“Estamos vendo cair por terra o uso da cloroquina”, diz reumatologista

Médico Davi Furatdo revela novo medicamento, já utilizado em pacientes do SUS em Friburgo, com resultados positivos na recuperação de Covid-19
sábado, 30 de maio de 2020
por Guilherme Alt (guilherme@avozdaserra.com.br)

A cloroquina e a hidroxicloroquina surgiram como medicamentos candidatos no combate ao coronavírus. Defendido pelo presidente Jair Bolsonaro, o debate sobre a eficácia dessas substâncias acabou sendo politizado, tendo favorecido a troca dos ministros da Saúde, Henrique Mandetta e Nelson Teich. Estudos iniciais mostraram que os medicamentos poderiam ser utilizados em determinadas fases da doença. Outros estudos apontam que as substâncias, utilizadas por reumatologistas para tratar artrite reumatóide e lúpus, não são recomendadas em nenhuma fase da Covid-19. O reumatologista em Nova Friburgo, Davi Furtado, fala sobre como esses medicamentos agem no combate ao Covid-19. Ele também revela que uma droga já utilizada em Nova Friburgo surge como a opção no enfrentamento ao coronavírus.

AVS: Antes do tema principal, fale sobre o que compreende a reumatologia.

Davi Furtado: A reumatologia é uma especialidade dentro da clínica médica e trata das doenças que acometem os músculos, ossos, articulações (as juntas), e dentre esses reumatismos temos os autoimunes e os não autoimunes. Por exemplo, um paciente pode ter artrose (desgaste na cartilagem, que não é autoimune) e o lúpus (doença autoimune que pode afetar articulações, pele, rins, células sanguíneas, cérebro, coração e pulmões).

A cloroquina e a hidroxicloroquina estão ligadas à sua especialidade. Para que elas servem?

A cloroquina foi desenvolvida pelos indígenas do Peru, no século 17, em meados de 1630. Eles retiravam o extrato da casca da árvore Cinchona, no Brasil, a quinquina. Esse extrato era usado para curar febre, dentre elas, a malária. Uma das pessoas tratadas por esse medicamento foi a esposa do vice-rei do Peru, a duquesa de Chinchón, que em uma de suas viagens pela Europa, levou o medicamento. Em 1830 descobriu-se a quirina, substância dessa casca e isso chegou aos EUA. Há relatos de que em 1949 o FDA (agência norte-americana de vigilância sanitária) aprovou a cloroquina, que é à base dessa substância, para tratar a malária. A hidroxicloroquina, nada mais é do que a inclusão do radical OH (oxigênio e hidrogênio) à cloroquina. A hidroxicloroquina é a medicação que mais se usa na reumatologia. Já a cloroquina, não usamos tanto devido aos efeitos adversos.

Explique melhor.

A hidroxicloroquina é uma medicação de boa potência e com menos efeito adverso que a cloroquina, por isso a utilizamos mais. Ainda em relação a cloroquina, os médicos viram acidentalmente, em 1949, que ela seria útil para tratar a artrite e algumas doenças autoimunes como lúpus, artrite reumatoide, dentre outras.

Além do lúpus, malária e artrose. Quais outras doenças são tratadas com cloroquina e como é a ação dela nos pacientes?

Embora não seja área da reumatologia, ela ajuda no tratamento da febre maculosa e chikungunya, ela é estudada para outras doenças infecciosas. Há também as síndromes de Sjogren e a do anticorpo antifosfolipídeo, que causam tromboses.

Como a cloroquina e a hidroxicloroquina surgiram como aposta no combate ao Covid-19?

Quando essa doença foi descoberta, os pesquisadores fizeram estudos no modelo conhecido como “chave-fechadura”, e pela cloroquina e a hidroxicloroquina serem antivirais  poderiam ser testadas por terem propriedades imunomoduladoras. Elas entram na célula e promovem uma ação na vesícula chamada lisossomo. A partir daí, promovem uma série de imunomodulação – uma ligação ao linfócito B, o linfócito T – e com isso o paciente diminui a produção de algumas citocinas, como interleucina 1, interleucina 6, fator de necrose tumoral. Sabidamente a Covid-19 tem a Fase 3, a mais grave, que desencadeia a Síndrome da Angústia Respiratória, que tem uma “tempestade de citocina”, então ela teria toda a lógica de ser usada.

Um estudo britânico indicou que o uso dos medicamentos nas fases mais graves não surtia efeito, outros indicaram o uso para sintomas leves e outros mostraram que nas fases brandas da doença tanto a cloroquina quanto a hidroxicloroquina não indicavam nenhuma melhora. Como o senhor avalia a eficácia desses medicamentos diante da dualidade de resultados?

