Já no século XVII, o escritor Gregório de Matos (1636-1696) gostava de saboreá-la nas casas amigas do Recôncavo Baiano. Duzentos anos depois, o jornalista e escritor carioca Lima Barreto (1881-1922) defendia-a de seus detratores, dizendo que não era ela quem fazia mal ao Brasil, mas a burrice.
Ao longo dos séculos, teve e tem muitos nomes e apelidos: cachaça, moça-branca, água que passarinho não bebe, aguardente, parati, cana, caninha, branquinha, pinga e muitos outros. "Bebida do povo, áspera, rebelada, insubmissa aos ditames do amável paladar", como salienta o historiador Luís da Câmara Cascudo em seu livro “Prelúdio da Cachaça”, lançado em 1968.
Nascida em data incerta, provavelmente no século XV, em Portugal, durante muito tempo a etiqueta proibia seu ingresso em locais mais distintos, esclarece o mestre Cascudo. Aos poucos, ela foi conquistando todas as classes sociais e até ganhando ingresso na história do Brasil. Era moeda de troca, obrigatória, levada pelos traficantes de escravos para a África. Foi com ela que os rebeldes brindaram a Confederação do Equador, em 1824.
Durante a Guerra do Paraguai, era fartamente consumida pelas tropas brasileiras e, misturada com pólvora, esfregada no corpo. Coisa de macho que, diziam, aumentava a coragem. Cruel, destruidora de lares e de vidas, não encontra simpatia no folclore, condenada quase sempre em quadrinhas, como: "Homem que bebe cachaça,/ mulher que errou uma vez,/ cachorro que pega bode,/ coitadinho deles três!".
Estudando o assunto pelo ângulo folclórico, sociológico, etnográfico e histórico, Câmara Cascudo conclui que "o brasileiro é devoto da cachaça, mas não é cachaceiro". Ainda bem. Cabe ressaltar a qualidade gráfica da edição deste livro pelo eBook Kindle (2015), com a mancha bem distribuída na página, tipos grandes, ótimos de se ler, ilustrações a cores em papel couche. Uma obra que se lê de um gole, como um copo de boa cachaça.
Detalhes
A cachaça é uma bebida de grande importância cultural, social e econômica para o Brasil, e está relacionada diretamente ao início da colonização portuguesa do país e à atividade açucareira, baseada na mesma matéria-prima da cachaça.
Já em 1502, as primeiras mudas de cana chegaram ao Brasil e nas primeiras décadas de presença portuguesa, o número de engenhos no país multiplicou rapidamente. O sucesso foi tão expressivo que até 1650 a colônia de Portugal era a maior produtora de açúcar do mundo.
A bebida acompanhou o ciclo do açúcar. Câmara Cascudo conta em seu livro Prelúdio da Cachaça, que a primeira cachaça no Brasil foi destilada por volta de 1532, em São Vicente (SP).
Depois dos séculos XVI e XVII, em que houve significativa multiplicação dos alambiques nos engenhos de São Paulo e Pernambuco, a cachaça se espalhou pelo Rio de Janeiro e Minas Gerais devido a descoberta do ouro e pedras preciosas.
O sucesso foi tão grande no Brasil que chegou a ter sua venda proibida pela Coroa Portuguesa em 1649, em função da queda nas vendas do vinho português. A cachaça também era temida nesse período pelo medo que ela estimulasse a rebeldia dos negros.
Ela também foi usada como símbolo de nacionalidade quando o Brasil Colônia começou a brigar para se libertar de Portugal. Como símbolo dessa luta pela independência do país, a cachaça era servida nas reuniões conspiratórias dos inconfidentes das Minas Gerais.
Já no século XIX, com o surgimento da economia do café e uma sociedade elitista que começou a rejeitar seus hábitos rurais e valorizar produtos e costumes europeus, a cachaça acabou ganhando o status de produto popular destinado a pessoas pobres, sem cultura. Porém, o produto continuou sendo altamente consumido em todo o Brasil.
A partir das décadas de 1980/90, após uma série de iniciativas, a cachaça passou a ser considerada um produto tipicamente brasileiro. Novos processos de fabricação propiciaram mais qualidade e diversidade de rótulos, e hoje a cachaça é apreciada não só no Brasil, mas em todo o mundo, por todas as classes sociais.
(Fonte: https://cachacaseleta.com.br/historia-da-cachaca/)
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