Adoção: número de pais disponíveis é maior que o de crianças

Mas as restrições impostas pelos pretendentes à adoção impedem que o processo avance
segunda-feira, 15 de agosto de 2022
por Christiane Coelho, especial para A VOZ DA SERRA
A juíza Adriana Valentim (Arquivo AVS)
A juíza Adriana Valentim (Arquivo AVS)

O direito de crianças e jovens à convivência familiar e comunitária com dignidade é um dos princípios mais importantes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a legislação nacional de proteção aos menores de 18 anos. Mas, segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Estado do Rio de Janeiro, existem 1.486 crianças e adolescentes abrigadas em casas de acolhimento e instituições públicas. Destas, 329 estão totalmente prontas para a adoção. São pequenos cidadãos à espera de uma nova família, de um ambiente amoroso e acolhedor em que se sintam seguras e onde tenham a chance de crescer de forma saudável e pacífica.

Mas, ao comparar com os números de pretendentes à adoção no Estado do Rio, as contas não fecham. Há muito mais pais disponíveis do que crianças e adolescentes para adoção. São 3.044 homens ou mulheres, ou casais heterossexuais ou homoafetivos em busca de um filho. Mas, se o número de crianças e adolescentes representa 10% do número de pretendentes à adoção, por que esses menores ainda estão abrigados?

Segundo a juíza Adriana Valentim Andrade do Nascimento, titular da 1ª Vara de Família, Infância, Juventude e Idoso de Nova Friburgo, o problema está nas restrições que o adotante impõe. “A maioria quer bebê, do sexo feminino, branco e, não é o que encontramos nos abrigos. A maioria dos abrigados disponíveis para adoção já é adolescente, negro e do sexo masculino”, explicou ela.

Outra questão que envolve a adoção é a falta de adaptação na nova família, mas quem tem que buscar esse equilíbrio é o adulto. “Quem quer ser pai e mãe e vê na adoção a via possível, tem que querer realmente assumir esse papel. É como uma gestante à espera de um bebê. Antes do nascimento é aquela expectativa, mas ter filhos não são momentos de felicidade. Crianças fazem birra, choram, respondem... E aí, o que a mãe biológica faz? Tenta educar e aguenta. Já quando o adotado faz isso, ou seja, age como criança, muitos pais devolvem para o abrigo. Criança não é mercadoria que quando dá defeito, devolve”, declarou a juíza.

Mudança no perfil dos adotantes

Hoje modelos diferentes de famílias buscam a adoção. Além dos casais héteros, também querem um filho, casais homoafetivos e homens ou mulheres solteiras. “ Vi crescer o número de casais homoafetivos disponíveis a adotar. Desde 2017, quando assumi o cargo, por duas vezes, houve crianças que foram devolvidas por famílias heterossexuais e foram para famílias homoafetivas, com as quais se adaptaram bem”, exemplificou a juíza Adriana Valentim.

Além disso, nos casais heterossexuais, a participação masculina tem sido bem maior, não só nos trâmites burocráticos, mas também na demonstração do desejo de paternidade. “Hoje, os pais, na acepção da palavra paternidade, estão muito mais em igualdade com as mulheres. O desejo de ter filhos é igual ao das mães. Tem pais, que só não amamentam. Alimentam, trocam fraldas, dividem com a mãe a responsabilidade de educar e criar a criança, na prática”, disse a juíza.

Casa de Acolhimento Vila Sorriso 

Crianças e adolescentes de Nova Friburgo, que foram afastados dos pais biológicos e não têm outros parentes que possam acolhê-los vão para a Casa Acolhimento Vila Sorriso (Cavis). Esse afastamento pode ser feito por diversos fatores: falta de moradia e alimentação; abandono; pai e/ou mãe vivendo nas ruas, envolvidos com drogas; reiterados atos de negligência, abuso sexual, entre outros.

Gerida pela prefeitura, a Cavis tem capacidade para abrigar 20 crianças e adolescentes. Hoje, tem apenas uma criança abaixo dos 10 anos e oito entre 10 e 18 anos. São crianças e adolescentes que trazem a marca do abandono, da violência, dos esquecimentos causados por familiares que, por uma condição ou outra, não cumpriram seu papel. “A Cavis não tem profissionais da área de saúde mental, psiquiatra e psicólogos, em número necessário para atender os abrigados que tanto precisam. E os cuidadores que lá atuam não recebem educação prévia nem contínua para lidar com essas  crianças e adolescentes.

O que diz a prefeitura

Em nota enviada à redação após o fechamento desta reportagem, a prefeitura informou que “após a solicitação da juíza. Adriana Valentim, o atual secretário de Assistência Social, Yuri Guimarães, já está promovendo cursos de qualificação para toda equipe técnica da Vila Sorriso. O curso de capacitação e aprimoramento é ofertado pelo Tribunal de Justiça e acontece até a 1ª sexta-feira do mês de setembro.” Informou também “que a equipe técnica da unidade tem psicólogo, assistente social, fonoaudiólogo, nutricionista e psicopedagoga atuando.”

A Cavis conta também com o apadrinhamento por um grupo de empresários e voluntários que colaboram com algumas necessidades dos abrigados, chamado Amigos da Vila Sorriso. "Quando os abrigados precisam de óculos, por exemplo, ou um curso que o município não cobre, eles patrocinam”, explicou a juíza, concluindo que “o que gratifica o juiz da Infância é que, apesar da gente ver tantas histórias tristes, algumas conseguem ter um final feliz.”

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