ESPECIAL: Quem tem fome tem pressa

A frase do sociólogo Betinho, em campanha contra a miséria nos anos 1990, está mais atual que nunca, já que o número de miseráveis quase triplicou no Brasil, desde o início deste ano
sábado, 10 de abril de 2021
por Christiane Coelho (Especial para a A VOZ DA SERRA)
(Fotos: Arquivo Pessoal)
(Fotos: Arquivo Pessoal)

O Brasil tem, hoje, mais pessoas em situação de pobreza extrema que antes da pandemia, segundo cálculos da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Social, feitos com base nos dados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (Pnads) Contínua e Covid-19. De acordo com a FGV Social, 12,4% dos brasileiros, quase 27 milhões de pessoas, são miseráveis nos dias atuais.

O aumento do número de pessoas nessa situação em 2021 foi impactante, em relação a 2020. Isso porque durante o período em que cerca de 55 milhões de pessoas receberam o auxílio emergencial, o índice foi o mais baixo registrado na série histórica, 4,5%, que corresponde a cerca de 9,4 milhões de pessoas. “Se mesmo com o auxílio emergencial disponível, a população já buscava subsídios para diversas outras demandas, sem a possibilidade de recebimento do auxílio, a classe mais vulnerável se viu diante de uma situação extremamente complicada, tendo em vista, que neste período, estão buscando o básico da sobrevivência. O número de famílias que buscou e ainda busca por qualquer tipo de auxílio é significativo, diário e contínuo” revelou Ana Olivia Lemos Verly Waldhelm, assistente social do serviço Tecle Mulher. O cálculo classifica como pessoa em situação de miserabilidade quem vive com renda de R$ 246 ao mês ou R$ 8,26 ao dia.

Para os mais pobres, dinheiro está valendo menos

O cenário econômico influencia diretamente no aumento da pobreza. A população mais pobre consome toda renda que recebe. Tudo o que ela produz é convertido em consumo, exatamente por ser o mínimo. Grande parte da receita que uma família de baixa renda tem é gasta em alimentação, aluguel e contas básicas, como água e luz. “E é sobre esse consumo básico que o sistema tributário impõe altíssimas taxas. A população mais pobre chega a pagar de 15% a 25% da renda em impostos. A inflação interfere diretamente na vida da pessoa mais pobre e o maior índice inflacionário no Brasil, hoje, é o de alimentação e bebidas. Para as pessoas mais pobres o dinheiro está valendo cada vez menos”, explica o consultor financeiro Gabriel Alves.

Com a aprovação e prorrogação do auxílio emergencial para os informais e do Pronampe (Programa de financiamento do Governo Federal para pequenos empresários), que viabilizou a tomada de créditos, com juros menores e maior prazo para pagamento, para pequenas e micro empresas em 2020, houve um novo fôlego na economia do Brasil, nos bolsos dos informais e no caixa das empresas, o que trouxe um boom no consumo no Brasil. Mas, com o novo aumento de casos da Covida-19, e o fechamento da economia novamente, os benefícios oferecidos pelo Governo Federal estão bem menores que os ofertados ano passado. 

“Com menos emprego e menos dinheiro chegando ao consumidor, com menos possibilidade de crédito para micro e pequenas empresas, que representa mais de 70% da empregabilidade no país, teremos mais inflação e, consequentemente mais recessão. Tudo isso está conectado de alguma forma. A população não tem o que comer, porque não tem dinheiro para comprar o próprio alimento, isso porque não teve como gerar renda”, explica o Gabriel.

Para a assistente social Ana Olivia Waldhelm, a concessão do novo auxílio emergencial, com valores entre R$ 150 e R$ 375 não encerra os ciclos de vulnerabilidade dos mais pobres. “Para uma família que não tem renda, com gastos elevados (dos mais básicos) e sem políticas públicas que façam com que este quadro se modifique é humanamente impossível, um auxílio governamental que não chega sequer a R$ 400 auxiliar de alguma forma ao ponto de fazer com que a família saia de uma situação de vulnerabilidade social”, Observa Ana Olívia.

