“Impressionante, a gente olhava a previsão e parecia que nunca mais ia chover”. Talvez em outros países, esta frase do enólogo Edegar Scortegagna, da vinícola Luiz Argenta, em Flores da Cunha, poderia parecer ter um tom de alarmismo. Mas, na época da colheita na Serra Gaúcha, a expressão reflete um regozijo pelo excepcional clima que houve no período. “Assim você vinifica com tranquilidade, toma a decisão de colher com tranquilidade. O fruto está maduro, colhe, coisa que quase nunca acontece por aqui”, comentou.
O clima no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, especialmente durante a vindima, levou quase todos os enólogos e produtores a trabalhar com o sentimento de estarem vivendo um momento ímpar na vitivinicultura brasileira.
“Houve um índice de chuva muito baixo, inclusive causando problemas hídricos nas cidades, mas, para o vinho, foi fantástico. A safra 2005 foi muito boa, de 2011 e 2018, boas, e este ano impressionou. Não choveu. Nos tintos houve maturação fenólica plena. Foi um ano espetacular”, comemorou Flávio Zilio, enólogo da vinícola Aurora.
O “clima perfeito” começou, segundo dados da Embrapa Uva e Vinho, de Bento Gonçalves, ainda em novembro passado, com chuvas abaixo da média. Dados enviados pela pesquisadora Maria Emília Borges Alves revelam ainda que as temperaturas estiveram acima da média, assim como o quociente de maturação.
Condições perfeitas
Um dos entusiastas da safra 2020 é o enólogo uruguaio Alejandro Cardoso, que trabalha em projetos em diversas regiões do sul. “Choveu muito na primavera, aí se pensou que poderia complicar, mas, a partir de dezembro, começou a secar e não choveu. Com temperatura alta, as uvas foram amadurecendo. Na Serra, foi seco, mas nem tanto, caiu uma garoa, uma chuva esporádica, que mantinha o grão inchado. Depois, em janeiro, caiu a temperatura à noite, com dias batendo 30ºC e noites indo a 22º, 18ºC. Ou seja, uma maturação lenta, com uvas sadias. Na Campanha já foi muito mais seco, uma seca histórica, com muito calor”, listou.
Quem também aponta um panorama ligeiramente diferente na Campanha Gaúcha é o enólogo português Miguel Almeida, do grupo Miolo, que passou 71 dias direto em vindima — Projeto Fortaleza do Seival Vineyards.
“Foi a maior safra do Seival, com mais de 2 milhões de quilos de uvas. Anos de muita quantidade é difícil aliar qualidade, mas neste ano foi possível. Sanidade, qualidade de maturação com um verão extremamente seco e quente. É efetivamente um grande ano, se será histórico só o tempo dirá. Para as brancas tivemos equílibro entre açúcares e álcool. Nas tintas, um pequeno desequilíbrio para sobrematuração, mas são desafios do ano”, afirmou.
Menos, mas melhor
“A falta de chuvas de janeiro, de certa forma, nos prejudicou em termos de quantidade, pois fez com que as uvas sofressem para se desenvolver, por conta da estiagem. Porém, em termos de qualidade, uma super maturação que, por consequência, nos agraciou com esta qualidade excêntrica”, avaliou Deise Tem Pass, enóloga da Peterlongo. Segundo ela, a vinícola estima uma safra 40% menor, mas de qualidade excepcional.
Zilio, da Aurora, revela que a empresa também aguardava um safra menor: “Passamos dos 62 milhões de quilos. Havia uma previsão um pouco menor. No início se achava que a perda ia ser maior, mas não se refletiu”.
Mauro Zanus, da Embrapa, estima que a produção total da safra de uva no Rio Grande do Sul seja um pouco inferior a 2019 (que foi de 614 milhões), “ficando entre 550 a 590 milhões de quilos”.
Safra histórica
“Talvez esta tenha sido a nossa grande safra”, diz Renato Savaris, enólogo da Maximo Boschi. Diante de tamanha qualidade, ele revela que está comprando grandes quantidades de uva para suas linhas já tradicionais e também outras variedades:
“Nesta safra estamos trabalhando novas variedades, além das tradicionais Merlot, Cabernet Sauvignon e Chardonnay, como Tannat e Marselan”, revelou.
(Fonte: Resumo de artigo de Arnaldo Grizzo publicado na íntegra em 25 de setembro de 2020, na Revista Adega)
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