Líderes religiosos explicam como celebrar a Páscoa em tempos de isolamento social

Entrevistamos pastor luterano, administrador apostólico católico, pastora evangélica e presidente da Associação Judaica
sábado, 04 de abril de 2020
por Thiago Lima (thiago@avozdaserra.com.br)*
A capa do Caderno Z deste fim de semana
A capa do Caderno Z deste fim de semana

A Páscoa tem um significado importante para diferentes religiões. O Caderno Z de A VOZ DA SERRA entrevistou membros de algumas denominações para falar um pouco sobre a Páscoa neste cenário de isolamento social que o mundo está passando. Entre eles estão o pastor Gerson Acker, da Igreja Luterana; o administrador apostólico Dom Paulo Antônio De Conto, da Diocese de Nova Friburgo; a pastora Ana Maria Rangel, da Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra; e Fany Zissu, presidente da Associação Judaica de Nova Friburgo. 

AVS: Páscoa é momento de união, Como celebrá-la neste cenário atual, de isolamento social?

Pastor Gerson: A Páscoa  é a maior festa da cristandade. É o centro da fé cristã, pois celebra a ressurreição de Jesus Cristo, e por isso não pode deixar de ser celebrada. Diante da pandemia, o Tríduo Pascal (as celebrações que envolvem a Páscoa) acontecerão em ambiente virtual. Na Igreja Luterana, vamos sugerir duas formas de celebração: no seio familiar, ou seja, que cada família tenha o seu momento celebrativo em casa; ou por meio das redes sociais, acompanhando as lives no Facebook da Igreja Luterana.

Dom Paulo: Páscoa é momento de união. No seu testamento, no final de sua vida, Jesus, comunicando-se com o Pai, pede: “Que todos sejam um”. A semana pascal para Jesus é sempre a mesma, na sua paixão, morte e ressurreição. Mas, para o povo, é alterada. Muitos fogem do seu verdadeiro sentido. Quantos, em vez de contemplar, celebrar, viver, fogem para satisfazer seus prazeres como passeios, divertimentos, festas... abandonando Jesus na Cruz e sua ressurreição. A Páscoa de 2020 chega de modo diferente. O povo não está na indústria, no comércio, no emprego, na praia e nem na Igreja. Encontra-se em casa junto à família. Aí é chamada a atenção que devemos viver a “Igreja Doméstica”, a Igreja Familiar. Nesta, todos refletem os pecados cometidos: A falta de amor a Deus e ao próximo, os pecados contra a família, a sociedade: na ganância, no roubo, na riqueza, no capitalismo, na exploração, no abandono dos pobres, na falta de solidariedade. Refletem sobre os pecados cometidos contra a natureza: a poluição (do ar e da água), a terra doente, os alimentos contaminados. A ganância do homem estraga a si mesmo, à natureza e à sociedade.

Pastora Ana Maria: Esse momento é de afastamento físico, mas não afetivo. É momento de estreitarmos os relacionamentos, especialmente em casa. Interessante que a Páscoa fala da morte e ressurreição de Cristo. Podemos aplicar em nossas vidas morrendo para o egoísmo, para o consumismo, para tudo o que possa nos levar para longe do melhor da vida que é desenvolver relacionamentos saudáveis a partir de nossa casa. Então podemos sim celebrar a Páscoa com maior relevância porque mais do nunca estamos sentindo a falta de estar com as pessoas. Todos estão reconhecendo que as pessoas são o que há de mais importante na vida. Essa Páscoa poderá ser a melhor de nossas vidas. E podemos usar os meios de comunicação das das mídias sociais para nos conectar e celebrar a Páscoa.

Fany: Páscoa é um momento de reflexão sobre a liberdade. Lembramos a libertação do povo judeu da escravidão do Egito. Todos os anos reunimos a família e amigos para contar essa história e celebrar a existência de um D’us único. Nesse momento de isolamento social, o ser humano reconhece a importância da liberdade. Porém, com relação à Páscoa, nada muda. Devemos, mesmo sozinhos em casa, relembrar o que passou e valorizar mais ainda a vida. Sabemos que temos que fazer um sacrifício temporário para voltar à vida livre. Aqui em casa, eu e meu marido estamos programando ler a história da Páscoa, fazer as preces e comer os alimentos típicos: peixe, maçãs, ovos e pão ázimo. Verduras, as amargas e as mais doces. Cada uma com seu simbolismo. Uma taça de vinho e bons pensamentos.