Friburgo ainda não recebeu cestas básicas do Governo Federal

O Governo Federal, através do Ministério da Cidadania, começou a enviar, no final de março, alimentos para que estados e municípios façam a distribuição para pessoas em situação de vulnerabilidade. Para tanto, o município deveria enviar documentos solicitados pelo Ministério da Cidadania. Em nota, a Secretaria Municipal de Assistência Social informou que o Governo do Estado do Rio de Janeiro está intermediando a liberação das cestas básicas para o município. 

A Secretaria estadual de Desenvolvimento Social informou à Prefeitura de Nova Friburgo que continua se articulando para a liberação desse benefício. O governo estadual vai elaborar um termo de cooperação para os municípios fluminenses, visando a distribuição de cestas básicas e a posterior prestação de contas. A Secretaria de Assistência Social de Nova Friburgo informa que está em contato direto com representantes do governo estadual para receber as cestas que, de acordo com a proposta, atenderão às famílias com perfil de extrema pobreza, inclusas no Cadastro Único para Benefícios Sociais do Governo Federal (CadUnico).

Segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social, em Nova Friburgo, mais de 17 mil famílias estão inseridas no CadUnico dos programas sociais do Governo Federal. E, dentre essas, mais de seis mil recebem os benefícios do Programa Bolsa Família.

A importância da merenda na alimentação das crianças mais vulneráveis

No final de 2020, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgou o resultado da segunda rodada da pesquisa Impactos Primários e Secundários da Covid-19 em Crianças e Adolescentes, mostrando que os impactos econômicos e sociais estão afetando cada vez mais as famílias, principalmente as mais vulneráveis.

Um dos dados apresentados foi a insegurança alimentar gerada pela perda de empregos e queda de renda das pessoas. A pesquisa mostra que 30% das pessoas das classe D e E deixaram de comer em algum momento porque não tinham dinheiro para comprar comida. E entre as pessoas da mesma classe, que moram com menores de 18 anos, 21% responderam que deixaram de comer por falta de dinheiro.

A merenda escolar tem papel importante na alimentação das crianças. De acordo com o Unicef, entre as famílias que recebem até um salário mínimo, 42% deixaram de ter acesso à merenda escolar durante a pandemia.

Em Nova Friburgo, esse ano, a situação está pior que a mostrada na pesquisa feita pelo Unicef no final do ano passado. Desde janeiro, nenhuma criança, aluna de escola pública, teve acesso à merenda escolar. Desde abril do ano passado, os recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), podem ser revertidos em kits de alimentos, distribuídos às famílias dos mais de 16 mil alunos da rede municipal, enquanto as escolas estão fechadas, devido à pandemia da Covid-19.

De acordo com a Secretaria Municipal de Educação, os repasses do PNAE estão acontecendo normalmente. Esse ano, o município recebeu aproximadamente R$ 600 mil destinados à compra de merenda escolar. As aulas da rede municipal tiveram início de forma remota em fevereiro. Já estamos em abril e a merenda ainda não chegou ao seu destino, ou seja, às mesas dos alunos. 

Em nota a Secretaria Municipal de Educação informou que “os processos para aquisição da merenda estão em andamento para atender os alunos da rede”, acrescentando que “a distribuição de cestas básicas compete à Secretaria Municipal de Assistência Social. O que a Secretaria de Educação está organizando, é a entrega de kits alimentação, que será mensal, para os alunos que não estiverem acompanhando as aulas presenciais”, acrescentou. 

A força da sociedade civil no combate à fome

Jovens se unem a serviço do próximo

Um grupo de amigos, com cerca de dez jovens, viu na solidariedade uma forma de mudar o mundo, pelo menos das aproximadamente 60 famílias da localidade de Prainha, em Conquista, no distrito de Campo do Coelho. “Entendemos que ocupamos um lugar de privilégio, mas isso não nos faz ficar parados. Nosso papel é levar para o outro um pouco daquilo que vivenciamos, é tentar diminuir essa diferença social. Quantos não dão valor ao prato de comida diário? O que para mim é natural ter, para o outro pode ser extraordinário”, explica Clara Ruiz Ventura, uma das participantes das campanhas.

