Conversa noturna

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Mas não existe nada no mundo mais insistente do que mulher quando acorda no meio da noite

Estava eu no melhor dos sonos quando senti que alguma coisa perfurava minhas costelas. Pensei que fosse um tiro, mas era apenas minha mulher me cutucando.

- Acorda, Armando. Tem um bandido no quintal. Você dorme igual pedra, vai ver nem ouviu os passos lá fora. Escuta só!

Não escutei nada. Cobri a cabeça com o cobertor e procurei tranquilizar Madalena:

- Vai dormir, querida. O barulho foi lá do outro lado da rua. Carro passando de madrugada. Só isso.

Mas não existe nada no mundo mais insistente do que mulher quando acorda no meio da noite, ainda mais se ela acha que tem um bandido rondando a casa.

- Levanta, homem. Não seja medroso, abre a janela logo e vê se tem alguém lá fora.

Levantei, qual era o jeito. Mais dormindo do que acordado, tomei o rumo da janela.

- Não chega muito perto, Armando. Olha de longe. Não se mete a herói.

Eu mal me lembrava de onde era a janela. Apontei o nariz mais ou menos naquela direção, sem saber se estava agindo como medroso ou herói. Garanti que não tinha ninguém lá fora e voltei para a cama. O sono voltou e, junto com ele, outra cutucada na costela.

- Se agasalha e vai lá na área, Armando. Tem um barulho estranho no telhado.

Coloquei o roupão e já ia saindo do quarto, quando veio a contraordem.

- Tira o roupão, homem de Deus. Assim, o bandido vai te ver até no escuro.

Joguei o roupão na cama e fui até a área. Voltei informando que o barulho no telhado era chuva.

- E você foi lá fora desagasalhado! Não sei pra que eu te dei esse roupão!

Eu ia responder que ela mesma... Mas não tive tempo.

- Viu o ladrão?

- Não tem ladrão nenhum, Lelê. Vai dormir.

Na volta para a cama, escorreguei no tapete. Esparramado no chão, fiquei ouvindo as críticas que vinham lá do alto:

- Com esse barulho todo você deve ter espantado o ladrão. Ele já deve ter fugido...

E eu pensando que era justamente isso que ela queria!

- Tanto melhor. Agora podemos dormir sossegados.

            - Nada disso, Armando. Eu queria saber quem era o atrevido. Se duvidar, era aquele sujeito que você junta latinha de cerveja pra ele. Também não era motivo pra você se jogar no chão, de tanto medo.

 O joelho estava doendo. Fui ao banheiro pegar uma pomada.

- Não acende a luz, homem! Você quer chamar a atenção do bandido? Vai devagarinho ao corredor e telefona pra polícia.

- Mas você não disse que o ladrão já deve ter fugido? Pra que incomodar a polícia?

 - Você gosta de me contradizer. A gente aproveita e registra uma queixa. Não se pode mais dormir em paz nessa casa!

Pelo menos nisso ela tinha razão.

- Vai depressa, mas antes põe o roupão que está muito frio.

Fui ao corredor, liguei para meu escritório. Fiz uma queixa enérgica, que foi devidamente ouvida e registrada pelos móveis da sala vazia. Aí veio a maior surpresa da noite:

- Mas já?! Que eficiência! E ainda tem quem fale mal da nossa polícia! Parabéns, capitão. Parabéns!

Voltei para o quarto e expliquei a Madalena que policiais em ronda haviam prendido um estranho em frente ao nosso portão.

- Eu não te falei? Você acha que eu ia te acordar sem motivo? Não sei por que você nunca dá atenção ao que eu digo! E tira esse roupão que hoje está fazendo muito calor!

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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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