Crianças excluídas de escolas por falta de profissionais

Há escolas que não estão recebendo os alunos com deficiência e enviando tarefas para serem feitas com os responsáveis
terça-feira, 10 de outubro de 2023
por Christiane Coelho (Especial para A VOZ DA SERRA)
(Foto: Pexels)
(Foto: Pexels)

Excluídas: assim as mães de alunos da rede municipal de ensino de Nova Friburgo, com necessidades especiais e que estão sendo impedidos de frequentar as aulas por falta de profissionais de apoio (mediadores),  descrevem a situação de seus filhos. Uma delas, que preferiu não se identificar, informou que, no dia de retorno das férias de meio de ano a escola entrou em contato, pedindo que não levasse o filho, de sete anos, inserido no Transtorno do Espectro Autista (TEA) e que está no 1º ano do ensino fundamental, que fosse conversar com a diretora.

“Chegando à escola fui informada de que a mediadora que ficava com meu filho na sala de aula foi trabalhar em outra cidade e que não havia outro profissional para substituí-la. A escola propôs, então, que o meu filho ficasse com uma mediadora que faria hora extra com ele das 12h30 às 14h30, mas ela desistiu. Houve uma reunião com uma profissional da Secretaria de Educação, responsável pela área de mediação e foi oferecido que eu faça as atividades em casa com ele. E é o que está sendo feito”, relatou a mulher.

Com isso, essa mãe está sendo obrigada a exercer um papel que não é dela e, que o município deveria oferecer ao seu filho. “Eu não sou preparada para alfabetizar e estou tendo dificuldades em realizar as tarefas, pois devido ao autismo, ele tem dificuldade em se concentrar e resistência em realizar as tarefas. Ele está sendo muito prejudicado fora da escola, porque também sente falta da interação com os amiguinhos, com a professora. A escola fez passeios e ele não pôde participar. É muito doído ver meu filho sendo excluído assim”, lamenta a mãe.

Além disso, a mulher também relata a falta de preparo e de capacitação dos profissionais para lidarem com as crianças inseridas no TEA e com suas famílias. “Quando questionei se meu filho perderia o ano, eu ouvi da diretora da escola que eu deveria me preocupar em ele ser feliz e engraçado. Mas, ela como administradora de uma instituição de ensino, deveria, talvez até mais do que eu, estar preocupada com o desenvolvimento escolar de um aluno”, relatou ela.

Aluno com mediadora só três vezes na semana

Somente há um mês, Pedro Herdy Cunha, de 4 anos e inserido no TEA grau 3, passou a ter o acompanhamento de uma mediadora para frequentar a classe do maternal 3 de uma escola municipal. Mas, a mãe dele, Suelen Herdy Fontes Cunha, relata que a profissional só trabalha no colégio três dias por semana e ainda atende toda a demanda de mediação da unidade. “Meu filho ficou sem mediadora desde o início do ano letivo. Há um mês, entrou uma na escola, que atende outras crianças também. Só que todas as crianças têm direito a ir todos os dias e meu filho só três dias por semana. Ele já foi extremamente prejudicado por todo o período sem poder ir à escola ou em horários mais reduzidos ainda, agora continua numa situação de exclusão”, relatou Suelen.

A mãe também aborda a regressão do filho. “Devido à falta de mediadora, o Pedro teve uma regressão na parte escolar. Ele é uma criança não verbal, então ele regrediu mais ainda e ficou com comportamentos mais agressivos”, disse a mulher que fez um desabafo sobre a situação enfrentada por diversos pais de crianças com deficiência: “É dever da prefeitura e do Estado assegurar o bem-estar das crianças no ambiente escolar. Mas, na realidade, verifica-se que esse dever apenas é constatado na teoria, e não devidamente na prática. Dessa forma, a infância do meu filho, Pedro, fica  marcada por negligência por parte das secretarias municipais e prejudica severamente o seu futuro na parte social. Diante disso, para uma criança TEA grau 3, o dano moral, diferenças de convivência entre a criança e a  sociedade, prejudica o seu desenvolvimento. O que mais eu vejo, como mãe de criança especial, são criancinhas trancadas em casa, porque é dolorido  demais enfrentar a escola sem suporte, a sociedade sem orientação. Assim, se vê o descaso estatal e sua falha priva as crianças de seus direitos assegurados por lei, colocando-as em caminhos cheios de obstáculos que poderão limitar ou, até mesmo, impossibilitar oportunidades para um futuro melhor.”

O desabafo dela continua com: “seguindo essa linha de raciocínio, ainda falta o entendimento por parte dos cuidadores dessas crianças sobre o quão injusta é sua situação, já que, ao não possuírem autonomia de pensamento, no meu caso também a ausência da fala, ficam à deriva pela falta de profissionais e também porque, quando os tem, os ‘mediadores’ sequer sabem lidar com uma criança grau 3 no Espectro. Eu falo em meu nome e em nome de todas as mães dessa cidade que sofrem com tanto descaso”, diz. 

O que diz a prefeitura

Em nota, sobre o afastamento de alguns alunos da sala de aula, a prefeitura informou que “o caso de estudantes autistas nível 3 de suporte (grau severo), a sua permanência no ambiente escolar é sempre um desafio. Pois em um ambiente naturalístico como o escolar, vários fatores podem ocasionar uma crise de desregulação sensorial, heteroagressividade (que pode se manifestar em diferentes graus, desde expressões verbais/insultos, gestos agressivos ou violência física) ou autoagressividade grave (onde o indivíduo é agressivo consigo, se machucando ou se punindo de algum modo)”.

A nota continua com “sendo assim, a Secretaria Municipal de Educação por vezes precisa realizar o afastamento temporário do estudante autista para que a família possa procurar o médico responsável pelo seu acompanhamento, objetivando uma avaliação do quadro clínico no qual o discente se encontra ou pode acontecer do educando ter a sua carga horária reduzida.” A nota, no entanto, não respondeu sobre o afastamento de alunos por falta de profissionais de apoio, somente sobre o afastamento pelas crises de desregulação. A prefeitura pediu mais informações para poder responder especificamente sobre o caso, mas a denunciante preferiu não se identificar. 

Já sobre a saída de alguns mediadores, a nota informa que “à medida que tal fato ocorre, a Secretaria Municipal de Educação autoriza o pagamento de horas extras ou GLP para substituição da vacância.  Atualmente, a Secretaria Municipal de Educação conta com 420 profissionais de apoio escolar de Educação Inclusiva, somando-se às contratações temporárias, além do pagamento de horas extras e GLPs, que serão substituídos por servidores públicos concursados. O quantitativo da necessidade de profissionais é dinâmico, uma vez que é definido pelo tipo de apoio que precisam.”

Questionada sobre o número de vagas para os profissionais de apoio no concurso público ser menor (300), que o número atual e, que serão substituídos pelos aaprovados no certame, a prefeitura respondeu que “são estabelecidas prioridades e urgências de atendimentos dos estudantes com quadros mais complexos para os casos mais simples no que se refere ao suporte pelo profissional de apoio escolar (mediador escolar) e, ao longo do ano letivo, são realizados pareceres pela equipe de Educação Especial sobre a necessidade deste profissional para o apoio à escolarização dos estudantes com deficiência. 

Desta forma, o edital prevê, inicialmente, a contratação imediata de 300 candidatos aprovados e a formação de cadastro reserva que poderá ser chamado na medida do necessário e como recurso administrativo. Também é possível oferecer horas extras para estes profissionais.”

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