Desde abril de 2020, um mês depois do início da pandemia, o grupo passou a levar donativos mensalmente aos moradores da Prainha. Para esse mês, eles estão arrecadando dinheiro para a compra de cestas de alimentos. “Vamos comprar mini cestas, que custam R$ 25 cada, com itens básicos. Não é uma cesta completa, mas é para socorrer neste momento em que estão precisando muito, porque é mais efetivo que ficar esperando juntar dinheiro para a cesta completa”, explica ela.

O trabalho dos jovens nessa comunidade começou em 2016, com ações em datas comemorativas, como Páscoa, Dia das Crianças e Natal. Mas de um ano para cá, com as crianças fora das escolas, onde merendavam, com o desemprego de muitos, devido à pandemia da Covid-19, as demandas também aumentaram. “Além dos alimentos, já levamos à essas famílias ekits de higiene pessoal, de materiais de limpeza, roupas, calçados e cobertores”, disse Clara.

Para montar as cestas, o grupo sempre recorre aos amigos e às redes sociais, pedindo contribuição em dinheiro. Eles também recebem doações de roupas e calçados para todas as idades e também cobertores. “Sabemos que nem todos estão em condições de contribuir com dinheiro. Todo tipo de doação é bem vindo. A gente vai à casa das pessoas recolher, ou marca um lugar para deixar. E não precisa juntar. Um par de sapato, que é leve, por exemplo, a gente pega”, esclarece a jovem.

 Além do trabalho social com a comunidade da Prainha, o grupo também tem um projeto com moradores de rua. Semanalmente, eles fazem uma ronda, do Paissandu a Duas Pedras, passando pelo Centro, na Praça Getúlio Vargas e no antigo fórum, distribuindo uma quentinha com refeição ou lanche, roupas, calçados e cobertores a pessoas em situação de rua. “Cada vez que a gente vai a esses locais é um sentimento de gratidão, de saber que estamos fazendo o que podemos pelos outros, para vê-los felizes, saudáveis, alimentados e sem passar frio. Infelizmente a gente não pode abraçar o mundo inteiro, mas se cada um fizer a sua parte, o mundo será bem melhor para todos”, acredita  Clara.

Quem quiser participar ou ajudar, basta entrar em contato com Clara, através do Whatsapp (22) 9 8165 1331. 

“Dai de comer a quem tem fome” (Mt, 14, 16)

Segundo os evangelhos, Jesus já se preocupava com a fome no mundo. E as igrejas cristãs têm exercido papel fundamental. Em Nova Friburgo, todas as paróquias têm serviços sociais. A Catedral São João Batista atende, mensalmente, cerca de 160 famílias com distribuição de cestas básicas. A equipe da catedral também faz a distribuição de 150 quentinhas, semanalmente no bairro Cordoeira. “Com o agravamento da pandemia, mais famílias t~Em procurado ajuda. E estamos arrecadando alimentos não perecíveis, leite, biscoitos, produtos de higiene pessoal e de limpeza”, disse a assessora de imprensa da Cúria Diocesana, Grasielle Guimarães. Os donativos podem der entregues na secretaria paroquial ou colocadas na caixa coletora dentro da igreja. Informações podem ser obtidas pelo telefone (22) 2522-1764.

Em Conselheiro Paulino, a Paróquia de Santa Teresinha atende a 40 famílias, ofertando cestas básicas. Mais informações sobre como doar podem ser esclarecidas pelo telefone (22) 25271740.

Igreja Luterana distribui cestas

A igreja evangélica Luterana também tem um projeto social, com distribuição de cestas básicas para famílias em vulnerabilidade social. De acordo com o pastor Gerson Acker, a demanda praticamente duplicou de janeiro até abril, e a Igreja, hoje, dá suporte a cerca de 32 famílias. “Atendíamos entre 12 e 15 famílias, mas esse ano, o número de famílias precisando desse apoio vem crescendo consideravelmente. Essa semana, nosso estoque de alimentos não perecíveis zerou. Prontamente, fizemos campanhas nas redes sociais da igreja e já conseguimos arrecadar mais”, disse o pastor.

