“A história do meu pai (uma pequena parte dela...)”

sábado, 19 de junho de 2021
por Guilherme Kato, especial para A VOZ DA SERRA
Hideo Kato
Hideo Kato

Em 16 de janeiro de 1919, nascia na Província de Shizuoka, meu pai, Hideo Kato, o 6º filho de Tadahiko Kato e Hama Kato. Em outubro de 1929, meu avô, achando que deveria tentar a sorte em um país supostamente mais promissor, embarcou com toda a família no navio Santos Maru, com destino ao Brasil. Foram 2 meses de viagem, passando pela Índia, Costa da África, cruzando o Atlântico. 

No mesmo navio estava a famí­lia Kassuga, cujo patriarca, que já vivia no Brasil e era inspetor agrônomo na Colônia de Acará (Belém-PA), os aguardava. Desembarcaram no Rio de Janeiro em dezembro, onde permaneceram por dois dias na Ilha das Flores, antes de seguir para seu destino. 

Minha tia Chiyoko assustou-se com a visão da floresta amazônica: "Mas ISSO é o Brasil?" O senhor Kassuga os alertara de que o solo a que se destinava o cultivo de cacau não era propí­cio por haver um lençol d'água subterrâneo, mas não foi ouvido. A famí­lia do meu pai foi sorteada com um lote de terra em Marquita, que redundou numa grande decepção, incluindo as precárias  condições de vida.

Sentindo-se enganado e insatisfeito com a perspectiva que vislumbrava, meu avô participou de um princípio de motim contra os dirigentes da Colônia. Foi então exilado para Capanema. Papai ainda ficou um tempo em Marquita com seu meio irmão Ogawa, e depois foi ao encontro da família. Mesmo sem falar português, meu avô conseguiu trabalho para si e os outros imigrantes que haviam sido expulsos com ele.

Decepcionado com a realidade brasileira, ele tinha a intenção de juntar dinheiro e voltar ao Japão, mas não teve tempo. Meu pai tinha então 14 anos quando meu avô morreu. Comandada agora pelo irmão mais velho, a família retornou a Belém, onde papai permaneceu até os 17 anos. 

Convidado pela família Kassuga para vir ao Rio, trabalhar no Sí­tio Tingly, em Nova Friburgo, minha avó, antevendo a saudade que sentiria, mas ciente de que haveria mais chances para o filho no Rio do que em Belém, se conforma. Papai chega a Nova Friburgo em 1936, sendo recebido pelos Kassuga como um membro da família. Daí, ele começa a estudar desenho por conta própria, tornando-se um mestre autodidata.

Em 1944, conhece uma jovem descendente de portugueses com suíços, tímida, mas não o bastante para deixar transparecer o interesse por aquele rapaz exótico e diferente que vendia caquis e cavalgava tão bem. Era Maria Dulce, nascida em Nova Friburgo, em 1926, 2ª filha de Assis Alves Nogueira e Maria da Conceição Nogueira. 

Já dominando a arte de desenhar, meu pai deixou o sí­tio e abriu um escritório de desenho e pintura. Talentoso, recebeu convite para ser professor de desenho, e sem registro, lecionava com licença provisória. Chamado a prestar exames para o Ministério da Educação, foi selecionado entre 23 professores e dois leigos, para a 2ª parte do exame, no qual passou, com louvor, recebendo então registro para lecionar nos 1º e 2º graus.

Hideo e Dulce namoravam firme apesar das intrigas e desconfianças devido à 2ª Guerra Mundial. Em 1947 foi realizado o primeiro casamento inter-racial da região, o que levou os curiosos  a superlotar a Catedral. Todo mundo queria ver ‘o japonês casar com a loura’. 

O professor chegou a dar aulas em sete colégios, ao mesmo tempo, e dirigiu o Senai de Nova Friburgo. Em 1963 chefiou o setor de engenharia da Usabra, uma grande fábrica de móveis, e no início de década de 70, assumiu nova função na Ferragens Haga.

O casal teve seis filhos: Ronaldo (1948); Beatriz (1950), Rogério (1951); Myriam (1953), Regina (1955) e eu [Guilherme] em 1968. Em 1997 recebeu a Comenda do Imperador Japonês Akihito. Neste mesmo ano, em comemoração aos 50 anos de casamento, lhes oferecemos uma viagem ao Japão, para que nosso pai pudesse rever sua Terra Natal. Era a primeira vez, desde que havia se mudado para o Brasil, que ele retornava à sua Shizuoka. 

No dia 18 de janeiro de 1999, dois dias após completar 80 anos de uma vida criativa, aventureira, honrosa e produtiva, ele partiu para um plano mais elevado, de onde, apesar da enorme saudade de sua presença iluminada, sabemos que continua a inspirar a vida de todos que foram tocados pela sua aura dourada de sabedoria.

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