novembro de 2021
por Adriana Oliveira (aoliveira@avozdaserra.com.br)
O Instituto Municipal Nise da Silveira (Foto: Reprodução da web/ IMNS)
O Instituto Municipal Nise da Silveira (Foto: Reprodução da web/ IMNS)

Como mostrou o “Fantástico” da TV Globo no domingo, 7, o maior e mais antigo hospital psiquiátrico do Brasil fechou as portas na última semana. Os dois últimos internos do Instituto Municipal Nise da Silveira, na Zona Norte do Rio, foram transferidos para uma residência terapêutica, que oferece um tratamento psiquiátrico mais humano e individualizado.

Localizado no bairro Engenho de Dentro, o Nise da Silveira já teve mais de mil internos. O número de pacientes foi diminuindo quando o hospital começou a se preparar para fechar as portas. “A partir de 2010 a gente passou a radicalizar mais essa nossa noção de que ninguém mais deve morar dentro de um hospital psiquiátrico”, disse Erika Pontas e Silva, diretora-geral do instituto.

As residências terapêuticas (RTs) funcionam em mais de 500 apartamentos alugados no país, com todas as despesas pagas pelo governo e assistência psicológica individualizada. O antigo hospital psiquiátrico, que leva o nome da psiquiatra alagoana que mais lutou contra os manicômios, Nise da Silveira, vai dar lugar a um parque. Os arquivos do antigo hospital, com os documentos que ajudam a contar a história da psiquiatria no Brasil, vão permanecer guardados. O espaço também vai continuar abrigando aulas de artes que ajudam na recuperação dos ex-internos.

Uma lei de 2001, de autoria do sociólogo e ex-deputado federal Paulo Delgado e que determina a desativação dos manicômios em todo o Brasil, não estabelece uma data para o fechamento desses espaços, mas acaba com o modelo de internação forçada, contra a vontade do paciente, e impõe tratamento digno.

A situação da Clínica Santa Lúcia

Em Nova Friburgo, o prefeito Johnny Maycon anunciou, em maio, uma intervenção na Clínica Santa Lúcia e a não renovação do contrato de prestação de serviço de internação psiquiátrica para pacientes do SUS. A Câmara Municipal derrubou o decreto e a questão foi parar na Justiça.

Em setembro passado, A VOZ DA SERRA noticiou, com exclusividade, o resultado de um censo inédito que traçou o perfil dos 110 internos da Clínica Santa Lúcia. Realizado entre junho e julho pela Coordenação de Atenção Psicossocial da Secretaria Estadual de Saúde e apresentado pelo Ministério Público Estadual, o censo indicou o planejamento inicial para desinstitucionalizá-los. A sugestão apresentada pelo dossiê foi encaminhar 52 internos para residências terapêuticas, dar alta a 31 e mandar seis de volta para casa, em seus municípios de origem. 

Questionada por A VOZ DA SERRA sobre o andamento do processo, a prefeitura, através da coordenação de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde, informou nesta segunda-feira, 8, que segue trabalhando intensamente no processo de transição e posterior desinstitucionalização dos pacientes da Clínica Santa Lúcia. Na última semana, atendendo a uma solicitação do governo do estado, foi fechada a porta de entrada de pacientes na unidade, porque não haveria sentido trabalhar a saída dos pacientes enquanto outros ainda estavam sendo internados.

Paralelamente a isso, o município está lançando processo seletivo para suprir os Caps (Centros de Atenção Psicosociais) de profissionais de saúde e  está implantando residências terapêuticas. Após isso, segundo a prefeitura, o Caps II será transformado em Caps III, com atendimento noturno. Os leitos de emergência do Hospital Municipal Raul Sertã também estão em funcionamento e, com toda essa rede estruturada, será possível programar a saída dos pacientes com segurança.

A prefeitura destaca que a direção da clínica é responsável pela administração, bem como dos funcionários. A Prefeitura de Nova Friburgo atua como uma equipe de desinstitucionalização, dando suporte à clínica na articulação com a saúde mental de Nova Friburgo, dos demais municípios internantes e do Governo do Estado, a fim de garantir a alta assistida dos pacientes.

Do início de setembro até agora, 22 pacientes já tiveram sua rede de apoio montada, cuja alta já está sendo discutida com a direção da Clínica Santa Lúcia. Essa rede de apoio é fundamental para que o paciente saia assistido e amparado por todos os equipamentos de saúde do município e da própria família, de acordo com a prefeitura. 

O perfil dos internos

O dossiê revelou que a clínica localizada há mais de 50 anos no distrito de Mury recebe pacientes de outros 15 municípios, sendo Teresópolis o segundo maior contingente, depois de Friburgo. São 52 internos de Friburgo, 27 de Teresópolis, sete de Cachoeiras, cinco de Bom Jardim, quatro de Duas Barras, três de Cordeiro, dois de Guapimirim, dois de São Sebastião do Alto, um de Cabo Frio, um de Cantagalo, um da capital, um de São José do Vale do Rio Preto e um de Trajano de Moraes. 

Com base no perfil traçado dos internos, a equipe do censo indica um planejamento para todos os 16 municípios internantes, que se responsabilizarão por seus pacientes. Para Friburgo, por exemplo, a primeira Residência Terapêutica (RT), para 26 pessoas, está prevista para sair até o fim do ano. A cidade ainda ganhará mais duas, segundo informações do MP, como noticiou A VOZ DA SERRA. Teresópolis, por sua vez, terá 13 pacientes encaminhados para RTs e 14 de volta para casa.