 

AVS: Tudo na vida tem um propósito. O que as pessoas podem aprender com esta pandemia?

Pastor Gerson: Uma pessoa que cultiva algum tipo de espiritualidade tem a capacidade de ver nas intempéries da vida uma oportunidade de reflexão e aprendizado. Penso que a Pandemia nos faz enxergar o mundo como uma “Comunidade Global”, onde tudo e todos estão conectados. Não vejo a pandemia como “castigo divino” ou como “sinal do fim dos tempos” como muito apareceu nas redes sociais. Vejo-a como produto da forma que nós humanos temos conduzido a vida no Planeta.  Por isso, precisamos despertar uma espiritualidade que zele pelo bem de toda a Criação de Deus. Tenho chamado esse período de “Quaresma-quarentena”, no calendário litúrgico, a Quaresma é tempo de silenciar-se, de meditar, de jejuar, de buscar comunhão com Deus. De forma irônica e nada convencional, a quarentena meio que nos proporcionou isso. Sábia é a pessoa que está aproveitando a quarentena para nutrir sua espiritualidade.

Dom Paulo: Nesta Páscoa o clamor, através do coronavírus é pedir um basta. Então a família unida em suas casas, na oração, no diálogo, no afeto, no perdão, na conversão, na paz e no amor, refletindo sobre tantos erros e pedindo a misericórdia de Deus, vive uma Páscoa cheia de ressurreição para começar uma vida nova, colocando em prática, na contemplação, em família, a Paixão, a morte e a ressurreição de Jesus, prometendo viver o que Jesus pede: “Que todos sejam um”. A pandemia, para quem leva a sério todas as orientações das autoridades civis, sanitárias e eclesiais, pode ser uma conversão para dias melhores. Conto aqui uma pequena estória: “Muitos encontravam-se no inferno. Lá existia uma mesa comprida e larga. Sobre a esta as melhores comidas que se possa imaginar. Ao redor da mesa todos magros, feios, mortos de fome. Para comer tinham que usar um garfo de dois metros de comprimento. Ao espetar a comida, como o garfo era muito longo, não conseguiam colocar em sua boca. Que desespero! Por outro lado, no Céu também se encontrava aquela mesa cheia de comida boa, rodeada por pessoas contentes, alegres, todas gordinhas. Lá também tinham que usar o garfo de dois metros. O que cada um fazia? Espetava a comida e colocava na boca de quem estava na sua frente. Quem recebia comida repetia o mesmo gesto servindo o irmão que estava próximo”. Portanto, com o momento que estamos vivendo, vamos assumir um propósito de conversão e procurar viver a prática do amor. Quem vai nos salvar é o irmão. O garfo deve ser usado dignamente, pois no Juízo Final teremos que responder ao Senhor, quando foi que te vimos com fome, com sede, peregrino, nu, enfermo, ou na prisão e não te socorremos... E ele responderá: ‘todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer’. (Mt 25, 44 -45).

Pastora Ana Maria: Vejo que através dessa situação Deus tem nos chamado para Ele. Têm-nos levado à reflexão. Como temos vivido com nossa família, amigos, familiares, colegas de trabalho? Ouvi alguém dizer: "Nunca pensei que teria que estar solitária para ser mais solidária." Esta situação nos ensina que todos somos iguais. Esse mal não faz acepção de pessoas. Atingiu a todos - ricos, pobres, cultos, iletrados, país de primeiro mundo ou não. Todos estamos no mesmo barco. Devemos sair dessa crise melhores, transformados, amando e dedicando-nos uns aos outros. Devemos aproveitar esse momento para pedir a Deus que transforme os nossos corações porque se isso acontecer realmente sairemos melhores dessa pandemia, mas caso contrário voltaremos as mesmas atitudes. 

Fany: Para que o ser humano aprenda que não controla nada. Sempre haverá um Faraó na vida de cada um tentando tolher sua liberdade. A força estará sempre dentro do ser humano para manter sua essência e sua força. Lembrando sempre que a força maior vem de  D’us. Ele estava presente no Egito e continua ao nosso lado hoje.