A lógica da cloroquina era ser um antiviral na primeira fase e imunomodular na terceira fase. Só que essa medicação precisa funcionar “in vivo”. Uma diferença é ter essa ação in vitro no laboratório, outra é ter essa resposta no organismo. E com isso temos um primeiro problema – na reumatologia já é sabido por que usamos a medicação há décadas – que há  um delay (atraso) nessa ação no corpo. Quando o paciente usa, é preciso um tempo para fazer efeito benéfico, cerca de dois a três meses de uso contínuo. Assim que esse medicamento surgiu como candidato, os reumatologistas questionaram a eficácia dele em curto prazo. Em pacientes moderados a graves não surtiu efeito. Como são drogas que precisam ser tomadas por vias orais, nesses casos graves, o paciente já está entubado, em ventilação mecânica, com diminuição da função dos seus órgãos. Por isso estamos vendo cair por por terra o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina em pacientes com Covid-19 moderados e graves. Já para pacientes com sintomas leves, há um estudo da The Lancet (revista científica britânica), com 96 mil pacientes com sintomas leves e também não houve benefício. Portanto, é preciso aguardar mais estudos com relação à prevenção. Gostaria de ver os nossos pacientes reumatológicos que já usam o Reuquinol (cloroquina) há muito tempo já com esse efeito imunomodulado. Se eles tiverem Covid-19, será que terão sintomas mais leves? Daqui a um ano, talvez, teremos essa resposta. Para tratamento, de uma forma geral, esses medicamentos não funcionaram.

Quais os efeitos colaterais?

Há uma grande diferença sobre os efeitos indesejados entre pacientes reumatológicos e de Covid-19. Um paciente com coronavírus moderado a grave precisa ser internado; outro internado que usa demais medicamentos, uma droga pode influenciar na outra. É diferente de um paciente de consultório. Houve arritmia e morte súbita em pacientes internados, segundo alguns estudos. No consultório não vemos isso, porque usamos doses mais baixas. Podemos ter, também, uma associação da hidroxicloroquina com sedativo, com antibiótico. Com a Azitromicina já viu-se que não dá certo. Nos pacientes de consultório podem surgir problemas gastrointestinais, diarreia, vômito, dor de cabeça, quedas de plaquetas e leucócitos. Outro efeito é o acúmulo na mácula (olho). Esses são os principais efeitos.

Houve corrida às farmácias para comprar esses medicamentos que eram vendidos sem receita. Como o senhor avalia a falta de informação da população que tem procurado se automedicar sem estudos conclusivos?

Todos os médicos são contra a automedicação. As pessoas usam remédios com efeitos adversos e não são monitoradas. Isso gera também o desabastecimento. Quem precisa da droga, não acha. Ninguém deve se automedicar.

Noticiamos recentemente que a cloroquina é uma das substâncias utilizadas no Raul Sertã para combate ao vírus desde que haja autorização do paciente ou da família. Isso mostra que até os profissionais de saúde têm dúvidas  sobre esse medicamento?

O consentimento não é só usado nessa situação, mas também ao se submeter a uma cirurgia em que há risco de morte. A meu ver, o uso desse medicamentos vem caindo nos hospitais no Brasil e do mundo diante dos novos estudos. Temos que evitar críticas, pois estamos lidando com uma doença parcialmente desconhecida.

Um paciente com Covid pode exigir ser tratado com hidroxicloroquina e cloroquina, mesmo com as contra indicações?

Esses medicamentos vão sendo reduzidos e não mostram evidência cientifica sobre sua eficácia. Todo tratamento é uma decisão médico-paciente ou médico-família. O médico vai dar as soluções e discutir com o paciente para a tomada de decisão. 

Há outro medicamento que mostre alguma eficácia no combate ao coronavírus?

Em pacientes de moderados a graves pode ser assistido com corticoide intravenoso que é  anticoagulado porque a doença pode causar trombose. Um estudo recente sugere a substância Tocilizumabe, que é imunobiológica e já foi utilizada em Friburgo em mais de dez pacientes reumatológicos com resultados surpreendentes. Há ainda um estudo chinês sobre esse medicamento com boa resposta. Há também um estudo sendo feito pelo Hospital Albert Einstein. Vamos esperar mais notícias – até agora elas são muito positivas.

 

Como esse medicamento age nos pacientes?

É uma medicação que age na terceira fase, quando o paciente já tem acometimento pulmonar, indo para a síndrome de angústia respiratória ou ventilação mecânica. Por isso os médicos já podem usar essa nova medicação com vários estudos corroborando. É óbvio que é preciso mais estudos e exames. Os estudos preliminares, ao contrário da cloroquina e hidroxicloroquina, mostram evidências positivas. Os hospitais Raul Sertã, Albert Einstein e outros pelo mundo já utilizam esse novo medicamento. É preciso menos política e mais ciência.

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