Há estimativa de implantação de Residências Terapêuticas por todo o estado, com uma unidade em cada um dos seguintes municípios: Bom Jardim, Cabo Frio, Santa Maria Madalena; duas novas em Teresópolis; e três em Friburgo. Entre as próximas ações, de acordo com o dossiê da SES, estão a criação de um grupo de trabalho de desinstitucionalização, suprir apoio técnico ao município de Nova Friburgo e promover programas de acesso à renda. 

Segundo apurou o censo, o transtorno mental é o motivo da maioria das atuais internações: 55 delas. A segunda maior causa (para 26 internos) é a “precariedade social”. Ordem judicial foi determinante para 14. Neste quesito, o dossiê assinala que “são pacientes de longa permanência; que a maioria dos internos não estava em crise; que a existência de transtorno mental não justifica a manutenção dos internos em manicômio por mera condição psíquica; e que foi constatada inadequação da clínica para o tratamento de transtornos mentais. Logo, o motivo real da permanência é o próprio processo de institucionalização, típico da instituição manicomial”, destaca o dossiê da SES.

O perfil médio da pessoa internada na Clínica Santa Lúcia é homem, branco, solteiro, entre 39 e 48 anos, com alguma renda e primeiro grau incompleto. Os homens são maioria (75%), contra 25% de mulheres. Do total de internos perfilados,  43,39% têm alguma renda, contra 34,31% que não possuem. Mas não há informações sobre os outros 33,30% restantes.

O censo revela ainda que a clínica, diferentemente do que muitos pensam, não é um lugar de idosos. A maior parte dos internos (35 deles) tem entre 39 e 48 anos; 26 têm entre 49 e 58 anos, 22 têm entre 59 e 68 anos. Somente sete têm mais de 68 anos e outros sete têm entre 18 e 28. Treze têm de 29 a 38 anos. 

A grande maioria (58), ou quase 60%, não têm onde morar fora da clínica. Outros 33 disseram ter onde ficar. E apenas cinco disseram ter moradia regular fora da Santa Lúcia. Entre os entrevistados não há ninguém albergado em abrigo público nem em situação de rua.

Outro dado relevante mostra o peso da ociosidade entre os internos. Caminhar pela clínica durante o dia é a única atividade diária para 57 deles e “passar o dia na cama”, para 30. A maioria (23) está aposentada, enquanto outros 19 estão desempregados. Sete disseram não ter ocupação. Entre os que têm uma profissão, há um pedreiro, um vendedor, um servente, um operador, um pintor, um “do lar”, um auxiliar de restaurante e um ajudante de caminhoneiro. 

A maior parte (24) estava empregada, porém sem carteira assinada, na época da primeira internação, enquanto hoje a maior parte (30) estava desempregada quando foi internada. A esmagadora maioria (73) é de solteiros, contra apenas 16 separados, sete casados e três viúvos. As redes de apoio com que contam são sobretudo de familiares (66). Quatro disseram que contam com um amigo. Mas 22 disseram não ter ninguém com quem contar. 

Sobre visitação, 22 não recebem ninguém e 65 são visitados por familiares. Quanto à situação jurídica, a maioria dos internos (52) é de curatelados, enquanto 31 respondem pelos próprios atos. A maior parte (56) foi internada sem ordem judicial, mas 35 estão lá por decisão de um juiz. A maioria (62) não sai da clínica, enquanto 24 saem somente se acompanhados. Apenas dois saem de licença sozinhos.

A maior parte dos internos (34) está na Santa Lúcia há mais de dois anos e menos de cinco. Em seguida, vêm os 27 com mais de cinco anos e menos dez de internação. O terceiro maior grupo (26) tem mais de dez anos de internação. Apenas 17 têm entre um ano e dois anos de internação; e só quatro têm menos de um ano. A maioria (50) tem na bagagem entre duas e dez internações, enquanto 23 têm mais dez. Entre os que têm múltiplas internações,  51 o fizeram em uma mesma clínica.

Antes da internação atual, a grande maioria (59) se submetia a tratamento no Caps (Centro de Atenção Psicossocial da prefeitura) ou em outros serviços de atenção diária. Mas 26 não recebiam nenhum tratamento extra-hospitalar. Apenas três eram atendidos em ambulatório. 

Dos 110 entrevistados, 105 fazem uso de múltiplos medicamentos e só três tomam apenas um remédio. A grande maioria (70) responde adequadamente ao que lhe é perguntado, 17 respondem sem nexo e 16 não respondem. Também a grande maioria (85) anda sem ajuda e só 11 com dificuldade. Higiene precária e roupas desalinhadas são características de apenas dois internos e só um não consegue permanecer vestido. Dos 110, 80 tomam banho e se vestem sozinhos e só 18 precisam de ajuda.

A grande maioria (46) tem o Primeiro Grau incompleto, 11 conseguiram terminar e três fizeram faculdade. Por outro lado, 14 são analfabetos e 11, apenas alfabetizados. Mas outros 25 não souberam informar o grau de estudo.

 

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TAGS: saúde | Governo