Quem quiser contribuir com doações de alimentos não perecíveis para as cestas distribuídas pela Igreja Luterana, basta levar à secretaria da igreja, que fica na Avenida Galdino do Valle Filho, 1, no Paissandu, de segunda a sexta-feira, no horário comercial.

A fome não é só no estômago, é na alma

Com o início da pandemia da Covid-19, do isolamento social e do fechamento de igrejas devido aos decretos mais restritivos, centros e templos religiosos, três amigos, Wantuil Rodrigues Araújo Filho, Sandro Veras e Roberto Helbling, começaram a perceber o quão carentes de acolhimento as pessoas estavam ficando. Conversaram, se juntaram e, há sete meses, abriram a Casa do Peregrino. 

“Muitas pessoas antes mesmo da pandemia já estavam com problemas emocionais, espirituais. Quando fecharam tudo essas pessoas ficaram perdidas. Somos oriundos do espiritismo, mas a Casa do Peregrino funciona sem denominação religiosa. Não é momento de defender convicção religiosa, é momento de acolher as pessoas com afeto, com compaixão, devoção, amor”, explica Wantuil.

Com recursos próprios, alugaram uma casa no centro da cidade, ganharam móveis e arrumaram o espaço. Na Casa do Peregrino, há atividades três dias por semana. Às quartas-feiras, às 17h30, e às quintas-feiras, às 10h, tem a roda de conversa, uma atividade em grupo, que começa com uma reflexão inicial, depois meditação, em seguida, transmissão magnética, com a imposição das mãos e encerra com oração.  

“Com isso, procuramos que as pessoas fortaleçam sua fé, já que muitas, nesse momento de dificuldade, vem perdendo. A meditação tem o poder de trazer o autoconhecimento, tão necessário para as pessoas conhecerem seus recursos internos para lidar com períodos de turbulência como o atual”, esclarece Wantuil.

Para participar da roda de conversa, de acordo com Wantuil, o ideal é passar pelo acolhimento, um encontro individual, onde os líderes da Casa do Peregrino podem conhecer melhor a pessoa e conversar sobre os problemas pelo qual ela está passando. O acolhimento é com horário marcado. “Nosso intuito é trazer para a pessoa um bálsamo, um alento. É dar a pessoa a oportunidade de desabafar, de chorar, de  ter alguém com quem conversar”, disse ele.

Também há o programa Sintonia Matinal, às terças-feiras, às 7h30, com meditação apenas, que dura entre 10 e 15 minutos.  O projeto também vai inaugurar a rádio web da Casa do Peregrino, com programação 24 horas, trazendo orientações, mensagens de consolo e conforto. Para marcar o acolhimento e também saber mais sobre a Casa do Peregino, basta ligar para um dos telefones: (22) 98819 9958, (22) 99262 7719 e (22) 99213 0535.  O projeto também tem uma página no facebook: https://www.facebook.com/peregrino.peregrino.585. A Casa do Peregrino fica na Rua Luiza Engert, 10, no Centro.

Acolhimento a moradores de rua

Antes de abrir a Casa do Acolhimento, Wantuil Rodrigues Araújo Filho, já vinha fazendo, há oito anos, junto com outros amigos, um trabalho com moradores de rua, que parou nos primeiros meses da pandemia, mas retornou. Denominado Ronda de Luz, eles percorrem a Praça Getúlio Vargas e percorrerm ruas de Conselheiro Paulino e do Centro, distribuindo roupas, cobertores, calçados. 

Desde o ano passado, também estão levando refeições, sanduíches, sucos e chocolate quente. “Mas o alimento mais precioso que oferecemos é o apoio emocional e espiritual. Nesses momentos, fazemos orações de mãos dadas, em tempos sem pandemia, oferecemos nossos abraços”, explicou ele. O Ronda de Luz é promovido uma vez por mês e a Casa do Peregrino apóia o projeto, recebendo donativos para o projeto.

 

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