O Bhagavad Gita, texto mais célebre sobre autoconhecimento da tradição milenar da Índia e considerado o maior tratado universal sobre a natureza humana, diz que para se alcançar a tranquilidade mental é necessário desenvolver a paz de espírito, a gentileza, o silêncio, o autocontrole e a pureza de ser.
Essas são as disciplinas que a mente precisa desenvolver para atingir o controle sobre as oscilações mentais, raízes do sofrimento humano. É interessante pensar que a gentileza, uma amabilidade, uma delicadeza praticada pelas pessoas, possa ser considerada por essa tradição como uma austeridade da mente.
Talvez porque seja necessário discernimento e um grande esforço pessoal para se desenvolver a paciência e a compaixão de onde nasce a gentileza, que não é apenas uma polidez social visando benefícios próprios, mas um ato genuíno de respeito e amor pelas pessoas. A gentileza muda o rumo dos conflitos, gera bem-estar emocional e melhora todo o tipo de relação.
Uma mente inquieta é dominada por medos, apegos, aversões, vaidades e pela ignorância. Para o Yoga, essas são as toxinas mentais que prendem o ser humano em uma existência de sofrimento e que prejudicam a capacidade de raciocínio, de escuta e de compreensão.
Sem a gentileza, a mente se torna irritada, estressada, inquieta e apressada. E, devido a essa desorganização emocional, o sistema nervoso autônomo, sobrecarregado no eixo do estresse e numa eterna resposta de luta e fuga, acaba adoecendo o corpo.
A primeira manifestação de gentileza deve ser com você mesmo. Da mesma maneira que consideramos indesejável a interação com pessoas rudes e pouco gentis, lidar com a sua própria mente nesse estado me parece também algo bastante desagradável.
Em alguns momentos a nossa mente está tão agitada, com pensamentos tão fantasiosos e distorcidos, que perdemos a tolerância com tudo e com todos. Nutrir-se de compaixão e caridade com as próprias limitações pode servir de base para que a gente desenvolva compaixão com aquilo que vem do outro.
Por mais que cada pessoa seja única e com muitas idiossincrasias, no fundo o ser humano é muito previsível — ele quer ser amado, respeitado, se sentir completo e satisfeito. Estar consciente para não permitir que os desafios da vida despertem reatividades que nos induzem a grosserias e hostilidades, é uma habilidade que demanda uma inteligência emocional muito grande da qual nem sempre dispomos. Entender que essa dificuldade não é exclusividade nossa, mas comum aos seres humanos, já é uma maneira das mais genuínas de desenvolver compaixão. Eu não sou gentil apenas para um bom trato social ou porque algum livro sagrado orientou, mas porque eu me enxergo no outro.
Por isso, o conhecimento milenar do Yoga nos aconselha a desenvolver a gentileza dentro de nós para conseguir expandir isso aos outros. Precisamos de delicadeza sem perder a força da mente e a leveza de espírito. A gentileza gera um efeito cascata (gentileza gera gentileza), porque faz bem a quem pratica e transforma o dia de quem recebe o gesto.
O Dr. Benson, pesquisador de Harvard, diz que quando realizamos um ato de gentileza, nosso corpo nos recompensa criando uma “sensação agradável”, o que aumenta a autoestima e o bem-estar. Esse efeito é conhecido como o “barato” de fazer o bem, liberando endorfinas no corpo – substâncias naturais semelhantes à morfina que criam uma sensação de felicidade dentro de nós. Ao mesmo tempo, quem recebe um gesto de gentileza pode se sentir mais acolhido, diminuindo o estresse, promovendo o contato social e diminuindo o sentimento de isolamento que pode levar a depressão.
A gentileza desabrocha naturalmente de estados emocionais e espirituais mais avançados. Pedro Kupfer, um grande professor de Yoga, diz: “Gentileza é aquilo que naturalmente surge quando a pessoa amadurece emocionalmente ou se aproxima desse estado de consciência que é moksha, a total liberdade. Como todas as demais virtudes, a gentileza é um efeito colateral da maturidade emocional”.
As Upanishad, escrituras sagradas hindus dizem: “Tanto o benéfico quanto o prazeroso se apresentam ao ser humano. O sábio os avalia, percebe a diferença e prefere o benéfico ao prazeroso. Mas aquele que não é sábio escolhe o prazeroso em vez do benéfico”.
Assim, o discernimento do Yoga é a capacidade de perceber que para cultivarmos a gentileza, precisamos de muita força mental, pois nossos instintos são atraídos somente pelo que é gratificante e nossa mente precisa distinguir entre o que é prazeroso e benéfico.
O Yoga estimula a arte da observação dos nossos processos e diálogos internos, e se torna um instrumento do bem comum, pois a partir do autoconhecimento, tendo em vista que nossa conduta refletirá no todo, age-se a fim de que todos os seres sejam felizes. Quando chamavam o profeta Gentileza de doido, ele respondia: Sou Maluco pra te amar e louco para te salvar.
*Igor Fonseca é instrutor no Estúdio Samsara
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