 

AVS: Páscoa é ressurreição, renovação. Como você acha que a vida irá mudar após o momento que estamos passando? É importante aproveitar momentos introspectivos como este para ressignificar o que realmente importa. Qual mensagem você gostaria de passar para as pessoas nesta ocasião?

Pastor Gerson: Estamos sendo convidados a renovar a vida como um todo! Penso que o pós-coronavírus vai ser um tempo de valorizar o trivial: A valorizar mais o toque humano, abraços e apertos de mão (os encontros presenciais); a valorizar as pessoas da família, amizades e de maneira especial as pessoas idosas; a valorizar a liberdade de caminhar pelas ruas, praças; a valorizar até mesmo a nossa rotina! Porque segundo o que ouço por aí, a grande maioria está cansada de ficar dentro de casa. Quando eu era criança, quando caía e ralava o joelho, minha mãe me dizia que isso acontecia para que eu pudesse crescer. Esse momento de isolamento social, esse momento de não poder celebrar a Páscoa festivamente em comunidade, é uma espécie de “tombo no meio do caminho” que nos impele ao crescimento. Somos convidados e convidadas a nutrir a esperança de que estamos passando por uma fase. A morte de Cristo também foi uma fase no caminho da ressurreição. Nós cremos na ressurreição que acontece diariamente na renovação das vidas e na ressurreição vindoura. Enquanto isso, precisamos (parafraseando uma bênção cubana) manter a cabeça fria, o coração quente, a mãos abertas e os pés sem pressa e sem preguiça.

Dom Paulo: Páscoa é passagem. É ressurreição. É vida nova. Nossa religião não é de defuntos e sim de vivos e ressuscitados. Devemos ter grande respeito, afeto e amor para com os falecidos. Mas lembremo-nos que os vivos merecem muito mais atenção. Tem pessoas que só rezam pelos falecidos. E os vivos? Os familiares? Os pobres, os doentes, os abandonados, os famintos?  São João nos diz: “quem não ama está morto”. Corremos o risco de ser cadáveres ambulantes. Ressuscitando com Jesus estamos dando nossa vida em favor do próximo. Com isso todos devemos estar alegres, felizes e ressuscitados. Páscoa é libertação. Passamos da morte para a vida. Cristo morreu por nós e ressuscitou. Nossa morte ao pecado nos traz libertação. Livres e ressuscitados devemos libertar e ressuscitar nosso próximo para todos sermos irmãos seguindo Jesus Cristo. Feliz e Santa Páscoa para todos!

Pastora Ana Maria: Creio que as crises veem para nos refinar - "E sabemos que Deus faz todas as coisas cooperarem para o bem daqueles que o amam e que são chamados de acordo com seu propósito"(Romanos 8:28). É inevitável as perdas econômicas. O que acontecerá? O que iremos fazer? Se o coronavírus mostrou ao povo a importância da vida, da sobrevivência, creio que aprenderemos a consumir menos, a investir mais nos relacionamentos, e crer que teremos forças para reerguer a economia.  Eu desejo que esses momentos difíceis nos levem a reconhecer a nossa fragilidade - "... São como uma brisa; seus dias como sombra que passa." (Sl 144:4), não somos melhores que ninguém; que somos seres espirituais, emocionais e temos um físico, e, portanto, devemos cuidar de nós como um todo. Crescer nessas áreas para que tenhamos saúde para vivermos uma vida com propósito. Voltar-se para Deus - quando falo de Deus não estou falando de religião. O que as pessoas precisam compreender é que conhecemos a Deus por meio do Seu Filho Jesus que esteve entre nós e morreu em nosso lugar para nos conectar com o Pai. Por meio dele recebemos o perdão dos pecados e podemos desenvolver um relacionamento pessoal com Ele. Esse é o desejo de Deus - ter um relacionamento pessoal com cada um de nós. Se a vida é tudo - Ele é a fonte de vida. "Rios de água viva brotarão do interior de quem crer em mim" (João 7:38)

Fany: A mensagem maior é de  D’us: fé, força e foco. Que sejamos todos abençoados para superar mais esta provação. Paz para todos.

 

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